As in the first time

As in the first time — capítulo único


Shiro sempre seria o tesouro mais especial de Ganta.

Desde aquele dia em que ele a havia nomeado como seu tesouro, elogiando suas madeixas prateadas. Não importava quanto tempo se passasse, a distância entre ambos ou o esquecimento. Uma promessa era uma promessa, e promessas nunca devem ser quebradas.

Já fazia mais de um ano que a Deadman Wonderland havia sido dizimada por um grupo independente de ex-detentos. Eram poucos aqueles que nos dias atuais sabiam o real motivo por trás de tudo aquilo, até então, o único pensamento difundido era o de que a penitenciaria particular conhecida por Deadman Wonderland era um ninho de loucura - dirá o inferno na Terra - onde seus detentos eram obrigados a atividades em que corriam risco de vida mas que, para o público, era apenas uma encenação. E também existiam os temidos deadman, pessoas com a capacidade de manipular o próprio sangue, que se viam obrigados a lutarem entre si para sobreviver e que tinham sua existência escondida das autoridades. Tal realidade nos dias atuais não passava de lenda urbana.

A realidade daquele lugar era a completa e pura loucura, se é que essa pode ter seu grau de pureza definido com clareza. Ganta Igarashi fora obrigado a experimenta-la contra a própria vontade, mas também tinha o que agradecer aquele lugar. O surpreendente era ele ser grato a uma coisa que em suma, só lhe havia trazido dor. Na realidade, a D.W havia feito uma outra face dele surgir. Lá ele havia experimentado o que é se ter amigos em quem confiar, havia adquirido uma coragem que antes não tinha, descobrira um passado obscuro de sua vida que até então permanecia esquecido de sua memória. Como também e mais importante, havia descoberto seu grande amor. Há quem censure o fato de crianças "amarem", mas esse sentimento é as vezes tão puro e inocente que apenas uma criança o pode compreender. Ganta e Shiro nutriam um amor desde quando tinham essa idade e, com passar do tempo foi tomando forma, até ser o que é hoje.

A Deadaman Wonderland havia sido erradicada do mapa graças a Ganta, e ele só queria uma coisa, ter a sua Shiro de volta. Acontece que ela era, além de seu grande amor, seu maior inimigo. E ter de lutar com ela havia dado um fim naquilo que outrora fora um circo de horrores, mas a que custo?

Depois de tudo, os que haviam sobrevivido seguiram com suas vidas, fazendo o que almejavam ou apenas tentando ter uma vida normal. Viver engaiolado em uma jaula onde só os loucos sobrevivem requer um bom tempo de terapia. Ganta havia voltado á escola, ele mal se lembrava de que havia sido preso enquanto ainda estudava. A instituição em que estava agora era tão reconfortante quanto a antiga, o novo caráter dele fez com que conquistasse o carinho das pessoas, havia se tornado mais comunicativo e até mesmo entrou no clube de beisebol da escola. Aquilo as vezes parecia ser tão irreal para ele, tudo estava seguindo um curso tão tranquilo que o garoto duvidava de sua sorte.

A única coisa que o trazia a realidade era ela.

Shiro havia sido hospitalizada depois do embate que tirara a Deadman Wonderland do mapa. Por algum motivo, agora ela se encontrava em um coma profundo e era mantida em um hospital no mesmo lugar onde Ganta morava antes de ser preso, na província de Nagano. Ir vê-la depois das aulas acabou se tornando um hábito.

Ei! Eu te disse para esperar, Igarashi!! - urrou o professor da janela enquanto o garoto zarpava correndo.

— Você já deve ter terminado aquele exercício difícil, não é Ganta? Quer jogar hoje?

— Foi mal, hoje não dá.

Ele seguia apressado até a instituição de fachada branca, todos lá já o reconheciam de rosto, a única coisa que ele se limitava a fazer era preencher o livro de presença e seguir até o quarto no fim do corredor do terceiro andar.

Ela permanecia imutável, tão linda quanto da última vez que a vira, só que agora sem as manchas de sangue. O quarto era largo e, no centro dele estava a cama onde a jovem albina permanecia em sono profundo. Vê-la sempre causava um sentimento reconfortante mas ao mesmo tempo doloroso no peito do garoto. Ter seu objeto de admiração tão perto e ao mesmo tempo tão longe de si era algo doloroso, porém Ganta ignorava com maestria essa dor. Shiro ainda estava ali, ela estava viva, poderia acordar a qualquer momento... mas também poderia não acordar. Era uma via de mão dupla que ele decidira seguir.

— E então, me convidaram para entrar no time de beisebol... Viu, eu até cresci! - comentou medindo sua altura com a mão.

Não houve reposta.

— Sabe, as enfermeiras disseram que você é a bela adormecida Shiro, mas você não é nem de longe uma princesa, não é?

Não houve reposta mais uma vez. Ele permanecia sentado ao lado da cama enquanto a luz do entardecer invadia o quarto.

O que ele costumava chamar de casa era um pequeno apartamento, fora presente de Karako antes dela sumir em meio as suas viagens com os médicos sem fronteira. Não era o lugar perfeito mas depois de pular de mão em mão ele se sentia melhor em ter um lugar para descansar seu corpo e mente. O dia havia sido longo mas agora, todos os seus dias eram. A única coisa que desejava além de um prato de comida era uma boa noite de sono.

As aulas pareciam terem sido adiantadas naquele dia. Mal havia ele colocado seus pés no prédio da escola para entrar e logo mais estava saindo dele, correndo mais uma vez. A única coisa que o diferenciava dos outros dias fora telefonema que recebera no meio da aula de língua japonesa. Era um telefonema do hospital, aquele bendito telefonema pelo qual ele tanto ansiara.

— Ganta Igarashi? Quem fala é a enfermeira Yuichiro, aquela quem cuida da Shiro. - houve uma breve pausa, como se ela estivesse tomando ar para continuar — Tenho ótimas notícias para te dar. A Shiro acordou!

Ganta havia saído da sala para atender o telefone, o corredor a sua volta estava vazio, não havia nada além da luz diurna e as partículas de poeira nela refletidas. Seus olhos estavam marejados. Não havia nada que o impedisse de chorar, ele se sentia tão feliz. Ela finalmente acordara. Shiro havia acordado.

A sua Shiro estava de volta!

— De verdade?! Eu- eu não sei o que dizer.

A resposta fora uma gargalhada suave por parte da enfermeira.

— Sim, de verdade. Eu tomei um susto quanto entrei no quarto hoje de manhã e a vi, ela estava sentada na cama, comendo os doces que você sempre traz. Pelo que o doutor me disse, ela esta saudável, só necessita de alguns exames extras e observação. Para ser bem sincera, nós não imaginávamos que ela fosse despertar dessa forma, tão naturalmente.

— Ela sempre foi persistente.

— É, e nós podemos comprovar isso agora. E Igarashi, a única coisa que ela pergunta é de você, portanto, não se esqueça de aparecer hoje!

— É claro enfermeira Yuichiro! - depois da ligação ele nem sequer prestou atenção nas aulas, só contava os minutos para que pudesse vê-la novamente.

E ela estava radiante, ele nem precisou subir até o terceiro andar para que pudesse vê-la dessa vez. Quando chegou na entrada do hospital pode ver um burburinho formado por alguns homens de branco correndo atrás de uma jovem mais branca ainda, ela vestia apenas o roupão esverdeado que todos os pacientes do hospital costumavam usar. Corria pelo gramado gritando apenas um nome.

Ganta! Onde você está?

Aquela visão fora do normal o fazia voltar a se perguntar se aquilo era apenas um sonho.

— Calma Shiro, daqui a pouco ele aparece. As aulas já devem ter acabado e ele sempre vem depois da escola.

Ele pode distinguir a enfermeira Yuichiro a acalmando, algo que os brutamontes ao lado não conseguiam fazer com toda a sua força.

— Mas ele está demorando, eu quero ver o Ganta agora!

Shiro... - um sussurro contido saia dos lábios de Ganta.

Ele começava a adentrar o local, pisando firmemente no gramado.

Shiro...! - aos poucos a força parecia preencher sua voz.

Ela estava bem e saudável, não era uma mentira, ele podia ver com seus próprios olhos.

— Shiro! Olha eu aqui! - gritou agitando os braços sobre sua cabeça enquanto corria em direção a ela.

— GANTA!! - os olhos carmim saltavam num tamanho fora do normal.

O reencontro deles fora inevitável, depois de percorrer a pequena distancia que os separava. O abraço. Ah, aquele abraço lembrou o garoto da última vez que o haviam feito, somente aquele gesto simplório havia posto um fim no que sobrara da ilha de Tóquio e havia deixado Shiro naquele sono profundo. Refazer tal gesto, agora com ela totalmente desperta era revigorante para Ganta, como se um sonho ruim finalmente chegasse ao fim

— Shiro!

— Gantaaa!

Ambos choravam, assim como a enfermeira observava tal cena com lágrimas nos olhos. Eles finalmente estavam juntos, como quando eram crianças, como quando haviam se reencontrado naquela prisão grotesca, como quando Ganta descobriu o que sentia de verdade por ela.

Uma semana depois os dois estavam no gramado do hospital, Shiro ainda estava sob observação, mas nada a impedia de passar o tempo que fosse preciso ao lado da pessoa com a qual mais desejara estar. Ganta contava a ela como vivera depois do fim da Deadman Wonderland, sobre os outros que haviam escapado junto com ele. Haviam tantas histórias a serem contadas.

— Sabe, eu gostava da Shiro de antes - comentou observando o céu azul.

— Como assim?

— Ela dizia as coisas de forma menos inteligente, não sei como explicar, era algo que a deixava mais adorável.

— Ah! Então - ela parecia pensar no que dizer — Você desculpa a Shiro, Ganta?

— O que foi isso de repente?

— É que a Shiro gosta de ver o Ganta feliz e se agir assim faz com que ele goste mais dela, então é isso que a Shiro vai fazer!

Era adorável o olhar confiante que ela transmitia ao dizer aquelas palavras, como se tudo pudesse ser resolvido com uma simples mudança de ares.

Entretanto, o que viveram até aquele momento era algo que não poderia ser resolvido com tanta facilidade mas, apenas ver ela se esforçando por ele o deixava com um calor agradável dentro do peito. Ainda não havia se acostumado a conversar com uma Shiro capaz de formar frases concretas sem parecer infantil, na verdade ele havia se afeiçoado tanto ao eu infantil dela que, vê-la assim era algo surpreendente. As vezes se beliscava para ter noção de que estava acordado e que ao seu lado estava a garota por que ele havia se apaixonado.

Não importava mais se era uma Shiro infantil ou o Aceman que estava ali diante dele, pois agora ele sabia que aquela que estava sentada ao seu lado lhe oferecendo um pedaço de pudim na colher com um sorriso gentil era uma Shiro completa, sem duplas personalidades, sem Wretched Egg, sem ramos do pecado. Agora seriam apenas Ganta e Shiro.

E isso já era o suficiente.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.