As Sete Ameaças

Parte I: Os Sete – A história de Yuki e Ana 3


Pessoas dançavam pelo centro da vila, fazendo um caminho de luzes e sorrisos. O açougueiro montou uma barraca onde fazia mágica com sua carne, servindo a todos o melhor churrasco. As crianças corriam e gritavam, Paul, o pequeno, entre eles.

Ana apenas olhava a tudo. Nina e Sophie conversavam em um canto e Clyde as olhava do outro lado, enquanto Zaki fazia um show pirotécnico de malabares com seu fogo. Porém Ana não gostava de festas, sempre era excluída das brincadeiras e acabava sozinha. Yuki era o que amava noites como aquela, ele sempre ficava rodando todo o espaço, falando com todos, dançando a todo o vapor, mesmo que não fizesse noção do quão ridículo era sua dança cega.

Ana sentia falta de ver o companheiro cego, ele não estava em lugar algum. Suspirou e levantou. Não iria procura-lo, não era obrigação dela, mas talvez devesse chamar a senhora Chô e alertá-la que seu filho estava com problemas.

Rodou por toda as extensão da praça e não conseguiu ver Yuki. Só então notou que estava procurando por ele e não pela mãe dele. Então, pela primeira vez que conseguia lembrar, deixou o orgulho de lado e admitiu para si mesma que estava procurando Yukiko e que se preocupava com ele. Mesmo que aquele otimismo irritante a deixasse maluca, ele ainda era um colega e estava com problemas.

Passou pela casa dos Chô, pelo campo de treinamento, rodou pelo espeço de festa e também tentou pela residência do mestre Ivo, mas não achou Yuki em lugar algum.

Já estava pronta para desistir, quando escutou um soluço vindo de um beco escuro afastado. Tentou ignorar o som irritante, mas o choro parecia tão desesperado e inconsolável, que sentiu necessidade de perguntar se estava tudo bem.

Ana paralisou ao ver que a pessoa que chorava era o sempre alegre e otimista Yuki. Ele não parecia ter notado que ela estava ali, apenas continuou encolhido no meio do beco, abraçando os joelhos e soluçando. Até que ela não conseguiu se conter.

— Yuki?

O soluço foi segurado por breves segundos, antes de voltarem mais frequentes, como se ele não conseguisse contê-los.

Anya se aproximou, ainda descrente, e sentou-se ao lado do amigo.

— Está tudo bem? Aquele homem machucou você?

Sem dizer nada, ele apenas acenou positivamente com a cabeça.

— Precisamos chamar sua mãe, ela vai conseguir curar você.

— Não! – soluçou – Não chama minha mãe. Por favor.

— Mas ela é enfermeira, ela vai saber o que fazer.

— Não.

— Tudo bem – concordou ela receosa, pensando consigo mesma que se fosse algo muito sério, falaria para a senhora Chô mesmo que Yuki deixasse de falar com ela – Onde ele te machucou?

Ele levantou a mão e apertou o peito com toda a força, amassando a camisa molhada.

— Como assim?

— Eu... – e então desatou a chorar novamente – eu...

— O que foi, Yuki? Aquela luz queimou você?

— Não, Anya. Eu... eu só... eu quero ver!

— Quê?

— Eu quero ver! Não quero ser cego, eu quero ver!

A garota ficou boquiaberta. Nem conseguia contar quantas vezes via pessoas passando pelas ruas e comentando sobre o “pobre” Yuki e sua “deficiência”, mas ele sempre tratou com naturalidade, como se nem as notasse. Ela nunca pensou que ele poderia estar tão magoado.

— Mas Yuki... você nasceu assim.

— Eu sei – choramingou ele – Eu não queria ter nascido assim. Eu odeio isso.

E então as lágrimas voltaram e ele começou a soluçar novamente. Ana nunca tinha visto um choro tão desesperado em toda a sua vida. Também nunca imaginou que ouviria um choro daqueles da pessoa mais alegre, animada e otimista de toda a vila. De repente, ela sentia muita falta do sorriso doce de Yuki.

Passou um bom tempo pensando no que dizer, até desistir de frases feitas e falar o que sentia no seu coração que ele precisava.

— Yuki, você sabe por que eu sou chamada de Ana, a forte?

— Por que você é forte.

— E Nina é chamada de sedutora?

— Por que ela seduz as pessoas a fazer o que ela quer.

— Mas você é chamado de Yuki, o gentil. Sabe por que?

— Por que eu sou gentil com as pessoas.

— É mais que isso. Sabe, as pessoas podem dizer que você é cego, mas eu acho que você vê muito mais que todos nós.

— Quê? – falou ele se voltando para a colega – Mas eu sou cego, eu não vejo nada.

— Por isso você vê mais. Por que você não vê com os olhos. Você vê com o coração. Você não vê como as pessoas são, você vê suas almas. Por isso, você consegue ver se alguém é bom ou não. Você trata todos com igualdade e não julga ninguém pelas aparências. Você é puro, tem um coração bom, por isso é tão gentil.

Yuki tinha parado de chorar e apenas olhava o vazio, sem expressão.

Ana ficou vermelha de imediato e olhou o chão, nem acreditava que tinha dito algo que realmente pensava a alguém, ela sempre pensava três vezes antes de dizer algo e trocava pelo mais rude possível. Ela mantinha com orgulho sua imagem de insensível, mas aqui estava ela, se abrindo com Yuki, o dos sete que ela menos gostava.

Ela sentiu a mão quente do amigo sobre a dela e a próxima coisa que sentiu foi seu abraço. Era quente e aconchegante e ele a apertava gentilmente. Ninguém, nunca, tinha abraçado Ana daquele jeito, nem mesmo seus pais.

— Obrigado, Anya – disse ele se afastando com um sorriso no rosto.

— Eu só fiz você ver o que todos veem.

— Ainda assim, obrigado.

— Quer saber de uma coisa? Eu vou ser os seus olhos de agora em diante.

— Quê?

— Eu vou falar tudo o que está acontecendo nos mais mínimos detalhes para você “ver” tudo.

Yuki mostrou o mais amplo sorriso que Ana já vira.

— Hai!

— Vem, eu vou te mostrar como se dança de verdade.

Ela se levantou pegando a mão dele, mas ele permaneceu sentado, olhando o vazio com um sorriso bobo. Então ele se levantou em um pulo.

— Você é linda, Anya.

Nesse momento, ela agradeceu que Yuki fosse cego e não visse o quão vermelha ela ficou.

— Pare de falar bobagens e vamos logo.

Eles se dirigiram para o centro da vila, onde a música tocava e as pessoas festejavam.

Ana pegou as mãos de Yuki e começou a guia-lo, mostrando como se dançava.

— As pessoas estão vestidas de todas as cores, algumas crianças estão correndo umas atrás das outras, chama-se pega-pega e é uma brincadeira muito divertida. Em um canto tem Zaki, lançando bolas amarelas de fogo que iluminam tudo ao redor do campo, elas giram pelos seus braços antes de apagar...

— Parece lindo...

— É sim! E então, no canto mais longe tem uma grande fogueira, onde Lakos, o açougueiro, faz churrascos deliciosos, mas acho que o cheiro fala por si mesmo...

— Sim! – riu ele.

E assim se passou a noite, com Ananya narrando tudo o que acontecia para o amigo. No fim da noite, quando estavam ambos indo para seus lares, Yuki parou a garota e disse:

— Anya suki dayo.

— O quê?

Ele sorriu e balançou a cabeça.

— Nada.

E foi embora.

Porém, a garotinha sabia que aquilo significava algo importante e guardou para si.

Depois daquele dia, Yuki e Ana tornaram-se amigos inseparáveis e todos da vila pararam de falar da deficiência do garoto para falar de algo muito mais importante: o futuro relacionamento dos dois.