#Narrado por Daniel#

- Meu pai é alcoólatra, não concluiu a escola, nunca foi à faculdade e nunca me tratou bem, da forma que um pai deve tratar um filho. Eu desconheço isso. – disse a ela enquanto dava alguns goles na bebida.

Ela respirou fundo e antes de falar, olhou para o céu, novamente.

- Meu pai era o exemplo de cara que eu queria encontrar pra mim. – ela me olhou e depois desviou a atenção para o nada. – e então eu descubro que ele traiu a minha mãe, a uns quinze ou quatorze anos atrás.

- Nossa! Mas faz tanto tempo, como vocês descobriram isso agora?

- por que o fruto da traição de quinze anos atrás gerou um irmão pra mim. Um irmão que eu conheci ontem! – respondeu ela.

Eu estava abismado. A história dela parecia ser coisa de cinema. E ela só estava no inicio.

- Fazia uns três meses que a minha mãe mandou ele embora de casa. E então ontem, eles ficaram de conversar comigo sobre o divórcio. Quando eu cheguei em casa, vi o garoto, que era meu irmão, sentado no sofá. Depois meu pai me contou toda a história.

Ela passou as mãos no cabelo e colocou eles para um só lado, como fez ontem quando estávamos conversando. Eu vi o colar dela de novo. Ela então continuou a contar toda a história, e eu imaginava as cenas e o jeito como ela devia ter ficado enquanto ouvia o próprio pai narrar a traição. E quando ela me contou o que a mãe fez, eu quase caio de cima no muro.

- Eu não acredito que sua mãe vai cuidar dele! Não! – eu estava boquiaberto com aquela história.

- Sim, ela vai. Eu ganhei um irmão. De uns quinze anos. – ela começou a rir e puxou a garrafa de bebida da minha mão e tomou mais um gole. - Não é legal? UM IRMÃO! – gritou ela.

- Chega! – disse enquanto puxava a garrafa da mão dela. – você não serve pra beber.

Ela limpou a boca e começou a rir. E eu acompanhei porque o jeito que ela contava a história era absolutamente engraçado. Ela fez da dor um motivo de piada.

- Mas o seu pai, ele bebe muito mesmo? – perguntou ela. Eu assenti com a cabeça. – Meu avô dizia que as pessoas bebem porque precisam esquecer as coisas que as deixam mal quando elas estão sóbrias. – ela olhou para a garrafa na minha mão.

- Eu não sei quando ele começou a beber. Faz bastante tempo. – disse a ela.

- E o que a sua mãe diz sobre isso? Ela não fala nada? – perguntou ela. Claro, ela não tinha conhecimento sobre um garoto bastardo, tecnicamente sem pai nem mãe. Na verdade, ela tinha agora, o novo irmão não conheceu a mãe direito e não sabia da existência do pai há pelo menos uns cinco meses.

- Eu não tenho mãe. – respondi.

Ela me olhou. Os olhos dela pareciam saltar. Ela estava pasma. Ficou surpresa com aquela resposta.

- Como assim? Ela morreu?

- Não sei. Eu nunca conheci ela. – eu olhei pra ela. Acho que ela surpreendeu-se comigo. – Ela foi embora de casa quando eu tinha uns seis ou sete meses de vida. Meu pai queimou todas as fotos dela. Minha avó nunca me falou sobre ela. Eu parei de perguntar quando a minha mãe iria voltar. Eu tinha uns dez anos quando percebi que ela jamais voltaria. Que ela havia ido embora. Que ela não me amava de verdade.

- Eu sinto muito. – disse ela. Havia lágrimas prestes a rolar no rosto dela. Então eu interferi.

- Não sinta, e não chore. Eu já superei. – disse. Ela enxugou as lágrimas antes que as mesmas pudessem rolar.

- Você sabe pelo menos o nome dela? – Perguntou.

- Eduarda. Está na minha certidão. Mas eu não quero saber dela. Já quis muito...

Ficamos em silêncio por um bom tempo. E então ela disse que tinha de ir embora.

- Tudo bem então. Consegue descer? – perguntei.

Ela olhou a altura do muro e fez uma careta, dando a entender que não.

- se subiu, tem que descer. – eu comecei a rir, mas percebi que ela não estava achando graça. – relaxa. Eu vou primeiro e você presta atenção.

Eu desci rapidamente. Acho que ela não conseguiu ver nada.

- tudo bem, eu vou tentar. – gritou ela.

Ela começou a descer, e volta e meia parecia que iria cair.

- Daniel! Eu vou cair! – alertou ela.

- Do chão não passa. – falei enquanto ria. Ela pulou e quase perdeu o equilíbrio, mas conseguiu.

Ela ficou ali, parada, olhando para as pichações no muro. Eu puxei a última garrafa de bebida da bolsa. Ela olhou e veio na minha direção.

- Quer um conselho? Pare de beber. Se tem tantos problemas assim com seu pai, não arranje mais problemas ainda pra você mesmo. – ela puxou a bebida da minha mão e jogou longe. O barulho de garrafa quebrada me assustou. – estou falando sério Daniel, você não precisa disso. Tu é melhor que isso, cara! Não se torne uma cópia do seu pai.

Eu fiquei parado ali, vendo ela ir embora. Eu não conseguia acreditar que fiquei sem reação. Quando ela desapareceu na saída do beco, eu puxei uns sprays e comecei a pichar. Diana havia me inspirado. Foi a melhor sensação da minha vida.

No dia seguinte na escola, a amiga dela, acho que se chama Flávia, apareceu. Logo que eu cheguei vi a amiga dela sentada na cadeira. Porém Diana ainda não havia chegado. Catharina me puxou pelo braço.

- Vai sentar ali, de novo? – Perguntou ela. Procurei o lugar onde ela estava sentada e percebi que havia uma cadeira vaga. Se eu sentasse perto da Diana novamente, Catharina iria desconfiar de alguma coisa.

- Não, eu só não tinha visto esse lugar vago. – disse a ela, meio sem jeito e desapontado enquanto me sentava na cadeira.

Catharina começou a puxar assunto. Disse que conversou com Renan e Felipe ontem. Ela disse que eles queriam marcar um dia para sairmos, os quatro. Depois ela começou a falar sobre um novo filme que estava em cartaz no cinema. Ela estava muito afim de assisti-lo. Provavelmente insinuando para eu convidá-la a ir assistir comigo.

- eu não curto muito filmes de comédia romântica. – disse a ela.

- Eu também não, mas tem outro em cartaz também. É de terror. - ela me olhou e eu abaixei a cabeça.

Comecei então a mexer no celular. Puxei meu fone de ouvido da bolsa e comecei a escutar música. Creio que isso deva ter adiantado pra ela parar de falar.

Diana entra na sala. Ela não olha pra mim. Vai direto para a cadeira de Flávia abraça-la. Fico quieto, sem mexer a cabeça para trás. Catharina tira os fones do meu ouvido.

- Sua amiguinha chegou. – diz ela.

Eu olho para trás e Diana está de costas conversando com Flávia. Volto a atenção para Catharina, ela está séria. Então ela vira para frente e me ignora o resto da aula.

No intervalo faço algo absolutamente inacreditável. Levanto da cadeira e vou falar com Diana. Ela está conversando algo muito sério com Flávia porque as duas estão com uma expressão de atenção total. Eu decido interromper, mesmo não sendo o correto a fazer.

- Diana? – digo.

Flávia me olha e parece não acreditar. Diana sorri e parece não acreditar também.

- Oi Daniel. – diz ela.

Eu olho para o chão, não sei bem o que fui fazer ali. E nem por que me intrometi na conversa dela.

- eu só queria saber se você... – eu faço uma pausa e Flávia está boquiaberta. – se você... – eu não consigo terminar a pergunta, mas Diana entende o que eu queria perguntar, por que ela responde exatamente o que eu queria saber.

- Sim Daniel, eu estou bem.

- Ah, que ótimo. Eu já estava ficando preocupado. – as palavras saem automáticas da minha boca e eu estou querendo morrer! Não acredito que disse isso para uma garota! Ainda mais pra Diana.

Ela e Flávia se olham e começam a rir.

- E com você, tá tudo bem? – pergunta ela.

- sim. – respondo. Eu me viro e saio da sala. Preciso beber água. Preciso me acalmar. Eu ainda não acredito no que fiz.

Não sou o tipo de cara que se preocupa com os outros ou busca dar satisfação as pessoas sobre a minha vida. Eu não sorrio o tempo todo, não penso sobre coisas idiotas, não presto atenção aos detalhes nas pessoas. Me incomodo com quem é feliz demais. Odeio ler, odeio aprender coisas. Odeio pessoas certinhas e inteligentes demais. Odeio fazer amizades diferentes das minhas. Eu nunca deixei que as pessoas me desafiassem ou falassem coisas a respeito da minha vida e de como eu devo levá-la. Eu não sou de obedecer a minha avó o tempo todo. Quanto mais ao Leandro. Eu não pergunto de ninguém se as pessoas estão bem ou não. Se alguém está sofrendo, que sofra bem longe de mim.

Mas com a Diana, era diferente e eu ainda não sabia o porquê. Ela falava coisas pra mim que ninguém nunca me disse. Eu gosto quando ela me desafia e tira sarro da minha cara. Eu gosto quando ela acha graça de alguma coisa que eu tenha falado. Eu gosto de encará-la. O sarcasmo e a ironia dela chega a ser melhor que o meu as vezes. Eu estou confuso. Talvez ela seja uma pessoa legal mesmo. Dizem que se alguém te faz bem de verdade, você deve manter essa pessoa por perto.

Acho que consegui uma nova amiga. Isso me soa estranho e legal ao mesmo tempo.