Aff.

Midorikawa arqueou as sobrancelhas, indignado. Aquilo não podia ser possível...

Nem Nagumo e nem Suzuno estavam ali. Como estavam cansados por consequência da partida de ontem, o treinador tinha insistido que voltassem para casa para descansar.

O esverdeado estava sentado no banco de reserva do campo externo, observando o treino do time que estava em andamento. O treinador dava instruções em exercícios mais rigorosos que o de costume. Não sabia nem por que estava ali, já que estava machucado e não podia treinar, mas uma força estranha chamada aluno novo havia inconscientemente o levado a ir assistir.

E lá estava ele agora, sentado carrancudo e encarando indignado a mais nova estrela do time.

Midorikawa observava de queixo caído.

Kiyama Hiroto era sensacional em tudo o que fazia. Sua técnica com a bola era incrível, sua agilidade, velocidade e força também eram impressionantes. Parecia um príncipe em campo. No treinamento de um contra um, ninguém tinha conseguido lhe tirar a bola.

O esverdeado bufou, um pouco preocupado. Quando se apresentara para o treinador e o time, mais cedo, Hiroto dissera que preferia a posição de meio campista, e com aquela habilidade invejável ele com certeza conseguiria. Como também era um meio campista, Midorikawa sabia que perderia seu lugar se demorasse muito para se recuperar. Tinham exatamente onze jogadores no time até Kiyama chegar e, a partir de agora, alguém ficaria na reserva e Midorikawa temia que fosse ele mesmo a ficar naquele banco para sempre.

Não queria isso, precisava ficar bom logo para defender sua posição, ocupada agora por aquele garoto super gostoso que... Espera. Midorikawa balançou a cabeça, indignado pela direção que seus pensamentos tomavam. Olhou novamente para o garoto que treinava e imediatamente aqueles olhos verdes se fixaram nos seus. Suportou aquele olhar, deuses, e que olhar atraente era aquele. Midorikawa se ostentou de um semblante desafiador; se desviasse daquele olhar que sorria para ele, sentia que perderia ainda mais seu orgulho.

Já não era sem tempo, o treinamento estava acabando e Midorikawa decidiu deixar o banco antes que seus colegas viessem pegar suas coisas que estavam por ali.

Com ajuda da muleta, percorreu boa parte do caminho até a saída do colégio. Seu plano era ser rápido e sumir de vista de uma certa pessoa antes que ela aparecesse de repente, como parecia estar acontecendo ultimamente. Mas sua caminhada estava mais lenta do que pensava e Midorikawa logo se arrependeu de não ter saído mais cedo. Seus braços também doíam, bufou, sua vontade era de jogar essas muletas para longe e correr dali.

Estava parado com uma expressão pesada no rosto quando uma sombra apareceu ao seu lado.

— Olá.

Midorikawa pulou de susto e se desequilibrou, quase caindo com muleta e tudo. Hiroto o segurou firmemente, surpreso por não esperar aquela reação.

— Desculpa, está tudo bem?

— Não. - O esverdeado bufou. Quem aquele cara achava que era para aparecer de fininho e lhe dar um susto. - Pode me soltar agora.

Hiroto ajudou o meio campista a se reequilibrar

— Não foi de propósito, foi mal. Er... Eu fiz alguma coisa para você?

Midorikawa suspirou. Também não sabia por que estava tratando o aluno novo daquela maneira, não costumava ser assim com as pessoas. Estava muito irritável desde o dia anterior. E agora aquele garoto aparece ameaçando sua posição no time... Não sabia o que pensar. Só conseguia sentir raiva e nojo de si mesmo e isso, de alguma força, se refletiu em sua personalidade. Uma coisa podia afirmar: estava assim desde aquele beijo forçado de Usagi. Não era culpa de Hiroto, sabia, mas não conseguia evitar.

— ...Não. Eu é que devia me desculpar. - Midorikawa desviou o rosto, envergonhado.

— Eu entendo, é difícil ficar sem jogar por causa de um machucado. E não se preocupe que eu não pretendo roubar seu lugar nem nada do tipo, sabe, foi por sua causa que entrei nessa escola.

Midorikawa voltou a olhá-lo, surpreso.

— Oi? Por minha causa?

— Sim, eu me decidi naquele jogo, você é incrível. Quero muito jogar com você.

— ... - Midorikawa sorriu sem graça. O que raios o garoto estava dizendo. - Você... Não está com raiva de mim? Não quer vingança?

— Por quê?

— Oras, por eu derramar sorvete na sua cabeça lá no parque. Depois ficou me seguindo por meia hora.

Hiroto arregalou os olhos.

— Hein? Não. Eu só queria me desculpar e pagar outro sorvete para você, já que minha cabeça estragou o seu. Mas aí você correu... - Hiroto riu. - Foi divertido.

— Divertido? - O esverdeado murmurou para si mesmo. Para ele aquele dia tinha sido um pesadelo, fugindo de um maluco perseguidor por causa de um sorvete. - Só se foi para você. Então, com licença, vou voltar para casa.

Voltou a caminhar com o lento e tortuoso andar da muleta, Midorikawa logo percebeu que Hiroto acompanhava-o de perto.

— Vai ficar me seguindo?

— ...Você parece um pouco estressado. - Hiroto respondeu depois de um tempo. Já tinham saído do terreno do colégio.

— Devo estar mesmo... - Confirmou.

Hiroto o observou atentamente e então seus olhos se fixaram na perna machucada do meio campista. Lembrou-se de quando assistia a partida do estádio, era longe mas tinha percebido: aquele golpe fora totalmente proposital. Não lhe impressionava que o meio campista estava tão sensível. Queria ajudar de alguma forma mas o que poderia fazer?

— É difícil andar assim? - Hiroto perguntou.

— Nem imagina o quanto. - Midorikawa respondeu de cara emburrada. Até quando aquele cara pensava em lhe seguir?

Kiyama não pensou duas vezes e levantou o esverdeado entre o braços, começando a caminhar pela direção que seguiam.

— O... O que está fazendo? Me coloque no chão agora!

— Não, você parece cansado, precisa fazer menos esforço. Eu não tenho pai ou mãe, mas a pessoa que cuida de mim sempre dizia para ajudar as pessoas sempre que vê que pode ajudar.

— ... Também não tenho pais. - Midorikawa apertou contra seu peito as muletas que ainda carregava. Decidiu ceder e deixar que Hiroto o levasse.

— Onde você mora?

— É... Perto daquele parque

Hiroto se encaminhou para lá, e então, na metade do caminho, percebeu que alguém os seguia. Ao se aproximar do parque, adentrou-o e foi em direção a uma área onde não tivesse ninguém. Quando encontrou a área silenciosa na qual já conhecia muito bem, colocou delicadamente o meio-campista em seus braços no tronco caído que tinha ali.

— Por que me trouxe aqui? A minha casa é em outra direção. - Midorikawa perguntou confuso, olhando para aquele lugar cercado de natureza.

— Eu sei.

Hiroto sorriu para o garoto antes de virar-se de costas para o mesmo. Adotou um semblante duro.

— Pode sair de onde está escondido. Eu sei que está aí. - Chamou seriamente.

Depois de alguns segundos de um silêncio tortuoso, um movimento entre as árvores foi ouvido e uma figura bem conhecida apareceu.

— Então você me percebeu é? E me atraiu para cá também, um lugar sem ninguém para pedir ajuda?

Midorikawa se encolheu, sentindo um calafrio com aquela voz. Sentiu nojo e revolta ao imaginar que o dono daquela voz asquerosa tinha lhe beijado.

Usagi parou em frente a Hiroto.

— Sim, eu te trouxe até aqui onde ninguém vai ver o que vai acontecer com você e assim não vai poder chamar por ajuda. - Hiroto contrapôs.

Usagi pareceu surpreso e desafiado.

Midorikawa arregalou os olhos. O que o cara novo achava que estava dizendo?

— E o que você acha que pode fazer contra mim? - Usagi cruzou os braços, impondo seu tamanho diante do meio campista avermelhado como se dizendo que não o venceria em força.

Hiroto se portou de um semblante pensativo.

— Não é a primeira vez que venho aqui, sabe? Me mudei a pouco tempo para aqui perto e então venho constantemente treinar futebol, exatamente nesse lugar.

— E o que tem isso? - O capitão da Seishou perguntou impacientemente, naquele momento, só pensava em se vingar.

Hiroto se moveu para tirar de uma moita uma bola de futebol gasta e suja, sem tirar Usagi de seu campo de visão. Logo voltou ao mesmo lugar que separava Usagi do meio campista esverdeado.

Usagi gargalhou.

— Parece que seu time encontrou outro fracote. - O atacante da Seishou disse para o esverdeado, que cerrou as sobrancelhas em resposta.

Midorikawa não podia ver de onde estava, mas a feição de Hiroto estava fria e calculista, tão dura como clamando por justiça.

— Este time é forte. - Hiroto retrucou.

— São fracos. Não sei até onde você sabe, mas acabei com eles ontem.

— Seu time perdeu.

— Quem disse que foi na partida? - Usagi riu e olhou para Midorikawa, a sede perceptível no olhar. - E quem disse que foi com futebol?

Hiroto o perfurou com os olhos, não perguntaria o que tinha acontecido depois do jogo de ontem, mas podia imaginar. O modo como Midorikawa o olhava, o jeito como Usagi jogava. Era fácil compreender que tipo de pessoa o capitão da Seishou era.

Estava irritado. Existiam coisas que não poderia aceitar e a proximidade de Usagi aos seus novos colegas de time era uma delas. Hiroto colocou a bola no chão em sua frente, preparado.

— Vou te dar uma chance, se você prometer nunca mais chegar perto de Midorikawa e dos outros, te deixo ir sem se machucar.

Usagi rangeu os dentes, indignado.

— Com quem você pensa que está falando, pirralho? - Usagi gritou e avançou contra Kiyama.

Ryuusei Blade— Hiroto proferiu, concentrando uma espantosa energia cósmica em torno da bola. Chutou-a em direção a Usagi que ao recebê-la voou contra a árvore mais próxima.

— Arrg - Usagi gritou, caindo de joelhos. Envolveu a barriga que ardia pela força do chute.

Hiroto caminhou lentamente até o atacante e pegou a bola caída ao lado dele. Olhou-o de cima.

Usagi tentou levantar mas logo foi ao chão, os efeitos da técnica fazendo doer todos músculos do seu corpo.

— O que... Tem nessa bola? - Perguntou entre murmúrios.

— Vou te dizer uma coisa, seja lá como você vê a situação, a única razão pela qual você conseguiu contra Nagumo e Suzuno ontem depois da partida, seja lá o que você tenha feito, é por que eles estavam exaustos por causa do seu jogo sujo. O mesmo vale para Midorikawa. Precisar de suas trapaças para ganhar mostra como é fraco, nenhum deles perderia contra você em estado perfeito.

— Seu... - O capitão da Seishou tentou levantar em vão.

— Agora, se eu saber que você se aproximou deles novamente, já sabe o que vai acontecer. Não quero ver você perto da nossa escola. E, para completar o que disse antes: esse time é forte... Principalmente agora que eu estou aqui.

Hiroto deu as costas para o atacante que ardia em raiva e logo avistou um esverdeado olhando-o boquiaberto. Sorriu. Deixou a bola que segurava cair no chão e voltou a erguer o menino entre os braços, caminhando para longe daquele lugar que cheirava a Usagi.

Foi em uma clareira levemente movimentada que Hiroto parou de andar, desceu Midorikawa, apoiando-o em uma árvore.

Os dois ficaram em silêncio, olhando a paisagem. Depois de dois minutos, Midorikawa começou a sentir um tedio muito grande, olhou para Hiroto. Estava muito impressionado em como ele era muito mais forte que imaginava. E também tinha conseguido ver a força de Nagumo e Suzuno durante a partida contra a Seishou. Sim, era verdade, aqueles dois eram muito fortes, nunca teriam perdido contra Usagi com pleno potencial. E não perderam, na verdade, só tinham voltado ainda mais destroçados do que já estavam.

Inquieto, Midorikawa quebrou o silêncio.

— De onde saiu aquela bola com efeito?

Hiroto olhou para ele.

— Treinando muito, e você, como conseguiu seu Astro Break?

— Não sei, a técnica veio no momento certo. Não sabia o que fazer até chegar bem perto do gol. Inspiração da deusa da destruição, acho.

O avermelhado riu.

— Você é engraçado.

— Hum...

Hiroto avaliou a expressão do outro, pensativo. Midorikawa parecia guardar algum peso emocional. Claro, tinha o fato da perna machucada pelo Usagi, mais havia uma ferida mais profunda.

— Tem alguma coisa incomodando você?

Midorikawa balançou a cabeça e fitou algum ponto distante qualquer.

— Eu sei que tem. Confie em mim, se não me dizer não posso te ajudar.

O esverdeado o encarou com o canto dos olhos.

— Eu mal conheço você.

— Entendo se não se sentir seguro para me contar, não vou forçar. - Kiyama olhou profundamente nos olhos negros de meio campista e ficou admirado em comprovar mais uma vez em como eram belos e puros. - Mas preciso te dizer que mesmo te conhecendo a pouco tempo, sinto como já o conhecesse a anos. Quando o olho, vejo um garoto muito belo, gentil, divertido e inocente, que se preocupava mais com os outros do que consigo mesmo, por isso sempre tenta ajudar os outros. Mas isso me preocupa, porque as vezes tende a se esquecer de cuidar de si mesmo e isso é ruim. E agora vejo que esse garoto alegre e doce está carregando alguma carga muito pesada e não quero o ver desse jeito. Por favor, Midorikawa, me ajude a ajudá-lo.

O esverdeado permaneceu encarando-o. Uma lágrima solitária escorreu pela sua bochecha direita e um pouco tempo depois, um monte delas se fez presente em seu rosto e escondeu-o entre os braços, orgulhoso demais para deixar o outro vê-lo chorando.

Hiroto trouxe-o para seus braços, atencioso. Esperou em silêncio até que o outro parasse de soluçar. De bom grado, esperou até que ele se acalmasse. Era importante deixar o peso sair, seja através de palavras, de movimentos ou de lágrimas. Desde que saísse, não iria se queixar se ele não quisesse lhe contar.

— Foi o Usagi, ele me beijou. - Midorikawa se afastou do avermelhado e enxugou os olhos marejados. - Eu me sinto muito sujo agora, como se tivesse sido usado. Sabe... Nunca beijei ninguém antes, nunca me importei com essas coisas. Sinto como se aquele beijo tivesse tomado alguma coisa importante para mim, algo impossível de recuperar, e isso me deixa muito frustrado. - Lágrimas voltaram a correr, incontroláveis. - E pior, acho que nunca mais vou poder beijar alguém com essa boca, alguém que eu goste de verdade. Me sinto muito mal com isso...

Hiroto limpou as gotas que corriam insistentes e ergueu o queixo do esverdeado.

— Mas isso é fácil de resolver. - Hiroto sorriu ao perceber um olhar fofo e desnorteado vindo dele. Logo aproximou-se mais e fez seus lábios se tocarem. Beijou-o com ternura e delicadeza, aprofundando gradativamente. Sentiu-se no céu. De sujo, aquela boca doce e meiga não tinha nada, muito pelo contrário, uma pureza sem igual estava estampada naquele ser radiante.

Hiroto desmanchou sutilmente o beijo e admirou os olhos confusos a lhe olhar arregalados.

— Pronto, você está limpo agora.

— ... - Midorikawa encarava sem conseguir dizer nada, tentava entender o que tinha acontecido ali.

Dada a falta de resposta, Hiroto teve uma idéia. Disse ao meio-campista que já ia voltar e sumiu de vista.

Era estranho. Era realmente muito estranho. Midorikawa sentia-se mais leve agora. Procurou inconscientemente por aquele sentimento ruim que lhe assombrava antes, mas não o encontrou em lugar algum. Que tipo de mágica Hiroto havia feito. Observou ao longe Kiyama voltando sorridente com dois sorvetes em mãos. Sentiu seu coração palpitar aceleradamente.

— O que é isso agora? - Perguntou-se, colocando a mão sobre o peito, imediatamente percebeu o significado dos sintomas que sentia. - Não, não pode ser.

Hiroto chegou e entregou-o um sorvete de baunilha.

— Aqui, para quitar o sorvete que eu estraguei. - Sentou-se ao seu lado e começou a comer um de Açaí.

— Hiroto... Ham, O... Obrigado. - Midorikawa agradeceu, as bochechas vermelhas. Agradeceu não só pelo sorvete, que acreditava ser inteiramente sua culpa, mas também pelo beijo, que havia afastado todos seus sentimentos ruins. Ademais, agora que suas emoções estavam em ordem, percebia por que estivera descontando tudo em Hiroto: era por que sentia algo por ele. Se o amava, ainda era muito cedo para dizer, mas algo nele o atraia muito.

Hiroto bagunçou os cabelos verdes do topo da cabeça de Midorikawa e aproximou-se o suficiente para deixar um beijo em sua testa.

— Ei, eu não sou criança. - Midorikawa protestou, corado. A aproximação abrupta do outro havia pegado seu coração de surpresa.

— Mas me lembra uma; uma daquelas bem pequenas e fofinhas. - Hiroto sorriu.

— Oras. - O esverdeado bufou, logo entendendo que o que sentia pelo avermelhado era mais forte do que pensava. Olhou para os olhos verdes do novo companheiro de time e torceu para o mesmo não o olhar como criança por muito mais tempo.

Quando terminaram o sorvete, Kiyama carinhosamente ergueu o esverdeado em seu colo e o levou para casa.