Depois de passado meio minuto após a porta ter batido às minhas costas e eu acabado sozinha com o diretor, o velho deu um suspiro profundo e se afundou em algumas pequenas almofadas, que combinavam com o quartinho.

– Sente-se também, menina... – Ele abanou a mão, indicando um lugar qualquer pra eu me sentar.

Ele vasculhou os bolsos, pegou um charuto, colocou na boca e quando estava indo acender, olhou assustado pra uma boneca e guardou tudo de volta no bolso, encarando ranzinza a boneca de cabelos brancos, esta, por sua vez, fez uma expressão de vitória – Não sei como, considerando que ela era de porcelana, mas fez.

– Eu queria ter podido esconder isso por mais tempo, mas devido à situação de agora eu não posso... Desculpe, pode ser um impacto pra você, mas tente aceitar normalmente. – Ele coçou a cabeça, constrangido.

Mode Flashback On

Era uma manhã de céu azul, sem nuvens, só aquele azul imenso e infinito contrastando com o oceano de areia abaixo. Um jovem arqueólogo em ascensão tinha acabado de acordar, tendo dificuldade de abrir os olhos por completo devido à exagerada luminosidade.

Lavou o rosto com o prazer, outros arqueólogos não estavam exagerando ao dizer que o deserto era insuportavelmente quente. Estava a poucos quilômetros de um oásis, então tomou um bom gole de água sem preocupações, admirando a vasta escavação perto de sua barraca.

Um de seus companheiros passou, – também recém-acordado - com uma toalha molhada enrolada no pescoço, e o cumprimentou, sonolento. O jovem, Jim o seu nome, retribuiu com um sorriso. Para muitos esse tipo de vida era cansativa, para ele, simplesmente sua razão de viver.

Revigorado, Jim se espreguiçou, vestiu uma manta grossa pra se proteger do sol, pegou seus equipamentos e foi falar com seu supervisor. O mesmo, Victor, estava no meio do campo de trabalho, anotando os resultados das pesquisas e, quando dava tempo, parando pra olhar para céu.

Se aproximou por trás, planejando dar um susto no indiano, mas como sempre, este notou a sua presença e sorriu, zombeteiro. Depois de seu constante ritual, Jim foi checar que área iria explorar dessa vez, eles estavam tendo muitos avanços esses dias, e a equipe toda estava eufórica. Foi designado pra desvendar as escritas do porão do palácio que estava sendo descoberto.

Descendo algumas escadas mal feitas, chegou em um grande salão, era imponente, apesar de todo cheio de areia, apressadamente varrida pro lado, o chão era inteiramente feito de lápis-lázuli. Pilastras grossas uniam o teto ao mesmo. As paredes, altas demais para um porão, suntuosas, de turquesa e ouro. Num pedaço dessa parede, havia um monte de hieróglifos, e o trabalho de Jim era desvendá-los.

Na realidade, o jovem era péssimo com línguas, mas sempre foi esforçado e Egito era sua paixão. Admirava profundamente aqueles que utilizaram infinitas técnicas pra sua sobrevivência, aqueles que tinham sua própria política, própria arte, próprio jeito de cultuar e ver as coisas. Era simplesmente fascinante.

Com a ajuda de um livro com anotações, Jim vai tentando traduzir, rabiscando lá e cá, coçando a cabeça, resmungando consigo próprio. Aos poucos, foi formando uma mensagem. Algo tinha vindo dos céus, sim, mais o quê? Escondido. Dez mil passos, onde o bem se esconde e o mal vai atrás.

Jim releu suas anotações e refletiu, mordiscando a ponta de seu lápis. Dado algum tempo entendeu, estava à dez mil passos à oeste (Bem=Sol, Mal=Lua, coitada), alguma coisa, alguma coisa dos céus. Entusiasmado, foi correndo falar com Victor, quase escorregando em um pedaço de madeira solto da “escada”.

– Ei, ei!!! – Gritou pro amigo, que só não brigou porque deveria ser algo realmente muito empolgante, já que Jim sempre respeitava o silêncio em escavações. – Vi-Victor, v-você n-não i-i-imagina... – Tinha a fala embolada, pela dificuldade de conter a emoção.

– Calma, respira, e depois fale. – Riu o indiano, apoiando a mão nos ombros do parceiro, num gesto de calma. Respirou devagar junto, tentando fazer Jim ajustar o compasso também. – Muito bem! – Conseguiu se controlar. – Fale agora.

– Eu estava traduzindo o bagulhete lá e lá fala que tem algo escondido por aqui, há dez mil passos de distância, ao oeste. Algo caído do céu.

Victor escutou atento, anotando tudo organizadamente em sua prancheta. Ele acenou a cabeça, satisfeito.

– Vamos ver se reunimos um grupo amanhã para ir pra lá. – Concluiu.

– Posso ir antes, pra fazer um reconhecimento da área, algo assim...? – Perguntou Jim, com os olhos brilhando e suplicando como o Gato de Botas (Shrek).

–Não. – Falou Victor, direto, se virando para outro homem que vinha fazer um relatório, enquanto batia em si mesmo pra tirar a poeira das roupas.

Depois de esperar, consternado, que o outro homem terminasse seu relatório, Jim continuou enchendo o saco do supervisor.

– Vai, vai, deixa!!!

– Já te falei que não, pode ir saindo que já te atendi – E se virava para outra pessoa, enquanto Jim esperava impaciente.

– Mas por que não?? – Choramingou, seguindo Victor pelas escavações. Este, parou abruptamente e encarou, sério, o mais baixo.

– É perigoso, você sabe, sempre é bom ir com mais gente, você não vai morrer de ansiedade, mas sabe-se lá o que pode acontecer se você sair por aí sozinho pelo deserto. Não é um lugar pra ser imprudente.

– Não me importo – O jovem sorridente ficou sério também. – Você me conhece e sabe que vou continuar pedindo. Agradeço a sua preocupação, mas eu realmente quero fazer isso. – Terminou e cruzou os braços, como quem não está mais aberto a discussões.

O moreno alto coçou a cabeça, suspirando.

– Você não tem jeito mesmo, hein... – Conhecia bem o amigo.

– Isso foi um sim?

– Foi. – Mal terminou de pronunciar a palavra e Jim já estava pulando por aí, extasiado.

– Vou começar a arrumar minhas coisas agora!!! – Saiu correndo pra sua tenda, enquanto Victor o olhava, risonho com a empolgação do amigo, a silhueta se tornar cada vez menor. E gritou de longe, quebrando a regra imposta por ele mesmo.

– Amanhã a gente vai pro lugar também! – Colocou as mãos em volta da boca, pra deixar o som mais potente.

– Certo!!! – Gritou o mais baixo lá de longe.

Todos olhavam Jim com curiosidade, sempre fora agitado, mas agora estava mais que o normal. MUITO mais. Saltitante e cantarolando, Jim separou as coisas essenciais pra sua viagem. Será que dez mil passos eram muita coisa? Não sabia, deu de ombros, continuando a empacotar seus pertences.

Não demorou muito a sair, a mochila estava leve, só com o essencial, bebeu a água de um pesquisador imerso demais na sua pesquisa pra perceber, e começou a sua jornada, triunfante.

Foi realmente difícil contar os passos, mas pelo menos aquela parte do deserto era bem calma, sem tempestades de areia nem nada do tipo. Depois de provavelmente duas ou três horas caminhando, com os pés pesado arrastando na areia, Jim vislumbrou de longe um provável oásis e recuperou sua animação, apertando o passo.

Chegando lá se espantou, não era só um oásis, era uma grande e vistosa floresta tropical no meio do deserto.

Curioso adentrou a floresta, achando tudo muito divertido, se fosse Victor, sem dúvida estaria receoso.

Enquanto ele empurrava as folhas das árvores pro lado, ouviu um rio murmurando calmamente. Seguindo o som, foi seguindo à esquerda, tropeçando em raízes e se arranhando em folhas, quando uma clareira apareceu eu sua frente. No meio dela, um riacho, de água transparente circundado de pedras.

Não pensou nem duas vezes, mergulhou a cabeça na água e bebeu, aproveitando não ter que usar da água do cantil – que fica quente e com um gosto estranho. Com o canto do olho imaginou ter visto algo se mexer, desconfiado, enxugou parte da água em seu rosto com as mãos e se levantou pra vasculhar o lugar de onde o movimento tinha vindo.

Passou por uma grande pedra e olhou pro lado.

Atrás da pedra estava uma garota escondida, encolhida e abraçando o esconderijo como se quisesse entrar dentro dele, olhando Jim assustada com grandes olhos azuis.