#Narrado por Daniel#

Eu nunca pensei que esse dia fosse chegar, mas eis que estou aqui, na frente de um espelho vestido de noivo. Gravata, sapatos engraxados e uma péssima cara de quem odeia a vida.

– Você está lindo. – comenta a minha mãe. – E triste também.

– É o pior dia da minha vida... Não, o segundo pior. Ou o terceiro. É uma bosta de dia! – digo tão furioso que quase quebro o espelho com as mãos.

– Daniel, contenha-se! – adverte minha mãe.

Sento-me em uma cadeira a minha frente e levo as mãos à cabeça.

– Por que diabos eu preciso casar com ela? A merda já não foi grande o suficiente? – questiono irritado.

– Os pais dela... Perfeccionistas, tradicionalistas, rigorosos e... Eu sinto muito filho. – responde Eduarda, tão desapontada quanto eu.

– Um casamento. Arg! Isso é pra destruir minha vida de vez! O pior, numa igreja...

– Daniel, não fale assim. Pense pelo lado bom, não vai quase ninguém. Catharina convidou poucas amigas e somente os pais dela e os tios irão. No seu caso, apenas eu, seu pai, sua avó e seu amigo Felipe. – diz ela tentando me animar.

– Continua sendo uma droga. – digo desanimado. – Eu nunca quis casar. Aí eu conheço a garota perfeita e... Estrago tudo. Era pra ser Diana.

– Mas não é Diana. E precisamos ir pra igreja agora. – diz ela levantando-se da poltrona e vindo em minha direção. Eu me levanto e ela segura meu rosto em suas mãos delicadas e quentes. – A vida é muito curta pra lamentar os planos perdidos. Ou você recomeça agora, ou você vai ficar preso nessa sequência de culpa pra sempre.

– Eu vou tentar. – digo a ela, e então nos abraçamos.

– Eu te amo filho, e tô aqui com você pro que der e vier.

***

Chegamos à igreja e há poucas pessoas, o que é um alívio. Encontramos a igreja no próprio bairro, e era a única pequena e com data livre pro casamento em pleno fim de ano.

Os tios de Catharina estão sentados no primeiro banco e dois de seus amigos serão nossos padrinhos.

– Quem vai ser meu padrinho e madrinha mesmo? – pergunto de Eduarda.

– A sua avó e Felipe. Estão ali. – respondeu ela apontando para os dois.

– Temos que esperar a noiva agora?

– Exatamente.

– Que saco. – digo sentando-me ao pé do altar.

Leandro se aproxima e me levanta brutamente do chão.

– Comporte-se como homem pelo menos hoje! – diz ele severamente encarando-me nos olhos.

Fico em silêncio, pois o Padre logo chega e se posiciona. Eduarda repreende Leandro quase sussurrando e então minha avó está limpando o meu terno e ajustando a gravata. Ela sorri e me dá um beijo da testa.

– Tente fazer deste dia um dia especial. – aconselha ela.

– Vou tentar sobreviver e dizer pelo menos “sim”.

A mãe de Catharina entra na igreja e dá um sinal para os músicos.

– A noiva chegou! – Anuncia ela.

A música clássica de casamento toca, e eu ainda encaro o chão.

– Olhe para a noiva! – sussurra Felipe.

Eu ergo os olhos e Catharina está lá, com um vestido branco e flores em suas mãos. Seu pai ao lado, nada orgulhoso da cena, mas ela está feliz.

Eles continuam a se aproximar, e eu estou ficando cada vez mais angustiado. Eu tento sorrir, mas não estou feliz. Então penso em Diana e tento fingir que por um breve momento é ela ali, de branco.

Catharina para na minha frente, eu lhe dou a mão e toda aquela cena cerimonial começa. E enquanto o padre fala de amor, tento controlar a vontade de fugir dali.

– O amor é paciente e bondoso...

Eu quero muito ir embora, mas não posso deixá-la.

– O amor é o propósito maior de Deus. – continua ele.

Algum tempo depois, a hora exata de dizer sim chega. Mesmo querendo hesitar, não tropecei no sim ou gaguejei. Sabia que eu não podia correr para fora da igreja e que dizer “não” aquela altura seria covardia. Ergo os olhos e faço as promessas copiadas do padre para Catharina e coloco a aliança em seu dedo.

E ao final do “eu os declaro marido e mulher”, a parte do beijo.

– Quer mesmo fazer isso? – pergunto de Catharina.

– Não precisa fazer isso. – responde.

Eu me aproximo e beijo sua testa gelada. É o suficiente para ir embora pra casa.

O padre e todos ao redor nos encaram, mas isso não importa.

***

Já se passaram três meses e um novo ano se iniciou. Não tenho notícias de Diana. Não a vejo desde o nosso “acabou”. E tudo o que ainda me liga a ela são livros, filmes e músicas que eu prefiro não ler, nem assistir e nem escutar.

– Veja só, a barriga dela está crescendo. Finalmente! – comemora Eduarda ao ver que algumas roupas de Catharina já não cabem mais.

– Ficar gorda é a pior parte. – comenta Catharina.

– Tudo é a pior parte. – replico irritado enquanto lanço o jornal em mãos sobre o sofá e subo para o quarto.

Fecho a porta com força. No meu quarto, que infelizmente divido com Catharina agora, há enormes sacolas com fraldas, carrinho de bebê e outras coisas mais que estão me irritando a cada dia.

– Merda de fralda! – grito, chutando as sacolas para longe.

Me jogo na cama a espera de dias melhores. Alguém bate na porta e, pra minha maior infelicidade, é Catharina.

– Daniel... Posso conversar com você? – pergunta ela timidamente.

– Não, eu quero muito dormir. Muito mesmo. Então me deixa. – respondo, puxando o lençol sobre meu corpo.

– Estou esperando um filho seu! Será que por um momento você pode largar de ser idiota e conversar comigo? – pergunta ela irritada agora.

Levanto lentamente e me sento na cama. Encaro o chão até ter coragem para olhar para ela.

– O que você quer? – pergunto.

– Quero que vá comigo nas próximas sessões de ultrassom. Já dá pra ouvir alguns sons do bebê e... Talvez logo, logo saibamos o sexo. Se é uma garota ou um garoto. – diz ela.

Eu puxo o ar e o solto com força.

– Tudo bem, na sua próxima consulta eu vou. Posso dormir agora?

– Precisamos decidir o nome também. Se for menina, que nome você pensa? – pergunta ela.

– Não sei. Eu realmente não tenho ideia pra isso. Peça ajuda da Eduarda ou das suas amigas. Qualquer nome serve. – disse voltando a puxar o lençol quando observei o rosto triste e a lágrima caindo do rosto de Catharina.

Antes que tudo pudesse piorar, levantei da cama e fui em sua direção.

– Ah, qual é?! O que foi dessa vez? Mas uma crise de grávida adolescente?

– Eu só pensei que você fosse querer me ajudar, pelo menos com isso. Decidir o nome do nosso filho. – disse ela chorando.

Respirei fundo, revirei os olhos e cedi.

– Tudo bem. – disse puxando-a para se sentar na cama e conversar. – Que nomes você já tem em mente?

Ela enxugou as lágrimas ligeiramente e disse:

– Gosto de Suzane. De Ruth. De Ágatha...

Enquanto ela falava os nomes, mentalmente meu eu vomitava.

– Olha, vamos ver... Bom, a minha vó diz que quando escolhem os nomes pra bebês, estamos “profetizando” sobre a vida daquela criança. Coisa de velho, mas velhos são inteligentes. Tipo, um nome com um significado bonito.

– Qual o significado de Daniel? – perguntou ela.

– “O Senhor Deus é meu Juiz.” – respondi rindo.

– Nossa, que legal. Gostei. Não sei o significado do meu. – disse ela. – Então, alguma ideia de nome?

– Se for menina, eu gosto de... – fiz uma pausa. – Desculpa, sou um desastre nisso, não consigo pensar em nada além de nomes do Dragon Ball Z.

Ela riu e arrumou os cabelos para o lado.

– Que tal... Júlia? Eu gosto desse nome. – disse ela.

– Gostei. Se for uma menina, eu voto nesse nome.

– Bom, se for um menino, quero chamá-lo de Eduardo, em homenagem a sua mãe. – ela sorriu e segurou minha mão. – Ela tem sido muito generosa.

– Eu gostei. De verdade. – afirmei sorrindo.

– Estamos decididos agora. Você pode dormir se quiser. – ela levantou-se e saiu.

***

No dia seguinte fui buscar a minha carteira de motorista. Lá estava ela, a única coisa útil que consegui.

Na volta para casa, encontrei Lucas em uma sorveteria. Não pensei duas vezes antes de parar e ir até lá.

– Ei, posso falar com você? – perguntei já sentando na cadeira ao lado dele.

– Ah meu Deus, o que você quer garoto? – replicou ele aborrecido enquanto tomava um milkshake.

– Como Diana está?

– Linda, bela, diva, arrumada, perfumada, na faculdade, com saúde, lerda, idiota, lendo livros idiotas... Por aí. – respondeu ele.

– Ela... – hesitei ao perguntar se ela estava com alguém, mas Lucas percebeu.

– Não, ela não está namorando ninguém se é isso que você quer saber. Ela está focada demais na faculdade e no livro.

– Eu sinto a falta dela. – disse.

– Obviamente. Ela vai continuar linda enquanto a Catharina vai virar uma mulher gorda e flácida, cuidando de uma criança que vai querer brincar de cavalinho com você, papai. – disse ele arrogantemente.

– Ok, não exagere na sua brutalidade Lucas! – exclamei irritado.

– Estou sendo sincero. Agora me dê licença. – disse, levantando-se e indo embora.

Eu o segui e o parei do outro lado da rua.

– Vai me seguir agora? – perguntou ele.

– Quero que diga a Diana que eu quero me encontrar com ela. – digo a ele, apressando o passo para acompanhá-lo.

– Ela não vai querer se encontrar com você, vai por mim.

– Eu sei que ela ainda me ama. Eu sei disso. Eu ainda a amo. Por favor, faz isso por mim. – imploro a ele.

Lucas para e me encara.

– Até que ponto um cara apaixonado pode chegar a se humilhar. Eu digo que você está extrapolando tudo... Daniel, acabou. Desista e siga em frente. – disse ele mais calmo e amigo agora.

– Não vou desistir.

– Você casou! Acha que Diana vai querer um cara casado, prestes a ser pai?

Fico pasmo, pois não sabia que Lucas conhecia algo a respeito do meu casamento.

– Como sabe que eu casei? – pergunto curioso.

Ele encara o chão e ri.

– Tenho as minhas fontes. A pior parte não é nem o fato de eu saber. Diana foi ao seu casamento. Bom, ela não entrou e ficou observando tudo, mas ela ficou na porta de entrada da igreja, escondida. Viu quando você chegou e viu quando Catharina chegou. E viu e ouviu o seu “sim”. O “sim” que devia ser pra ela, mas tudo bem.

Fico tão desesperado e ofegante. Contenho a tristeza para não desmoronar na frente de Lucas. Se eu tivesse visto Diana, teria desistido de tudo naquele momento.

– Eu não a vi. – disse.

– Ela estava escondida, querido. Essa é a graça da coisa toda. – disse ele. – Agora eu preciso ir.

Enquanto ele anda, tento pensar em motivos que levaram Diana a ir até o casamento.

– LUCAS! – grito.

Ele para mais uma vez e vira para mim.

– Ela ainda gosta de mim, não é? – pergunto sorrindo.

– Ela foi até lá porque no fundo é masoquista e gosta de sofrer. – responde ele.

– Não, ela foi até porque gosta de mim. Ela estava esperando o meu “não”. – digo.

– Mas você disse “sim” querido. S-I-M! SIM! E ela é idiota, mas não o suficiente pra continuar atrás de você. – diz ele dando as costas e seguindo.

Mesmo assim, no fundo, lá naquele lugar da alma onde a gente tem certezas absurdas, eu sei e eu sinto que tudo isso não acabou. Não acaba aqui.