Soul sempre se expressou com música.

Ele se sentiu traído por palavras logo quando aprendeu a usá-las, e se apaixonou por música desde que ouviu o irmão tocando violino.

Wes foi o primeiro da família Evans que Soul escutou. Foi com a música de Wes que Soul entendeu o poder da música, e foi por isso que ele começou a tocar piano.

Então, na verdade, Soul era silencioso até poder tocar o piano. Quando seus dedos deslizavam pelas teclas, um processo tão natural quanto respirar ou pensar, sua família entendia exatamente o que ele queria, o que ele pensava e quem ele era.

Porém, nem todas as pessoas eram gênios da música como os Evans.

Ele odiava, especialmente, as amigas da mãe. Não considerava a mãe uma dondoca superficial, mas as amigas com certeza eram. Por mais que tentasse correr toda vez que ouvia as vozes delas na mansão, sabia que diziam que ele era muito apático para uma criança e que seria terrível se ele fosse neurodivergente— como se isso fosse um problema e não apenas uma condição diferente. Que sua mãe deveria levá-lo ao terapeuta o mais rápido o possível.

Quando Wes descobriu que Soul se incomodava com o que as pessoas pensavam dele, ele riu e explicou que as amigas da mamãe sentiam inveja dos seus dois filhos comportados e talentosos, quando elas mesmas foram amaldiçoadas com crianças mimadas, mal educadas e ordinárias.

Soul só tinha memórias boas de Wes, o que apenas o irritava. Wes entendia o que Soul queria ou pensava, mesmo quando não estava tocando. Ele percebia quando Soul estava prestes a chorar por qualquer coisa, e o pegava no colo até que a vontade passasse. Por conta disso, a mãe e a avó de Soul estranhavam o fato do garotinho nunca chorar por nada, sem saber a ligação especial entre os dois irmãos.

Wes foi mais a figura parental de Soul do que qualquer um da sua família.

Por isso, Wes percebeu quando Soul começou a se afastar de verdade. Wes percebeu quando Soul começou a se recusar tocar para os outros, mesmo dentro de casa. Wes percebeu a barreira que Soul começava a criar, sem querer mais que ele entendesse seus pensamentos, seus desejos e sentimentos.

Porém, Wes não entendeu o motivo. Ele não conseguiu deduzir que Soul sentia-se perdido e oprimido à sua sombra de violinista e irmão perfeito. Soul só sabia tocar, assim como o resto da família, mas ele não estava nem próximo do nível de Wes. E isso doía, era algo que ele realmente amava e não ser bom o suficiente doía para a mente infantil dele.

Soul nunca iconseguiria superar Wes. Ele sempre seria visto como a versão mais nova e menos talentosa, assim que nem ele mesmo sabia a própria identidade. Apoiava-se tanto em Wes e se escondia tanto atrás dele, que não desenvolveu nada que fosse apenas seu.

Então ele descobriu que era uma arma.

Isso era algo apenas seu. Soul não era qualquer arma, ele era uma foice demoníaca. Ele era especial, diferente. Dessa forma, ele aceitou a entrar na DWMA como uma forma de se encontrar, de criar a pessoa que ele queria ser.

Óbvio que Wes só se sentiu traído como o resto da família, sem entender por quê Soul queria tanto fugir deles como se não fossem uma família unida e saudável.

Eles eram, Soul não.

Foi então, com treze anos, que Soul Evans conheceu Maka Albarn. E foi também com treze anos que ele se apaixonou pela primeira vez.

Soul precisava achar um artesão para lutar. Armas não iam muito longe sozinhas. Mas Soul nunca foi bom em socializar, pelo contrário. E isso ficou ainda mais difícil na puberdade, morando sozinho pela primeira vez, tentando se acostumar a um monte de conceitos novos sem chorar todos os dias.

Então Maka veio até ele, da forma mais casual o possível, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Na época, Soul ignorou veemente o jeito que o coração perdeu uma batida ao ver a expressão animada e gentil dela, os olhos verdes brilhantes e os leves trejeitos nervosos, talvez tão ansiosa socialmente quanto ele.

Maka não era a primeira garota que ele conhecia. Pelo contrário, Soul estava acostumado a tocar para garotas bem mais bonitas de sangue azul. Porém, nenhuma delas o afetou à primeira vista como Maka, mesmo que ele não tenha a considerado bonita, nem um pouco no começo.

Nunca foi aparência com Maka, nunca foi atração fisíca.

Era outra coisa.

— Meu nome é Maka Albarn. - ela se apresentou enquanto ele ainda se questionava por que a garota veio falar com ele. - Eu sou uma artesã e eu gostaria de saber se você quer ser a minha arma.

— Heh? - Soul alongou os olhos, incrédulo. - Por quê você quer ser a minha artesã?

— Você é uma foice, certo? - Maka juntou as mãos atrás do corpo. Soul assentiu ainda confuso. - Eu quero uma foice para torná-la a melhor Death Scythe de todas. - ela soou determinada. Soul se surpreendeu com os objetivos da garota.

Enquanto isso, o maior objetivo dele era sobreviver.

— Por que você quer tanto uma Death Scythe? Isso não é muita prepotência da sua parte, tendo começado agora na escola...?

— Não tem nada de errado em ter um objetivo claro! Ao contrário, é necessário se você quiser bons resultados na DWMA e nas missões! - Maka exclamou da mesma forma determinada, sem se deixar abalar pela opinião alheia. Soul admirou isso. - Eu entrei exatamente para conseguir criar uma Death Scythe. Só vamos dizer que eu tenho... Contato direto com a Death Scythe atual, e eu decidi que posso superá-la, então eu vou superá-la. Eu só preciso de uma arma que consiga me acompanhar. - ela olhou no fundo dos olhos dele, intimidando Soul, quase como se conseguisse ver a sua alma. Mais tarde ele descobriria que ela conseguia. - Então, o que você diz?

Soul ficou interessado por ela.

Isso dificilmente acontecia. Ele se importava com o que pensavam dele, mas não queria contato direto com ninguém, não se interessava por ninguém. Porém, desde o primeiro momento que a viu até a última frase que acabou de proferir, Soul estava intrigado e fascinado por ela. Não conseguia desviar os olhos.

Supostamente, Maka era comum. Não era rica, não era bonita, não era talentosa - todas as coisas que definiam o valor de alguém no mundo das elites que Soul nasceu e foi criado.

Mas Soul não estava mais nesse mundo. Agora ele estava no mundo real.

E no mundo real, Maka era superior a ele: Ela tinha um objetivo claro e determinação o suficiente para consegui-lo, assim como a coragem de se expor e correr riscos para chegar aonde queria. Ela sabia quem era, para onde iria e fazia seus planos de acordo com a realidade que vivia no momento, de acordo com seus desejos enquanto tentava alinhá-los com as suas necessidades.

Soul quis impressioná-la também.

Ele olhou para trás, e comemorou mentalmente ao achar o piano no café. Maka o observou confusa, sem entender as intenções dele até que Soul simplesmente foi até o piano, fazendo com que ela o seguisse de forma indignada, sem aceitar o fato que o garoto simplesmente lhe dava as costas e saía andando.

— Essa é a minha introdução, então. - Soul comentou sem se preocupar em explicar nada, sentando-se à frente do piano e a olhando mais uma vez, sorrindo com a confusão e antecipação dela, até se virar e começar a tocar.

Tocou da mesma forma que tocava na residência dos Evans, quando estava irritado com Wes e o xingava pelas notas ou frustrado com a avó e os ideais tradicionais, quando se sentia decepcionado consigo mesmo, sem saber quem ele era e do que era capaz, quando estava contente e aprendia músicas novas, quando estava com medo e quando se apaixonava por alguém.

Foi a primeira vez que ele quis que alguém de fora entendesse os seus sentimentos pela música.

Quando ele terminou, olhou de forma esperançosa para Maka, mas sabia que apenas parecia sarcástico como sempre.

— O que você achou?

— Essa foi a música mais sombria e assustadora que eu já ouvi. - Maka soou desconcertada.

Soul era o rei do auto controle e o rei de não demonstrar o que sentia. Por isso, ainda estava sorrindo quando disse decepcionado:

— Bom, esse é o tipo de pessoa que eu sou.

— Mas eu gostei. - Maka continuou, surpreendendo Soul. - Achei esquisita, claro, mas eu gostei de verdade e você toca muito bem.

Soul realmente não sabia o que responder. O coração acelerou e ele se apaixonou de verdade e com força por ela. Foi como cair na toca do coelho, caindo por horas, sem conseguir chegar ao final da queda, sem ver ou sentir o chão. Maka o desestabilizou desse tanto.

Não que ela fosse saber.

— Então, se você quiser ser a minha arma, eu quero.

— Eu quero. - Soul respondeu desconcertado, mesmo que não aparentasse. Maka lhe deu um sorriso que ficou gravado nele.

Mais tarde, Soul descobriria que Maka percebeu como a alma de Soul era gentil e como era diferente dos outros garotos. Que ele foi o primeiro que ela considerou como confiável, mesmo sendo homem. Soul também descobriria que a atração entre eles, o que o fez se apaixonar e se interessar, foi de alma, de personalidade, de mente.

Os dois entraram em ressonância no momento que se viram.

E foi seu primeiro amor.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.