Bem, eu já tinha minhas suspeitas, mas confirmar uma coisa dessas é algo totalmente diferente. Primeiramente, o que você faria se descobrisse que seu colega de quarto é um demônio? É, no mínimo, chocante, sem comentar que você sempre ouviu o que fazer pra prevenir pedófilos, mas não contra demônios. (Bem, tem as rezas, mas eu não acho que vou conseguir exorcizar o Dan com um “Pai Nosso”, acho que eu devo tentar alguma dança voodoo, quem sabe?)

Dan tossiu:

– Então, o que acha? – Falou irônico.

– Olha, ou sua namorada é uma safada ou você é um demônio. – Saí de meu estado Chokita.

– Você é estranha – Ele deu uma leve risada, me olhando por cima do ombro, feliz – Nunca pensaria que alguém olharia desse jeito. Muito menos uma pessoa que conheci agora.

– É claro! Sou maravilhosa. – Abri minhas mãos e virei a cabeça, tentando deixar meus movimentos e minha voz pomposos. – Mas por que você está aqui? – Perguntei, ficando séria.

– Vim fazer umas coisas… – Ele baixou o tom de voz de novo.

– Nossa, que específico, hein? Aprendeu ser direto assim com quem? – Brinquei.

– Desculpe.

– Desculpe? – Comecei a rir. – Eu bisbilhotei seu caderno de desenho, descobri que você é um demônio, estou tentando arrancar mais segredos de você, estou brincando com respostas sérias e você que pede desculpas? Que cara gentil…

– É mesmo, colocando dessa forma… – Ele encolheu os olhos e ficou pensativo. – Punição divina!! – Tá, essa frase soou engraçada por parte dele, considerando a ironia da situação. Ele pegou nos meus cabelos, e esfregou-os até embolar.

– Ahh!!! – Reclamei. – Devem estar iguaizinhos a um ninho de pássaro!!!

– Ninho de pássaro por acaso é branco? – Ele deu uma risada. Nem parecia a mesma pessoa, como assim?

– Ah, você entendeu – Bufei – Também… Nunca se sabe. – Cruzei os braços e fechei os olhos, dramaticamente. Nossa, amo ser dramática. Nem deu pra perceber, né?

Bem nesse momento meu celular tocou. Ah, já falei que meu toque é YMCA? Já perdi a conta de quantas vezes eu não atendi a ligação pra dançar essa música com o Lion.

Quem estava me ligando? Se acertar ganha um doce. Mentira, um parabéns e dois beijos. Sim, era o Lion. Era só falar do diabo.

– Alô?

– Então, já percebeu as horas?

– Não, espera um pouco. – Gesticulei para Dan perguntando as horas. Acho que pareceu mais uma imitação ridícula do Ben 10 do que qualquer outra coisa, mas ele entendeu. Mas e eu pra entendê-lo? Ele levantou seis dedos, depois fechou a mão e começou de novo. Separou, a mão direita tinham três levantados, e a mão esquerda todos os cinco. Demorei pra entender que eram 18h35min, mas com custo entendi. – E o quê é que tem?

– Não tá com fome? Isso não é de você… – Brincou ele. – Quer jantar comigo e o pessoal lá da minha cabana?

– Quero sim, que tal eu levar os dois daqui? Só que vou ter que caçar o Sam…

– Combinado. Daqui a cinco minutos a gente tá no refeitório.

– Não sei o quanto vai demorar para achar o moleque, mas fechou, sim, sim, beijo.

Desliguei o telefone e perguntei para Dan se ele queria comer com a gente, como ele já tinha percebido que a pergunta era formalidade e eu ia arrastá-lo de qualquer jeito, apenas acenou com a cabeça, concordando. Saímos, trancamos o quarto, e fomos procurar onde Sam tinha se metido. No percurso até o prédio principal (o de pedras, onde a gente vai ter aulas) não se teve nenhum sinal. O que será que aquele doido estava fazendo?

– Aff… – Suspirei - Desse jeito nunca vamos encontrá-lo. Tem celular?

– Tenho, aqui. – Ele pegou meu celular da minha mão, digitou e salvou o número.

– Quer o meu?

– Não precisa. - Estranhei, mas decidi deixar assim.

– Ok, estou indo pra lá, certo? – Apontei um caminho, o mais longe do refeitório.

– Boa sorte. – Acenou, indo pro lado oposto ao meu.

Numa caminhada rápida, segui um caminho de pedras, como o céu já estava escurecendo, me apressei mais ainda. Vi uma trilha de terra batida em um dos lados. Quem sabe o Sam estava fazendo uma caminhada? A trilha chegava num parquinho. Brinquei um pouco lá – Desculpa, não deu pra resistir, sacanagem colocarem um parquinho em uma academia séria, é muito divertido – e voltei a investigar.

Do lado do parque, ao lado da gangorra, tinha outra trilha, entrando pra uma floresta. Fui e entrei nela (acho que tava mais para bosque, mas tudo bem). Me arrependi de não ter pensado melhor. Os espessos galhos das árvores escondiam toda luz restante, me jogando em uma extrema escuridão. Tirei meu celular do bolso e usei de lanterna. – sim, uma lanterna das mais fajutas e que menos iluminam, mas temos que olhar pelo lado positivo, iluminava mais que um vagalume… Eu acho... – Com o tempo, percebi que ia me aproximando do fim, logo depois tinha uma montanha, ouvi vozes e comecei a ir mais devagar.

Há essa hora, meu coração já estava a mil, não, dez mil por segundo. Uma das vozes era petulante, brincalhona, a outra estava brava. Como sou xereta (ah, não, jura??? Ninguém poderia imaginar! *sarcasmo*), fui até as vozes em silêncio, e me escondi pra espiar.

– Então, Joshy, o que me diz? – Sam pressionava Joshua (o ruivo que nos mostrou as cabanas) contra a montanha.

– Não sei de nada, Sam! Sai! - Ele relutava, tentando sair do cerco do moreno.

– Ah, não seja assim, Joshy… - Manhoso, Sam segurou as mãos de Joshua e se aproximando dele o beijou, dando um sorriso triunfante depois. - E agora?

Eu me aproximei, pra ver melhor a cena, ainda atrás da árvore, consegui ver o desespero de Joshua. Bem, não o culpo, uma hora um cara quer saber algo de você e outra ele te beija à força? Não é uma das situações mais agradáveis, muito menos quando esse cara deixou o cabelo como uma escultura abstrata. O rosto de Joshua estava mais vermelho do que o próprio cabelo, e com uma explosão se livrou rápido de Sam e correu de volta, quase batendo em mim no processo. (Mas ele não me percebeu, graças à Deus.)

– Então, Lô? Você quer falar alguma coisa comigo? - Uma voz falou atrás de mim.

Com um pulo pra frente, virei-me para trás e dei de cara com Sam, ele estava em pé, com os braços cruzados e um sorriso zombeteiro.

– Desculpa te assustar… - Ele descruzou os braços e foi se aproximando de mim.

– Não foi nada… Eu não deveria estar aqui… - Fui me afastando, receosa. - Eu vim te chamar pra jantar comigo, Dan, meu melhor amigo e os amigos de quarto dele… Quer ir?

– Claro que sim, Lô. Desde que eu esteja com você para mim está ótimo. - Ele se aproximou mais rápido de mim e agarrou a minha cintura. Como pode ter virado o simpático Sam um pervertido?

– S-Sam, pare, o que você acha que está fazendo? - Tentei me soltar dos braços dele, mas era incrivelmente forte.

– Estou querendo te beijar, não é óbvio? - Ele segurou meu maxilar com suavidade, mas urgente e determinado. Me fez olhar pra ele. - Não precisa ter vergonha - Deu mais um de seus sorrisos petulantes. E me encarou com seus olhos de um azul profundo.

Sempre olhando para mim, ele foi aproximando sua boca, tentei recuar, mas sua mão estava segurando minha cabeça firme. Ele tinha que parar!!! Estou numa academia de garotos, tenho ordens expressas pra não me envolver com ninguém. Ia perder minha bolsa. Ia perder minha determinação. Ia perder minha dignidade.

–P-PARE!!! - Minha voz saiu num gritou esganiçado, enquanto eu tentava de novo desviar minha cabeça, com os olhos fechados. Minhas mãos empurravam seu peito, em vão esforço.

Já sentia sua respiração em meu rosto, quando um vento passou ao meu lado. A força do aperto de Sam diminuiu, e eu, aproveitando a brecha, fugi de seus braços e abri cautelosamente meu olhos.

A primeira coisa que eu vi foram ombros largos e cabelos loiros refletindo o prateado da Lua (Já tinha escurecido completamente). Na minha frente - quem poderia imaginar? - estava Dan.

– Ei, ei, é pra você jantar com a gente, não sair por aí dando beijos. - Ele falou sério.

– Não estou dando… Estou distribuindo!!! Quer um também, Danny??? - Com uma risada, Sam mandou um beijo nas pontas dos dedos, piscando um olho.

– Não, obrigado. - Disse Dan rispidamente. - Volte a procurar vítimas de assédio sexual, pervertido, estamos indo jantar. - Ele pegou minha mão e me arrastou para longe.

Foi rumando em direção ao parque, sem olhar pra trás. Eu não devia ter feito isso, mas olhei de esguelha e vi, pelo canto do olho Sam apoiado em uma árvore, os braços para cima, segurando a cabeça. Mas seu sorriso não era o zombeteiro de sempre. Deve ter sido minha imaginação, mas jurava que era um riso maldoso, cruel, sem deixar de ser sádico. Com um susto, olhei pra frente de novo, me aproximando de Dan, sentindo um súbito medo se instalando em meu coração.