Os braços fortes me envolviam cuidadosamente, e seus lábios macios de encontro aos meus pareciam de outro mundo, tinha certeza de que estava nas nuvens, que isso não poderia ser real. Tonta, eu não conseguia pensar em mais nada. Todas as perguntas que rodearam minha mente já tinham se dissipado há muito tempo, não conseguia nem me lembrar, e nem queria.

Com um suspiro profundo ele parou e me olhou doce, ainda me segurando contra o peito, sorri de volta para ele, encostei a cabeça em seu ombro, segurando sua camisa, como se quisesse todo seu ser para mim. Eu sentia seu hálito quente em meu pescoço, no qual ele depositou um leve beijo e sorriu.

Encarei-o de frente, sorrindo divertida, encostei meus lábios na sua bochecha em resposta, mas ele, em um movimento rápido, virou o rosto, arrebatou-os com sua boca, que desenhava um sorriso travesso de leve, não que eu me importasse, obviamente. Levei as mãos aos seus cabelos loiros curtos e sedosos, mas volumosos, senti seus chifres escondidos, a suposta desgraça que começara toda nossa história. Brinquei distraída com eles, e Dan retesou a boca, insatisfeito.

– Te incomoda? – Perguntei, baixando a mão para seu pescoço.

– Não exatamente. – Sua voz suave estava parcialmente rouca. – É que isso não é algo do qual tenho orgulho, não queria que você explorasse tanto esse meu lado.

Mordi seu nariz, um pouco espantada com minha recém-adquirida desenvoltura.

– Pra mim só de ser um lado seu é bom. – Ele me encarou, cético. – É verdade! – Protestei com a voz firme. – Aposto que se você não fosse um demônio não teria a mesma visão de mundo e jeito de ser. – Ele pareceu refletir por um tempo, enquanto eu sorria vitoriosa.

– O.K. – Ele sussurrou próximo da minha orelha, fazendo um arrepio percorrer meu corpo. – Mas mostre-me agora um outro lado seu. – Desafiou, mordendo minha orelha de vingança.

– Eu... Eu não tenho... – Respondi desapontada depois de pensar um pouco.

Ele me olhou inquisidor, mas logo suavizou a expressão e deu um sorriso gaiato, como se fosse outra pessoa.

– Então vamos fazer um.

– Ah, então é assim? – Ri de volta – Vai me estragar? – Ele me calou com um último beijo, longo, sôfrego, eletrizante. Mais uma vez me vi perdida, perdidamente bem, se eu pensasse melhor (algo que eu não conseguia no momento). Tudo nele me alvoroçava, os olhos negros, os cabelos claros, o cheiro almiscarado que lembrava grama recém-cortada, os lábios macios... Acariciei seu rosto enquanto ele me pousava cuidadosamente no chão.

– Vamos. – Ele se empertigou, um pouco relutante. – Acho que demoramos muito aqui, melhor voltarmos logo. – Ele parecia desconfiado, mas afastei isso da mente quando ele segurou minha mão, entrelaçando nossos dedos.

–- x—

Taus me encarava questionadora, provavelmente se perguntando porque eu não fizera nada. Ela podia ser ruim com piadas, mas era excessivamente sagaz.

Afastei meu olhar de Taus para a cena à minha frente, um ódio tomava conta de mim. Quem Danny achava que era? Nem ao menos usava laços cor-de-rosa!! A ruiva percebia meu estado de espírito, mas continuou quieta, parecendo um pouco culpada.

Continuamos ali até eles saírem e desaparecerem entre as árvores. Meu corpo reclamava de dor e vários insetos tinham me picado. Ser gostoso é difícil, admito.

Levantei gemendo um pouco, Taus se sentou sobre as pernas enquanto massageava os ombros tensos.

– Quero uma explicação. – Ela falou sucinta, jogando pra fora toda a introversão que tinha em sua versão demoníaca e esfregando o pescoço, meus olhos acompanhavam sua gargantilha, que balançava no colo fino.

– Vou me vingar, só que primeiro vou fingir que não sei de nada. – Justifiquei, esfregando o nariz, o ar da noite tinha esfriado e me perguntava se Taus não sentia frio só vestindo sua fina regata.

– E depois disso, qual o plano? – Ela ergueu uma sobrancelha.

– Ainda estou cuidando disso. – Falei baixinho enquanto ela ria.

– Melhor andarmos logo atrás deles. Vão desconfiar. Consegue correr, purpurina?

– Claro que sim. – Me fingi de ofendido enquanto ela saiu correndo extremamente rápido, em diagonal, para contornar o trecho em que nossos parentes iam. Espera. Nossos parentes? Me perguntei internamente de qual lado Taus ficaria, do meu ou do Dan? Dan era seu primo, e eu, bem... Praticamente seu inimigo declarado. E se ela deixasse vazar?

– Não vou contar nada para eles. – Ela comentou, como se tivesse lido minha mente. – Mas não pense que vou te ajudar, purpurina, não ache que sou traiçoeira só porque vim do inferno.

– Mais do que óbvio. – Retruquei, um pouco ofegante. Me perguntei como uma garota tão pequena conseguia ser tão rápida. Seus cabelos curtos eram fustigados pelo vento e fazia eles parecerem labaredas. Lembrei vagamente dos meus carrinhos Hot Wheels.

– Vai encarar? - Murmurei baixinho.

Ela parou repentinamente, ajeitou seus cabelos e me olhou com um ar debochado.

– Eles logo vão chegar, tenta desfazer essa sua cara de sedentário maratonista.

– Como... Você... Sabe? – Desconfiei com a respiração entrecortada.

– Pelo cheiro. – Eu a encarei com uma cara de “agora fala a verdade”, utilizando todos meus esforços para me recuperar. – É que lá no inferno tudo tinha um cheiro horrível de enxofre, aqui é como se tudo ficasse clareado, então consigo farejar bem as coisas, digamos assim. – Ela explicou, dando de ombros. - É até impressionante o meu nariz e o do Dan não terem ficado insensíveis. – Fez uma careta.

– Ser demônio não é fácil, né? – Comentei superficialmente, me sentindo melhor.

– Na ver- Se interrompeu e começou a pular acenando para duas figuras que se materializavam, como se não tivesse acabado de correr desesperadamente.

Com uma reboladinha, ela abraçou Dan, enquanto eles lembravam de histórias ocorridas no inferno em suas formas humanas. Lô me cumprimentou e conversou comigo, apesar deu só acenar com a cabeça em alguns intervalos de tempo ou repetia suas últimas palavras enquanto encarava Dan, pensando em qual seria meu plano.

–-x—

Dan e eu soltamos nossas mãos com relutância quando vimos uma figura saltitante no meio da trilha. Primeiramente pensei que seria Sam, com sua personalidade afetada, mas logo que percebi que era Taus em sua forma humana. Fiquei satisfeita ao ver que não seria a única menina da academia, ainda que um pouco surpresa.

Taus se jogou alegremente nos braços do primo e começaram a falar casualmente, aproveitei para conversar com Sam.

Meu irmão estava estranhamente avoado, não prestava atenção no que dizia e encarava interminavelmente Dan e Taus, me perguntei se alguma coisa tinha acontecido entre a ruiva e ele. Deixei isso pra lá e resolvi aproveitar-me da situação. Falei umas palavras sem nexo enquanto pegava meu celular – que nem tinha sinal na Academia, mas por algum motivo eu o mantia por perto – e liguei o gravador.

– Nossa, o que você achou das tortas da nossa mãe hoje? – Aproximei o aparelho discretamente de seu rosto.

Ele simplesmente acenou a cabeça, absorto.

– Você adoraria comer de novo, não? Adoraria... – Joguei uma palavra no ar, desejando que ele mordesse a isca.

– Adoraria... – Respondeu, murmurando. Desliguei o precioso celular, satisfeita, enquanto me juntava à Dan e Taus.

– É melhor a gente ir pra cabana, certo? – Perguntei. – Você fica no beliche comigo, Taus, que tal? – Comecei a conversar com eles, andando calmamente para nosso quarto.

Taus era uma pessoa bem divertida, discutíamos animadas enquanto Dan fazia uns e outros comentários, logo atrás de nós. Sam andava bem após, não parecendo interessado se patos faziam musculação ou não.

Chegando no quarto nos aprontamos rápido, jogando umas coisas ali ou aqui, escovamos os dentes em grupo e logo estávamos deitados, discutindo quem levantaria para ligar a luz.

– Eu estou em cima!! – Taus protestou, arranhando levemente a pintura da parede. – Tem que ser você ou Dan, que estão mais perto do chão!

– Dan, seja cavalheiro e desligue a luz para nós! – Ralhei, rindo junto com Taus.

Dan gemeu, enrolado em suas cobertas. Fez menção de se levantar quando Sam desceu o beliche, fazendo a madeira ranger. Desligou a luz, funesto e voltou pra cama.

Um estranho silêncio tomou conta do aposento, sendo quebrado por Taus.

– Espero que tenhamos um ótimo começo de aulas amanhã!!! – Exclamou entusiasmada.

– O quê?! ?! – Eu e Dan gritamos contrafeitos.



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