Até As Últimas Consequências

Um Pacto com a Morte em troca da Vida


Enquanto Lugh, Sereia e Raven comunicavam à Tytânia a decisão de Lydia, a fairy doctor saiu escondida da mansão. Pediu uma carruagem em segredo e rumou em direção ao leste. Antes de embarcar na viagem tão perigosa, como dizia Lugh, ela pretendia dar a última cartada. Talvez um blefe para que isso fosse mais suave ou não tivesse tanto impacto.

Perdida em seus pensamentos, mal percebeu que tinha chegado ao seu destino: a mansão dos Phantomhive. A primeira pessoa que a avistou foi Meirin, a empregada atrapalhada que usava óculos pesados. Ela veio ao seu encontro e logo a cumprimentou:

— Bom-dia, Lady Ashenbert! Que honra recepcioná-la! Quer que eu anuncie a sua presença ao conde? – e disse baixinho, como estivesse falando para si mesma: – Hum, hum, isso não é nada bom… sir Sebastian não vai gostar.

Lydia que era uma pessoa avessa aos protocolos, segurou no ombro da criada e falou quase como um sussurro:

— Na verdade, não vim ver o conde…

— Ooooohhhh, não? – indagou curiosa a criada.

— Não! Preciso conversar com sir Sebastian Michaelis.

E então, Meirin lhe revelou quase num tom de fofoca:

Sir Sebastian está lá atrás. No jardim das roseiras… Não sei o que ele faz lá! Afinal, esse é o trabalho de Finny.

— Você poderia ensinar-me o caminho? – perguntou a condessa.

A empregada coçou a cabeça e disse meio em dúvida:

— Hum… Si-si-sim!

Lydia muito delicadamente a agradeceu e seguiu em direção ao jardim das roseiras, conforme as instruções de Meirin. E ia de forma quase furtiva, receosa de encontrar o conde Ciel Phantomhive. Mas parecia que a sorte estava com ela e logo chegou lá, sem ser vista.

Como Meirin tinha comentado, realmente, o cuidado com as roseiras, tão amadas pelo conde, era de responsabilidade de Finny, o jardineiro. Porém, essa era a desculpa para que o mordomo dos Phantomhive encontrava para alimentar os gatos que perambulavam pela mansão. E parecia que a grande maioria o amava. Mas, ele tinha uma eleita… Amber, uma gatinha negra de olhos cor de âmbar que aparecia religiosamente no mesmo horário para receber a primeira refeição das mãos do mordomo.

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Quando Lydia chegou à entrada do jardim, onde estava um majestoso arco com uma abóbada, entre as frestas nasciam maravilhosas trepadeiras, não precisou pronunciar nenhuma palavra. Ele que estava de costas para ela, com Amber no colo, disse:

Lady Ashenbert, condessa Cavaleiro Azul. Estava à sua espera!

E então, ele virou-se e a encarou. Mesmo amando profundamente Edgar, Lydia sempre ficava desconcertada diante de Sebastian. O mordomo alto, de cabelos nigérrimos e olhos cor magenta a intrigava. Mas ela sabia quem era ele… Lydia continuou ainda em silêncio e ele a indagou:

— O conde faleceu?

Os seus olhos começaram a ficar úmidos de novo, o coração apertado e com a voz contida, respondeu:

— Sim! Ontem à noite…

Ainda com Amber no colo, que o encarava de forma apaixonada, Sebastian chegou mais perto da condessa e perguntou:

— Ele foi assassinado?

— Como você sabe?

— Sei de coisas que a senhora nem imagina!! – o mordomo respondeu com um sorriso sarcástico.

Ela caminhou firme em direção a ele e revelou a verdadeira razão de sua visita:

— Quero fazer um pacto com você! Minha alma é sua, mas para isso, você deverá trazer a alma de Edgar de volta!

Por um momento, parecia que o rosto de Sebastian ficou perplexo. Mas só foi por um instante, talvez fosse ilusão de sua cabeça. E aí Lydia viu que o mordomo expressava um sorriso de canto de boca.

— Ora! Ora! E não é que uma humana conhece o meu segredo? Como soube disso?

— Sei de coisas que senhor nem imagina!! – replicou ela com um sorriso triste.

— Pois bem, deixe-me explicar. O meu pacto é com bocchan e não tenho nenhum interesse em desfazê-lo. Sem contar, que sua alma não me desperta nenhum apetite…

Sugestão de trilha: Terror Adhaerens (Puella Magi Madoka Magica – OST)

Lydia ficou atônita, mas não disse nada e Sebastian continuou:

— Apesar de sir Ciel ser muito jovem, já passou por muita coisa. Assim como seu falecido marido… – e ele deu ênfase à última frase.

— Como, por exemplo?

— Ambos perderam os pais muito cedo e de forma trágica. Os dois foram torturados, subjugados e escravizados. Porém, bocchan suplicou por minha ajuda, enquanto sir Edgar seguiu métodos mais ligados à clandestinidade, trabalhou com estelionato, extorquiu dinheiro de ricos, entre outras coisas, tudo para voltar a reerguer o seu nome.

— Sei que ele não foi nenhum santo, mas concorda comigo que ele não teve outra alternativa? – provocou Lydia.

— E os julguei por algum momento? E quem sou eu para julgar alguém? Não é do feitio dos demônios…

E ela avançou mais alguns passos, o mais que o permitido pela etiqueta, e ajoelhou-se perante o mordomo, implorando entre lágrimas e com as mãos entrelaçadas como estivesse em oração:

— Por favor, diga-me qual o demônio devo procurar para efetuar o pacto?? Por favor, eu rogo…

Ele não a deixou terminar a frase e estendeu a mão para que ela levantasse:

— E também, digo, por favor, não me encare como santo! Aliás, – prosseguiu – acredito que pelo meu conhecimento, sua alma não despertaria o apetite de nenhum demônio…

Ela arregalou os olhos verde-dourado marcados pela dor, mas não disse nada. Ele beijou Amber entre as orelhas, a colocou no chão e encarou novamente a condessa de forma mais atrevida.

— Isso porque sua alma não foi corrompida…

— Mas…

— Sim, Lady Ashenbert sua bondade, sua compaixão e humildade não são iguarias apreciadas por nós.

Lydia engoliu a seco e manteve o olhar.

— Acredito até que sir Edgar seria um forte candidato há alguns anos… Mas, depois que ele percebeu que a Espada Merrow não era para ser encarada como instrumento de sua vingança, e, sim como sinal de coragem, ele perdeu o posto de candidato a qualquer pacto seja com quem fosse… – confessou o mordomo.

E como tivesse necessidade de se confidenciar, contou a Sebastian sobre o que tinha acabado de saber:

— Lugh, o Senhor dos Leprechauns, revelou-me que Edgar pode estar preso em um dos infernos. Então, todos vão para os infernos? Ou o inferno?

Ele sorriu e respondeu:

— A senhora diz coisas engraçadas. – mudou de feição e prosseguiu: – na verdade, o que vocês, humanos, encaram como o inferno, nada mais que é um conjunto de submundos. E são vários tipos e diversos destinos. E submundos não são apenas locais para onde vão os mortos… eles também agem nos caminhos para autoconhecimento, seja para humanos, seja para outros tipos de seres…

O silêncio que dominou por alguns minutos o ambiente foi quebrado, novamente, por Sebastian:

— A alma de lord Edgar talvez esteja entre os mundos dos mortos, mas são muitas categorias. E posso te garantir que cada categoria serve para um determinado tipo de ser. – por um momento estranhou-se por revelar tantos segredos para uma humana. O que teria feito sucumbir e confessar tantos mistérios para aquela mulher? Questionou-se se chegou a sentir alguma coisa por ela. Será?

Ela por sua vez, continuava encarando-o, esperando por mais respostas… E aí, ele retornou a falar:

— Pois posso lhe dar um palpite?

— Por favor… – disse Lydia debilmente.

— Comece pelo castelo de Hades e Perséfone. É para lá que a maioria dos mortos chega para a triagem do caminho.

Nesse momento, uma outra voz masculina se fez presente no jardim:

Milady, acredito que devemos partir o quanto antes. – disse Raven.

Ambos viraram para Raven. Ela, surpresa e Sebastian… bem, Sebastian continuava impassível.

— Então, não irei mais incomodá-lo. Vou seguir seu conselho. – falou Lydia com algumas lágrimas nos olhos e completou num sussurro: – Muito obrigada!

Ele não sabia por qual razão, mas sentiu-se abalado com a franqueza e meiguice de Lydia. E logo ele, Sebastian Michaelis, que como já foi lhe dito, um ser que não amava nada e ninguém.

Ela fez uma leve reverência para ele que retribuiu de certo modo caloroso. E, então, retirou-se acompanhada de Raven. A única coisa que Sebastian fez naquele momento foi acompanhá-los com os olhos e somente isso…