Até As Últimas Consequências

Uma lenda para ser contada às futuras gerações


Sugestão de trilha: Hakushaku to Yousei Main Theme ( Hakushaku to Yousei – OST)

As últimas horas foram cruciais para Edgar. Assim que Lydia desmaiou, foi chamado o médico da família. Feito os exames iniciais, tudo parecia dentro da normalidade.

— Ela passou por algum estresse ou algo traumatizante?

Edgar e Raven, ainda pálido e com olheiras, entreolharam-se. Os dois sentiam-se cúmplices pelas últimas horas vividas. Meio sem-jeito, o conde respondeu:

— Sim! Foi por conta de alguns assuntos complicados…

— Bem, em todos os casos, deixe-a descansar. Quando ela acordar, faça-a a alimentar-se bem. Nada como um bom repouso e logo ela estará boa. – explicou o doutor.

Mesmo depois que o médico saiu, Edgar permaneceu ao lado de Lydia, que parecia estar em meio a sonhos turbulentos.

— Fico pensando o que vocês passaram. – disse olhando para a esposa e logo depois encarou Raven.

O mordomo permanecia em pé perto da porta. Ele não conseguiu pronunciar uma só palavra, talvez porque não soubesse o que dizer.

— Raven, não está na hora de você ir descansar? – falou Edgar encarando-o.

— Mas, milord

— Raven, não tem nem mais nem menos! – enquanto falava, levantou-se e foi em direção ao mordomo: – Vá descansar! E só apareça na minha frente depois de dois dias! – finalizou empurrando-o com um sorriso brincalhão.

— Obrigado! – respondeu Raven, fazendo uma reverência.

Ele foi pego de surpresa com um abraço de Edgar. Afinal, eles foram uns dos poucos sobreviventes que conseguiram escapar das garras do Príncipe. O conde segurou-o pelos ombros e confessou:

— Raven, antes de ser meu mordomo, você é meu amigo e fiel aliado. Sei que você foi o único de nossa trupe que conseguiu escapar com vida. E o que você fez por mim durante todos esses anos, não tenho nem como agradecer!

— Edgar! – era a primeira vez em anos que Raven o chamava de modo tão informal. – Acredito que faria o mesmo por nós! Eu que agradeço aceitar-me como sou.

— Agora vá, Raven! Você está tão pálido que parece aquele agente funerário dos Phantomhive!

Raven entendeu e riu da piada. Sempre que tinha oportunidade, Edgar caçoava do mordomo dos Phantomhive, Sebastian Michaelis. Talvez fosse por ciúmes ou por uma pontadinha de inveja.

Assim que garoto-fada retirou-se, ainda se encontrava agitado. “Será que vou conseguir dormir? Pensando bem, vou descansar só um pouco. Preciso ficar de olho na Ly…”, refletiu o conde.

Quando retirou a sobrecasaca do fraque, encontrou os brincos de ametista. Instintivamente, ele dirigiu-se até a janela, a abriu e jogou-os para longe.

Pouco depois, Tompkins apareceu perguntando se precisava de algo.

— Não, Tompkins! Você também precisa descansar. Afinal, todo mundo quer imitar o mordomo dos Phantomhive? É uma nova moda?

O mordomo riu com gosto.

Quando ele foi dar meia-volta para ir embora, Edgar o chamou:

— Pensando bem, Tompkins… Se você ver um laço vermelho amarrado na maçaneta da porta…

— Não é para incomodá-los. – completou.

Os dois sorriram cúmplices e assim Tompkins partiu.

Edgar teve um sono leve e sempre verificava como estava Lydia. Os cabelos desfeitos, trajando só as roupas de baixo e sua expressão que alternava entre a agitação e serenidade, realmente o enterneciam. Sentia que se acontecesse algo com ela, ficaria louco…

— Não! Não! Faria de tudo para tê-la de volta, sã e salva! – pegou-se pensando em voz alta.

Sugestão de trilha: Fairytale (Kalafina)

Os pequenos raios de Sol entravam atrevidos no quarto, sem serem convidados. Foi aí que Lydia abriu os olhos. Com a visão ainda enevoada, aos poucos sentiu que estava em um ambiente familiar. Olhou em volta e o quarto estava vazio. Edgar não estava lá. Percebeu que tinha o molde do seu corpo marcado no colchão. As memórias retornaram pouco a pouco. Quando ela viu a roupa dele em cima de uma das cadeiras ornamentadas, que tanto gostava, respirou aliviada e deitou-se novamente.

— Eu consegui! – pensou em voz alta. Pegou-se sorrindo, vitoriosa por passar por toda trajetória de forma destemida. De alguma forma, ela sabia que precisava passar por aquilo. Espreguiçou-se, levantou-se e foi para o outro aposento. Quando ela abriu a porta viu a banheira cheia, uma jarra para lavar os cabelos, sabonetes, essências e todos os aparatos que precisava. “Vou tomar um banho mais longo da minha vida”, pensou divertindo-se. Despiu-se e entrou na banheira. Ainda sentia-se cansada, mas aquela sensação boa de missão cumprida foi mais forte.

— Obrigada! Obrigada! – ela agradecia a cada entidade que a desafiou e a ajudou a chegar até ali.

Quando começou a lavar os cabelos, escutou duas batidas leves na porta. Pensou que era Lucíola. De qualquer modo, iria dispensá-la. “Não sou mais tão criança assim, precisar de outros para coisas que eu mesma posso fazer. Ao menos por hoje…”, pensou.

— Pode entrar!

Quando a porta se abriu viu Edgar. “Mesmo de roupão, pijama e com cabelos bagunçados, ele é um charme!”, confessou a si mesma.

— Bom-dia! Sente-se melhor? – perguntou ele com aquele sorriso de menino travesso.

— Sim! Se você soubesse como me sinto aliviada em te ver… - respondeu ela.

Ela pegou a jarra para despejar a água sobre os cabelos, mas foi impedida por ele.

— Posso fazer isso? – indagou.

— Oras! Você irá lavar meus cabelos? – perguntou ela de forma debochada.

— Ah, Ly! O mínimo que posso fazer por você, não é?

Enquanto ele despejava a água fresca sobre os cabelos cor de caramelo dela, disse:

— Lily, queria te agradecer…

— Meu amorzinho, fiz o que você faria por mim!

Ele, tímido, respondeu:

— Tem razão.

— Quando tudo aconteceu, fiquei tão chocada e sem nenhuma possibilidade de te ajudar. Queria trazê-lo de volta à vida e quando Lugh disse que era possível, não sosseguei.

Então, ela contou com detalhes tudo que tinha acontecido. Ele escutava com tanta atenção e devoção que nem piscava os olhos.

E aí, curiosa, ela indagou:

— Mas como você descobriu sobre Ulysses?

— Estava dentro da carruagem e adormeci. Ly, parecia um resumo de tudo que iria viver aquele dia e era tão real. Mas o que ligou os pontos foram esses brincos.

Ele tirou os brincos que atirou pela janela, na noite anterior, e entregou a ela.

— Eu sonhei que os tinha comprado para você. Quando coloquei a mão dentro do bolso, fiquei perplexo. Eles estavam ali, em minhas mãos. Portanto, não era um simples sonho. Um dos cavalos perdeu a ferradura e tivemos que parar e aí, escutei um estampido. E foi tão reflexivo, coloquei uma das mãos sobre essa ferida.

Conforme ele se mexeu, parte do seu colo ficou exposta por conta da abertura do pijama e aí ela pode ver uma pequeníssima marca que tinha ao longo do tempo cicatrizado.

— E aí, vi, do nada, a cena. – ele continuou: - Ulysses correndo com aquele olhar alucinado, que sempre demonstrava quando algo que ele planejava saia exatamente como queria. O mais estranho é que joguei esses brincos pela janela ontem à noite.

— Mas por quê? Eles são lindos! – perguntou ela, segurando-os entre as duas mãos que estavam em formato de concha.

— Pensei que se ficássemos com eles, iria trazer mau-agouro. Eu sei, não sou tão impressionável assim. Mas diante das circunstâncias, achei melhor fazer isso. Mas o mais estranho foi agora, bem cedinho. Tompkins veio aqui ver se precisávamos de algo e aí ele me entregou os brincos. Ele disse que ontem à noite, mesmo, Marigold bateu na porta devolvendo-os.

— Marigold? Uma das mais fiéis fadas de Tytânia?

— Exatamente! O mais curioso é que ela pediu para nos avisar que o ciclo de dor acabou. Parece estúpido e meio idiota falar isso, mas as palavras dela me trouxeram um alívio absurdo.

Ela colocou os brincos, enquanto ele terminava de secar os cabelos e escová-los. Lydia puxou o colarinho do seu pijama, o beijou e ele retribuiu com fervor. Foi um beijo demorado, parecia mais que uma comemoração. Agora, nada podia mais separá-los.

A fairy doctor levantou-se e conde a enrolou em uma toalha. Ela saiu da banheira e colocou os pés no tapetinho e com o olhar começou a procurar os chinelos.

— Ly, o que você está procurando?

— Os meus chinelos.

— Hum, acho que você não irá precisar…

— Não? Posso saber por quê? – perguntou ela divertindo-se.

— É que… cansei de tantas coisas nos atrapalhando, sabe? – respondeu Edgar com um sorriso espirituoso.

— Como, por exemplo?

Ele mordeu os lábios e brincando disse:

— Sua toalha!

A jovem soltou uma risada gostosa e o marido a pegou no colo. Lydia ainda brincou:

— Bem, se for o caso… o seu pijama e seu roupão também estão me atrapalhando…

— Ah, sim! Então, podemos resolver isso rapidamente no próximo aposento…

— E depois?

— Depois? –sorriu malicioso. – Peço para o Tompkins trazer-nos o nosso café da manhã aqui. Afinal, a maçaneta está decorada com um laço vermelho. — Ah, Raven também não irá nos atrapalhar e tem mais… - continuou ele: — E Aurthur…

— O que tem Aurthur? – perguntou ela apreensiva.

— Ly, ele não está aqui…

— Não? – indagou mais assustada ainda.

— Não! Tytânia o levou para passar dois dias com ela. Disse que precisávamos de um respiro.

Lydia suspirou aliviada e entrou no jogo de novo:

— É verdade?

— Sim! Mas, antes de partir, nosso pequeno fez um pedido… – sussurrou enquanto a levava em direção à porta.

— E qual é? – indagou curiosa.

Edgar abriu a porta, sorriu para sua fada e falou baixinho em seu ouvido:

— Papai, enquanto estiver fora, pede para mamãe encomendar um irmãozinho para mim, por favor?

Lydia riu e deu um leve tapa no seu peito:

— Seu conde diabólico!

— E daí? Sou casado com uma fada travessa…

A porta que dividia os dois aposentos fechou-se, assim como uma era de turbulências que se abateu sobre Ibrazel.

Sugestão de trilha: Youseikoku no Theme (Hakushaku to Yousei – OST)

Diz a lenda que em um determinado momento a linhagem dos Ashenbert cruzou com a dos Sylvainford, isso porque o filho de um Duque juntamente com uma fairy doctor, no século XIX, buscou a Espada Merrow. Depois de vários perigos e testes, ele foi agraciado com o título de Conde Cavaleiro Azul. Aquele que carregava esse título seria o Senhor Absoluto de Ibrazel, local que reunia a Nação das Fadas, a Terra dos Leprechauns e o povo Sereiano.

Muitos dizem que esta é uma fábula para ser contada para crianças. Porém, quem passa no museu The National Gallery, em Londres, poderá ver uma obra de autoria de Paul O’Neill que retrata, justamente, a “nova” família do Conde Cavaleiro Azul. No quadro, podemos ver à esquerda está o Conde Edgar Ashenbert, um homem alto, muito louro e de profundos olhos malva-acinzentados. À direita dele, está o filho mais velho, Aurthur, de mais ou menos 13 anos (na época em que a pintura foi feita). O garoto louro e de olhos verde-dourados parece amparado pelo pai. Ao centro, temos a filha do meio do casal, Julianna, que está sentada no chão com a mão esquerda apoiada no rosto. Aparenta ter entre 6 e 7 anos. Lembra muito a mãe, com os cabelos cor de caramelo, mas os olhos do pai. À direita, a condessa Cavaleiro Azul, Lydia Carlton Ashenbert, famosa fairy doctor da época. Uma mulher doce e gentil de olhos verde-dourados e cabelos cor de caramelo, sentada em uma majestosa poltrona cor vinho. Em seus braços o filho mais novo do casal, Edward, que é a cópia do pai, aparentava ter entre 1 e 2 anos. Apesar de a família estar relativamente séria, devido ao brilho no olhar de todos os componentes, nos passa a sensação de estarem sorrindo.

Quanto à Espada Merrow, ao que parece, voltou ao mundo dos elementais. É corrente a história que após a morte de Aurthur, o último Conde Cavaleiro Azul, os líderes: Tytânia, a Senhora das Fadas; Sereia, a Rainha dos Sereianos e Lugh, O Senhor dos Leprechauns, resgataram-na para protegê-la de qualquer pessoa gananciosa ou de aventureiros que poderiam fazer dela um mau-uso.

Assim termina a lenda. Existem várias versões, como uma delas que você acabou de ler. Mas, provavelmente, seja lá qual for, será uma lenda que ecoará durante muitos e muitos anos.

Fim!

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.