– “Depois da fortificação da Nação do Fogo, as mortes e desaparecimentos diminuíram quase completamente, enquanto dobradores de terra e de água começaram a sentir-se ameaçados. Algumas vilas mais pobres do Reio da Terra afirmam terem tido seus dobradores sequestrados sem qualquer rastro”. – Zara franziu o cenho e apertou um pouco o pergaminho em mãos.

– Não são mais apenas dobradores de fogo... – Sussurrou falando consigo mesma. Avalon postou-se ao lado dela e colocou a mão em seu ombro. – Eu preciso treinar... – Sussurrou se retirando dali. Guardou o pergaminho numa das bolsas e pegou seu planador, dado de bom grado por Muraoka.

Enquanto Zara planava para longe da pequena vila, Sozen corria livremente, seguindo-a com cautela e quase imperceptível aos viajantes. Zara aterrissou numa região deserta, não havia vivalma por perto, só então conseguiu treinar mais uma vez sua dobra de terra e de ar.

~

A semana se passou e Zara quase desistia de decifrar a planta que Tenzin havia lhe entregado, passava os dias inteiros na biblioteca, procurando alguma espécie de referência, dica ou qualquer coisa que lhe passasse um pouco de esperança.

Ela não dormia há dois dias, mas pregava os olhos, mesmo para piscar. Lia e relia as poucas palavras de Aang no papel, mas nada entendia.

– “Quando há paz dentro, no escuro do olho, no ponto de luz, há a dor do mundo.” – Leu mais uma vez, sem resultados.

– Zara... – Ouviu a voz grave de Avalon atrás de si, o que a fez levar um pequeno susto. – Você está bem? – Perguntou num tom preocupado. Ela suspirou e se levantou, deixando o pergaminho aberto em cima da mesa com dezenas de livros ao redor.

– Estou... Inquieta. – Disse se encostando na mesa.

– Está estressada. – Falou Avalon colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. Mais uma vez Zara suspirou, encarando o rapaz com certa hesitação. Depois que saíram do templo, nada mais havia acontecido entre os dois. – Zara... Você precisa relaxar... – Aconselhou preocupado.

A garota aproximou-se do corpo dele e passou os braços por baixo dos dele, abraçando-o fracamente enquanto ele apertava-lhe contra o peito. Avalon suspirou silenciosamente antes de soltá-la e sentar numa cadeira ao lado da dela, o que a fez sentar também.

– Zara... Sei que está estressada tentando resolver isso... – Disse olhando para o pergaminho, mas logo voltando a fitar os olhos azulados da moça. – Mas eu também quero resolver algo. – Sussurrou. – Eu estou procurando algo que não existe? – Perguntou com um olhar intenso que fez o coração da menina pular.

Ela suspirou e abriu um pequeno sorriso relaxado.

– Não. – Foi a resposta simples dela. – Me desculpe, eu só estou...

– Estressada. – Ele falou sorrindo de canto e fazendo-a sorrir também. – Eu quero poder te ajudar. – Sussurrou.

– Você está ajudando. – Afirmou a garota. – Me desculpe se não pareço muito grata mas...

– Não... Eu quero participar da sua vida, Zara. – Ele falou com certeza na voz. – Eu quero namorar você, quero ser especial, quero te completar. – Começou a falar mais do que necessário, fazendo o coração da menina ter surtos que chegavam a incomodá-la. Avalon sentia borboletas na barriga, parecia não conseguir mais conseguir segurar. – Você não entende? Eu... eu gosto de você mais do que gostaria de admitir, isso nunca aconteceu, e posso jurar que nunca mais vai acontecer. Não quero te ver assim, estressada, quero te ver encarar as coisas com um sorriso, quero te ajudar a sorrir, a ser feliz. Eu quero... Eu... Desculpe. – Gaguejou por fim, percebendo ter passado dos limites. Para Zara, ver Avalon vulnerável daquela maneira era surreal.

Ele se levantou inquieto, com as sobrancelhas unidas.

– Desculpe, eu... Vou te deixar sozinha... – Sussurrou. Quando o rapaz lhe deu as costas, Zara abriu um sorriso abobalhado. Antes que ele saísse da biblioteca, a garota correu até ele e o abraçou por trás.

– Eu quero. – Sussurrou sentindo as mãos dele segurarem seus braços que enrolavam a cintura do rapaz. Ele virou o corpo para ela, ainda preso naquele abraço e a abraçando de volta.

– Quer namorar comigo, Zara? – Perguntou para se certificar do ouvira, mas logo vendo que soara como um verdadeiro pedido.

– Quero. – Ela respondeu com um sorriso breve no canto dos lábios rosados altamente atrativos aos olhos de Avalon. Num movimento de cabeça veloz, delicado e ágil, Avalon mordeu-lhe o lábio inferior e puxou um pouco, com um sorriso sensual nos lábios.

Ele desceu pequenos beijos pelo queixo e pescoço da garota, sua barba causando arrepios agradáveis. Zara enfiava os dedos pelos fios compridos do rapaz e deixava os lábios entreabertos sentindo as mãos do mesmo apertarem-lhe a cintura.

Ela fechou os olhos lentamente, apenas apreciando as sensações que as mãos e boca de Avalon lhe proporcionavam, pelo pescoço, orelha e rosto. Fazia tempo que não relaxava, fazia tempo que não estava em paz. E ao chegar a esta conclusão, tudo ficou absolutamente negro na consciência da garota, fazendo-a abrir os olhos bruscamente e ver tudo exatamente como estava antes.

– Algum problema? – perguntou o rapaz, preocupado, com a boca próxima à dela. Zara negou com a cabeça, decidida a entender. Sempre que piscava os olhos via tudo negro, como suas pálpebras fossem portais para o espaço inter-estelar. Avalon continuou suas carícias, desta vez mais lentamente e observando as reações de Zara.

A garota fechou os olhos mais uma vez mergulhando naquele universo estranho de suas pálpebras. Era tudo negro, mas quando Zara prestou atenção, viu pequenas estrelas para todos os lados.

– Zara! – Chateou-se Avalon ao ver que suas carícias não estavam surtindo efeito.

– É isso! – Ela exclamou, finalmente entendendo. – Obrigada! - Disse beijando-lhe rapidamente e voltando-se para o pergaminho. Por mais chateado que estivesse pela quebra do clima, Avalon sentiu-se útil e curioso, não sabia o que havia feito.

Finalmente havia descoberto o que era aquele pergaminho, e talvez até como usá-lo. Mas pelas palavras de Tenzin, escolheu não contar a ninguém o funcionamento. Quando há paz dentro, no escuro do olho, no ponto de luz, há a dor do mundo. Relia o que havia lá escrito.

No pergaminho ela via a planta de uma construção estranha, quase como uma pirâmide de base quadrada que tinha mais uma pirâmide menor em cada ponta. Elas apontavam para os pontos colaterais, e não para os cardeais como de costume. Mas diferente de uma bussola, os pontos eram fixos, e não havia agulha vermelha pra mostrar uma direção.

A direção dependia de Zara. E sabia exatamente o que fazer, só precisaria chegar àquela construção, embora não soubesse onde ficava.

– Gumo. Onde ficaria situada uma bússola sem agulha? – Perguntou.

– Não funcionaria... Não seria uma bússola. – Respondeu Gumo, na mesa ao café-da-manhã, já entretido com um aparente novo desafio.

– Mas se funciona. – Ela falou com um sorriso desafiador.

– Hm... – Ele levou o indicador e o polegar até uma barbicha que se formava em seu queixo e fixou os olhos azuis profundos num ponto aleatório.

– Então ela teria de estar parada, fixa, sempre apontando para os mesmos pontos. – Ele respondeu.

– E se ela só aponta para os pontos colaterais? – Zara incrementou enquanto levava um pedaço de pão à boca. Tenzin observava tudo com atenção, enquanto servia-se; Todos estavam diante da mesa, e só os dois falavam.

– Ela teria que ser dobrada. – Falou Jinora enfiando um rolinho de queijo na boca, sentada ao lado da jovem avatar que quase não a ouviu, logo nenhum outro ouviu.

– O que disse? – Perguntou Zara voltando-se para a primogênita.

– Ela teria que ser dobrada. – Repetiu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Você sabe, duas. – Disse sorrindo gentil vendo Zara franzir o cenho.

– Como assim? – A Avatar perguntou, mais interessada.

– Uma bússola tem que apontar as direções certas, em qualquer lugar do planeta. Mas se eu só tenho uma, o Nordeste, por exemplo, se tornaria Noroeste no outro lado do globo, logo ela não estaria apontando para o lado certo. – Explicou a menina.

– Então precisaria existir duas, uma de cada lado do planeta. – Gumo exclamou impressionado.

– Exatamente opostas. E teria de haver um limite, algum tipo de marca... – Ela já ia voltar a explicar.

– Que demarcasse onde cada uma deixa de ser útil. – Zara completou, entendendo a lógica. – Essa linha dividiria o mundo ao meio. Mas onde estaria...

– Na Nação do Fogo e um pouco à Nordeste de Omashu. – Jinora respondeu com um sorrisinho óbvio no rosto.

– Por que tem tanta certeza? – Perguntou Gumo, mais impressionado com a garota do que com a tal bússola.

– Porque senão estaria no oceano...

– Mas pode estar no oceano. – Zara disse pensativa.

– Pera... Zara, essa bússola existe? – O garoto perguntou recebendo um olhar intenso em retorno.

– Tenzin, você tem um mapa arquitetônico do reino da terra nos últimos... cem anos? – Perguntou um pouco pensativa e com um sorriso amarelo.

Ele riu um pouco nervoso.

– Podemos dar uma olhada...