Aubade.

Capítulo Único.


Diane sabe muito bem o que é amor. Sabe já há anos e anos.

É o sentimento de ser vista, realmente, como ela é. É o quente que se espalha em seu peito quando seus olhares se encontram, quando ele diz bom dia para ela com o sorriso animado de sempre. Os saltos que seu coração dá quando ele a elogia por um bom trabalho.

O desejo de ser menor, para poder tocá-lo. A inveja, que sobe queimando por suas veias e constringe sua garganta toda vez que outra pessoa faz isso primeiro. As pernas bambas quando ele faz algo que a impressiona. Querer ser trazida para perto, estimada, amada.

A melancolia, que se acomoda silenciosamente no fundo de seu peito, trazendo uma verdade que ela decide não reconhecer.

(Ele nunca vai olhar para trás, para ela.)

Ela sente o ar faiscar com magia por um instante, envolvendo-se em torno de si mesma e a protegendo de um ataque que ela não pode ver. A dor que a deixava paralisada há segundos atrás subsidia, e um cheiro familiar alcança suas narinas.

Harlequin.

Uma explosão de sentimentos invade seu peito, nostalgia atrelada a alívio, a confusão, a surpresa, e o quente em seu coração volta, dessa vez tão intenso e repentino que uma lágrima cai sem querer de seus olhos.

Diane sabe muito bem o que é amor, tem certeza de que sabe já há anos e anos, mas de repente descobre que ele também pode ser diferente.

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É curioso, ela pensa para si mesma, como tudo isso pode ter acontecido tão rápido. Fora como descobrir um capítulo perdido que fora rasgado de seu livro favorito antes que ela pudesse ler; pedaços de história se reagrupando na cronologia de sua vida como se nunca tivessem saído de lá em primeiro lugar.

Diane não sabe como esqueceu, de como pôde ter esquecido todos aqueles anos tão importantes para ela, mas sua mente ainda está confusa entre o fim de uma batalha e o fim de um encantamento que a mesma decide esperar para pensar mais sobre isso depois.

Ela decide arriscar um olhar para o lado, então; avistando King a alguns passos de distância, olhando pensativo para um elmo que recebera horas atrás de uma fada de cabelos verdes. Hellbram, ela achava, apesar de sua cabeça ainda estar embaralhada e a garota não lembrar direito como exatamente ele passou de um cara velho para um garoto.

(Bom, para sua defesa, ela tinha acabado de lembrar-se de mais de 700 anos no período de um segundo. Isso, e aquela também não era a primeira vez que uma fada assumia uma forma diferente em um passe de mágica.)

Ele parece triste, por mais que Diane só consiga ver suas costas, e ela está com uma vontade imensa de ir até lá, nem que seja para falar com ele e fazê-lo ficar voando em volta de si mesma preocupado como estava fazendo a minutos atrás. Mais do que isso, ela quer segurá-lo, prendê-lo na palma de sua mão, e perguntá-lo milhares de coisas ao mesmo tempo.

(Por que você nunca me contou? Você ainda se lembra, não é? Então por que você não tentou me fazer lembrar? Você ainda lembra aquela promessa? Você ainda cumpre ela? Você...)

Diane não faz isso, porém. Ele parece distante demais naquele momento para que ela possa tentar fazer alguma coisa. Não é que ela não possa simplesmente ir lá e só falar com ele, no entanto, então a mesma está prestes a dar um passo à frente quando seus olhos avistam um rastro de cabelo loiro.

Lá está Meliodas, novamente ao lado de Elizabeth após conversar alguma coisa com o rei. Ele está rindo do rosto envergonhado dela, provavelmente por ter metido a mão onde não devia novamente, mas seus olhos brilham com algo cálido quando a princesa desvia os olhos, mãos se estendendo para afastar a franja dela de seu rosto.

Um sentimento sobe queimando por si mesma, e ela faz menção de dar um passo na direção dos dois, cantos dos lábios já descendo por instinto-

E para. Em sua cabeça, todos os pensamentos convergem para um pequeno ‘eh?’, e Diane leva uma das mãos até seu peito.

Não está enganada, ainda pode sentir o ciúme dentro de si mesma, quente e a inflamando como sempre fizera. Claro, aquele sentimento não desapareceria tão rápido. Diane estava apaixonada por Meliodas fazia algum tempo, afinal.

Só que aquilo parecia tão não importante agora. Ela não sente a queimação irritante por todo seu corpo como antes, não quando sua preocupação com suas memórias e o garoto-fada que está a um suspiro de distância ainda consome seus pensamentos.

E é tudo tão injusto, por um momento. Porque ela esteve por tanto tempo apaixonada por alguém que por dentro sempre soube que não a amaria de volta, mas que ainda assim insistia porque aquilo era tudo de amor que ela conhecia, ele era tudo de amor que ela conhecia, e era real, ela sabia...

E de repente tudo tinha sido jogado na sua cara, e ela passara a amar duas pessoas, uma por muito mais tempo e tão intensamente que ela pôde simplesmente esquecer um sentimento como ciúmes que antes a consumia por dentro.

O pior de tudo era que, mesmo assim, ela não conseguia ficar com raiva por causa disso. Só com um sentimento melancólico de aceitação.

Diane olha mais uma vez para Meliodas, para seu sorriso e seus olhos e sua silhueta, e gira seu corpo para dar meia volta.

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Eles são bem diferentes, isso é óbvio de se perceber. King é esguio nas partes em que Meliodas é volumoso, linhas mais finas e de um modo mais delicadas do que as de seu capitão. Mesmo assim, ela não pode deixar de admirar a curva alongada de seu pescoço, sua clavícula que fica à mostra quando ele tira seu casaco, as curvinhas de seu cabelo curto que parecem macias ao toque.

E ela se sente estranha e incrivelmente envergonhada por ter pensamentos como esses, porque um; ela nunca acharia que fosse pensar algo assim dele antes, e dois; há muito tempo, quando ela já estava apaixonada por ele, ainda era muito nova para pensar sobre isso.

As coisas ficam ainda mais difíceis quando ela está voltando com Elizabeth de um passeio, um dia, e ambas acabam dando de cara com algum tipo de batalha de treinamento entre ele e Ban; ou simplesmente uma briga, conhecendo os dois.

Diane está prestes a colocar as mãos na cintura e perguntar o que exatamente está acontecendo quando seus olhos parecem captar há quanto tempo eles parecem estar lutando, porque os dois estão cobertos de suor e King acaba de puxar a gola de sua blusa para cima para secar o rosto e-

De repente, as bochechas dela estão quase explodindo em vermelho, por pouco não ganhando do tom de rubro das maçãs que ambas acharam em árvores perto de onde estava o Boar Hat, e ela inutilmente esconde-as com o cabelo porque o que é isso, ela só viu um pouco de pele, não era para ser nada demais, e ainda assim...

Ela nunca ficara tão tímida assim perto de Meliodas antes! Onde é que estava seu eu confiante? Será que era porque ela nunca tinha olhado para ele com esses olhos antes? Será que o nervosismo dele estava a contagiando de algum jeito?

Seja o que fosse, Diane queria uma solução rápido, porque Elizabeth estava começando a perceber e perguntando o que tinha acontecido e ela podia ouvir uma voz muito familiar também preocupada a poucos metros de distância.

- Diane, você está bem? - Ele voa para frente dela no momento em que a mesma tira as mãos do rosto, perto demais, e ela começa a rir um pouco sem graça enquanto recua e todos os pensamentos de sua cabeça estão flutuando em perigo, perigo, perigo.

- Ahahaha, é claro que sim King, por que não estaria? - Ela responde, tentando parecer o mais fofa e descontraída e normal possível, dando um tapinha leve um dos ombros dele (ok, talvez não tão leve, porque ele recuou visivelmente com isso), desejando que suas bochechas só deem uma pausa por um minuto para ele acreditar nessa mentira.

Mas também, o que ela mais poderia dizer? Não, porque estou com uma vontade absurda de te puxar para baixo e te beijar agora na frente de todo mundo e isso seria impulsivo demais principalmente porque a Elizabeth está do nosso lado e eu tenho certeza que o Ban passaria uma eternidade lembrando essa ocasião e rindo-!

E não, ela não pode fazer isso mesmo que no fundo não se importe com nenhuma dessas coisas, porque o nervosismo que ela de repente encontrou dentro de si mesma está falando mais alto e mesmo que ele também ame ela e ela saiba disso, os dois não exatamente chegaram nesse ponto ainda, então...

Mesmo que ele também ame ela.

A garota pisca para essa pequena epifania, de algo que ela já sabia e não devia se surpreender sobre, bem a tempo do garoto-fada à sua frente decidir tentar lidar com seu comportamento estranho de outra maneira.

- Você quer um pouco de água? Eu estava prestes a entrar também, então... - Ele oferece, gentil e sorrindo e um tantinho nervoso como ele geralmente fica perto dela e. Ela só perde-se no tempo por um momento.

Porque ela ama como ele sorri e como ele está sempre um tantinho nervoso perto dela e como o cabelo curto dele faz curvinhas desde anos, desde séculos, e ele ama ela de volta.

Diane sorri para ele, olhos brilhando quando King cora um pouco mais com isso, e aceita sem hesitar.

Ela não se importa em ficar tímida perto dele. Não se importa em ter que lidar com esses pensamentos e também não se importa que aquele amor que ela tenha agora seja tão diferente e novo do que ela tinha antes.

Porque ela nunca esteve mais feliz.

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Ela observa Meliodas pelo canto do olho quando ele sai do Boar Hat, percebendo que por alguma razão, Elizabeth não está perto dele e King ainda não voltou de sei lá onde para pegar alguma coisa.

Diane sente o mesmo quente familiar em seu peito quando está perto dele, só que é mais doce, mais macio, parecido com o que sente com Elizabeth e Merlin e Ban (quando ele não está sendo idiota) ou até com Gowther quando ele não está disposto a ficar mexendo com as memórias dos outros (ela não exatamente perdoou ele ainda).

E ela o amou, sim, por anos e mais anos, mas tudo isso é só uma memória agora. E ela está satisfeita com isso.

- Diane, sabe, se você ficar aqui fora sozinha mesmo desse tamanho vão começar a achar que você não ficava lá dentro com todo mundo antes de propósito. - Ele comenta, o sorriso descontraído de sempre em seu rosto, mas ao invés de suas pernas ficarem bambas a garota apenas ri levemente, mãos dispostas por trás de suas costas.

- Eu não falaria isso se fosse você, capitão. Eu não estou mais apaixonada por você para não levar suas implicações a sério. - Ela comenta, o encarando, e ele vira seus olhos para ela.

- É mesmo? - Meliodas realmente não mudou; ele continua com seu sorriso, seus olhos, sua silhueta. Diane, no fim, não mudou também. - Isso não é bom?

Ainda assim, ela sorri de volta para ele, sem um pingo de hesitação em sua resposta.

- Sim!

Naquela noite, King e ela se beijam sobre a luz da lua e das estrelas, e ela consegue ouvir as batidas de seu coração trovejarem em seus ouvidos enquanto sente faíscas dançando em sua pele exatamente como ela achava que seria. A garota fecha os olhos, perguntando-se distraidamente se seria possível convencê-lo a deixá-la se espreitar para dormir com ele em sua rede naquela noite mesmo porque eles não vão realmente fazer nada, ainda que seu coração parecesse sair pela boca só com o pensamento porque bom, eles teriam que vencer o nervosismo alguma hora.

Porque ela o ama há anos, há décadas, há séculos, ele a ama há quase exatamente o mesmo tempo, e antes de lembrar-se de tudo isso ela nunca pensou que amor pudesse ser mais do que simplesmente imaginar, querer, invejar, e nunca ter.

Mas, no fim das contas, talvez existisse muito mais sobre amor do que ela achava que conhecia antes.

Owari.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.