As Sete Ameaças

Parte II: O Reencontro – A face da morte.


Zaki, Li e Quon não cavalgaram por tanto tempo, principalmente pois corriam com uma velocidade impressionante.

Leeu ainda estava impressionado com a velocidade que Fazias conseguia atingir e o quão resistente era, de repente aquelas duas moedas de ouro pareceram uma pechincha pelo alazão incrível.

Li apressava o avô, e eles exigiam cada vez mais do cavalo deles, que logo estava começando a ficar cansado, mas Fazias ainda estava completamente revigorado, então pararam no meio de uma pradaria e a garota pulou para o cavalo de Zaki.

Quon então ficou bem para trás quando o alazão ganhou velocidade máxima.

E eles realmente seguiam um pombo. Mais especificamente “Lori”, como Li o chamava. Ele voava apenas um pouco mais afrente e parava constantemente para ver se ainda estava sendo seguido.

Até que finalmente eles chegaram em uma clareira em que uma pequena e simplória casa de taipa residia. Lori pousou em um parapeito aberto da janela e Fazias diminuiu o ritmo devagar.

Os dois pularam do cavalo e correram até a passagem simples, sem porta alguma. A casinha consistia em um único cômodo em que uma mesa empoeirada no meio sustentava um homem forte e ofegante com um ferimento incrivelmente feio no ombro.

Zaki não precisou nem de dois segundos para reconhecer o amigo.

— Yuki! – gritou correndo mais rápido que Li e segurando a mão do enfermo. Ele parecia sofrer muito com a respiração ofegante e os olhos fechados com força.

— Você o conhece? – perguntou um homem grande sentado no canto. Ele era forte e de meia idade, tinha um rosto oval com uma barba cheia grisalha e um nariz longo e quebrado no meio, era ligeiramente calvo e tinha rugas de expressão que lhe conferiam mais idade do que provavelmente.

Li se curvou levemente.

— Senhor Ibraim, é uma honra revê-lo.

— Li, minha querida, eu digo o mesmo. Agora por favor, ajude meu amigo. Ele levou uma flechada quando fugíamos do coliseu.

— Do coliseu? – falou Zaki impressionado. Lembrava-se de Yuki, aquele garotinho franzino e gentil que via tudo de bom em todos os lugares mesmo sem ver nada além do escuro. E depois imaginou toda sua inocência e gentileza sendo esmagadas e destruídas pela vida dura de gladiador. Sentiu um ódio profundo de quem quer que tivesse feito aquilo com eles.

Li se aproximou do corpo de Yuki e tocou seu peito, sentindo seu coração, depois seu rosto, olhos e por fim a ferida.

— Ele esta morrendo – declarou ela.

— Você me salvou – supliquei – Não pode fazer o mesmo?

— É diferente. Você não estava tão morto quanto este quando o encontrei. Esse homem já desistiu, isto é apenas um corpo em profundo sofrimento.

— Por favor, ao menos tente!

Li olhou Zaki no fundo de seus olhos, mas não parecia nada animada, estava com uma expressão de pura pena, ela sabia que Yuki não tinha jeito, mas o outro estava desesperado. A garota decidiu tentar.

Ela se aproximou do moribundo na mesa e o beijou. Zaki ofegou, não entendia por que ela estava fazendo aquilo, ela deveria salvá-lo, não o beijar. Mas uma pequena luz brilhou entre a boca dos dois e a ferida de Yuki começou a expelir um líquido amarelo e fétido que quase fez Leeu vomitar.

Li se separou de Yuki e contemplou a visão daquela coisa saindo do ombro do enfermo.

— Está funcionando?

— Eu não sei, a ferida pode fechar e a alma não.

Zaki fechou mais o aperto na mão do amigo e sussurrou palavras de incentivo que imaginou que Yukiko iria gostar de escutar. Ou pelo menos o Yukiko de doze anos atrás iria gostar de escutar.

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Em uma imensidão negra de sua inconsciência, Yuki viajava tranquilamente. Era como se tivesse flutuando em um lago silencioso onde podia ficar em paz. Nunca se sentiu tão pacífico e calmo quanto ali. Era como se não tivesse nem um único problema, nem uma única dor, nada. Era um nada delicioso, e poderia ficar ali para sempre.

E como se tivessem apertado um botão, as águas em que flutuava ficaram turbulentas e agitadas e todo o bem-estar que estava sentindo foi embora, deixando apenas medo, angústia e desespero.

Então dois pontos vermelhos apareceram na frente de Yuki. Como podia enxerga-los? Era cego!

Os pontos começaram a se aproximar e ele percebeu que, na verdade, eram olhos. E esses olhos estavam grudados em uma caveira incrivelmente branca que parecia sorrir ao chegar perto de Yuki. Ele estava vestindo uma capa preta longa e segurava um arco.

Yuki gritou, mas sabia que ninguém iria lhe escutar. Tentou nadar para longe, mas a água tinha sumido e ele estava caindo. Uma queda interminável com apenas a caveira para lhe fazer companhia. Tinha que sair dali, não queria ir com aquela... coisa. Queria voltar. Toda a dor e sofrimento do mundo real era melhor que aquilo.

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Zaki continuava murmurando coisas para trazer Yuki de volta. Seus olhos estavam cheios de água, mas ele não permitiria deixa-las cair.

Em algum momento, Quon tinha chegado e os três falavam alguma coisa baixinho no canto. Falavam sobre os dois. Aparentemente o parceiro de Yuki não sabia que ele era um dos Sete. Zaki isolou sua mente novamente, não queria ser um dos Sete naquele momento, queria ser o pilar para um amigo.

Fechou os olhos com força. Se existia algum ser supremo, começou a rezar para que ele salvasse o amigo.

Então sentiu um leve aperto na mão e abriu os olhos. Pupilas esbranquiçadas olhavam o vazio perto de Zaki.

— Yuki!

— Zaki?

O amigo sorriu e agarrou o outro em um abraço.