“O rapaz que me trouxe comida tantos anos atrás se transformou em um dos homens de confiança do príncipe. Estava em Rattra e por isso não acompanhou Coran na última campanha. Se o tivesse acompanhado, as noites do príncipe teriam sido mais frias. Ele me reconhece, as bochechas corando quando comento que Rattra lhe fez bem. Mas por baixo de seu sorriso há uma força destemida que me lembra do seu mistério. E de como quero ser capaz de quebra-lo.”

– E a cor é vermelho – disse Everett, sério – Vamos ver se é tão boa quanto pensa.

Lyvlin deu um suspiro, o mar verde se estendendo pelos quatro cantos do mundo. Cavalgavam há dias e ainda não estavam sequer perto do destino. Se endireitou na sela, os olhos correndo pela coluna de cavaleiros em busca da resposta.

– A pena no chapéu de Valras. – arriscou, incerta.

Everett deu uma gargalhada.

– Ele realmente gosta de aparecer, não é? – gesticulou em direção ao cavaleiro que lhe virava as costas, alheio a brincadeira – De que você acha que é de qualquer forma? Nunca vi um pássaro com penas vermelhas.

– Uma fênix. – Lyvlin respondeu e deu de ombros – Ou é o que ele diz, de qualquer forma.

– E eu sou o rei de Vassand. Vamos, sua vez.

– Quer restringir a distância para ficar mais fácil?

Everett se ajeitou na sela e a olhou do alto de seu garrano preto.

– Muito engraçado. – observou frio, mas seus olhos sorriam.

Aquelas brincadeiras haviam tornado a jornada suportável para os dois. No primeiro dia Lyvlin achara que o primo do príncipe com o tamanho de um urso estava tirando sarro dela. No segundo Everett lhe ensinara todas as piadas sujas que havia ouvido em seus vinte e cinco anos. E eram muitas. Era uma pausa bem-vinda da seriedade que dominava no grupo de cavaleiros.

Não eram todos cavaleiros, por assim dizer. A comitiva de Darian contava com trinta soldados, sendo dez deles arqueiros e o restante uma mistura dos melhores homens e mulheres de armas que Ciandail tinha a oferecer. Um punhado de pajens e serviçais era responsável por manter o grupo pronto e alimentado. Três grandes carros de boi fechavam a retaguarda, levando suprimentos para as semanas de viagem. Era flanqueado por guardas, mas Lyvlin achava que apenas loucos ousariam saquear um grupo que trajava armadura da cabeça aos pés e tinha tanto espadas quanto lanças prontas para serem usadas.

Raoul cavalgava ao lado do príncipe na vanguarda, onde arautos faziam a bandeira de Ciandail tremular ao sabor do vento. Desde a manhã havia se tornado uma brisa cansada e o hipogrifo estampado no fundo purpura estava cansado demais para rugir.

Lyvlin não soube o que fazer consigo mesma logo que deixaram a capital para trás e ficou contente quando Everett a encontrou no meio da coluna e a convidou para cavalgar ao seu lado. O primo de Darian era barulhento e de riso fácil, e tinha por ela um respeito velado desde que a enfrentara no pátio de treinamento. Se isso tinha mais a ver com fato de ter humilhado Lamar ou de sua teimosia de continuar se levantando depois de cair inúmeras vezes ela não sabia dizer. E não importava muito. Estava grata ao que quer que tivesse feito para ganhar sua afeição. Logo aprendeu que Everett não partilhava da fascinação de Darian e Raoul por discutir as melhores estratégias para abordar o problema da pilhagem na costa leste. Parecia sempre se distanciar quando esse era o assunto e deixava os amigos na companhia dos sargentos que os acompanhavam.

– Não tem muito sentido em discutir o que podemos enfrentar – dissera na noite anterior, estendendo um pedaço de queijo em sua direção – se no fim nunca vai ser igual. Não importa se são piratas ou batedores de Wodan, vamos saber o que fazer uma vez que estiverem diante de nós.

Lyvlin pensara sobre aquilo. E se pegou imaginando se faria alguma diferença. Piratas e batedores de Wodan teriam o mesmo tratamento, o rei deixara bastante claro. “Não quero piratas enchendo nossos calabouços” dissera para seu filho “e se forem batedores de Wodan tenho certeza que um será suficiente para contar a história.” Aquelas palavras não deixavam muito espaço para interpretação. Darian parecera resignado, mas se curvara diante do pai mesmo assim. Lyvlin ainda observava seu cenho franzido quando Valdrin pedira a palavra com a promessa de terminar de uma vez por todas a inquietação em Faolmagh.

E foi assim que o príncipe cavalgava para a costa de Ciandail enquanto Valdrin e uma pequena comitiva rumava para o norte frio. Lyvlin ainda se lembrava das palavras.

– Irei fazer os hereges se ajoelharem, meu rei. – prometera com um sorriso bajulador no rosto – E aqueles que não ajoelharem, morrerão.

– Não devemos matar os seguidores de Vaus pelo crime de adorarem um deus diferente do nosso. – Darian falara e não encontrando apoio em Osric, insistira – Derramar mais sangue não trará paz.

O burburinho na sala do trono se tornara mais alto, mas Valdrin os calara. Uma serpente se armando para o bote. Pensara Lyvlin ao vê-lo cruzar os braços atrás das costas, dando seu melhor sorriso para o príncipe.

– “Não devemos matar aqueles que adoram um deus diferente do nosso” – repetira numa voz suave – Imagino como isso serviu aos nossos irmãos e irmãs assassinadas. Não, meu doce príncipe. Sangue será pago com sangue até aprenderem. Os hereges parecem convencidos que o deus renegado os protege, bem, eu digo: vamos ver se os protege da justiça. Com o problema resolvido, nosso rei poderá voltar seus pensamentos para assuntos mais urgentes. Acredito que sua missão se provará mais decisiva para o futuro de Vassand que a vida de alguns pobres coitados tomados pela loucura. – seu sorriso se alargara - Deixe que eu cuide dos pormenores e abra nossos olhos para o inimigo real.

O príncipe nada respondera, mas Lyvlin sentiu Everett cerrar os punhos ao seu lado.

Alec a procurara em seus aposentos mais tarde naquele dia. Lyvlin estava enfiando algumas mudas de roupa em um saco de pano quando seu irmão bateu gentilmente na porta aberta.

– Imaginei que deveria me despedir. – dissera sem jeito.

– Sim – concordara Lyvlin, sem saber o que fazer com suas mãos. Simplesmente as enfiou nos bolsos da calça e tentou sorrir – Então, você vai com seu mestre?

Alec corara.

– Valdrin não é meu mestre. Ele é meu amigo, como o príncipe parece ser o seu. – estendeu uma mão suada em sua direção. Quando Lyvlin a apertou notou que estava fria – Se cuide, certo? Eu detestaria ter te encontrado depois de tanto tempo e ver algo ruim acontecer.

Não gostava da ideia de Alec se aventurando em Faolmagh. O seu irmão já parecia fraco o suficiente, não precisaria do frio impiedoso nem do massacre que se passaria se Valdrin tivesse seus desejos atendidos. Mas não era a única preocupação que lhe fazia companhia naqueles dias. Não havia se esquecido das palavras de Valdrin e não conseguia se livrar da sensação de que havia mais por trás do que sua natureza bajuladora havia deixado escapar.

Esporeou Brynn até emparelhar com Everett novamente.

– O que acha de Valdrin? – quis saber enquanto procurava o objeto preto que Everett a havia desafiado a encontrar.

Everett deu de ombros.

– Nunca foi um dos meus primos favoritos. – confessou sem dar importância – Uma coisa é enfrentar pessoas armadas... Os hereges não se enquadram nesse tipo, não é?

Lyvlin se deixou mergulhar nas lembranças daquela noite em Perth.

– Não. Tinham picaretas, pedaços de pau... Mas isso não os tornava menos perigosos.

– Eu sei, eu sei. Mesmo assim... – ergueu os olhos e um sorriso brotou em seus lábios – Ah, Raoul! Ao que devemos a honra?

– Somos inocentes. – garantiu Lyvlin.

– Isso dificilmente é verdade.

Como Lyvlin, Raoul usava couro fervido no lugar de placas de aço. O longo arco branco descansava em suas costas, mas a garota havia visto a rapidez com que o sacava e encontrava as flechas na aljava presa a sua sela. Olhou para os dois, depois para os carros de boi intocados alguns metros atrás.

– As coisas parecem quietas por aqui. – observou, quase surpreso. Virou sua égua para a dianteira novamente – Vamos parar em breve.

– Ainda está cedo.

Olhou para Lyvlin de um jeito que denunciava que ainda não havia esquecido sua pequena aventura com os renegados. Ao menos Darian levara o pior. Para sua surpresa, o rattriano parecia mais indignado com o fato do príncipe ter envolvido Lyvlin em sua bagunça do que ter se exposto daquela maneira.

– Sim. – concordou sério – Mas não vamos para levantar acampamento, há um pequeno vilarejo não muito longe daqui. Esperamos conseguir informações e talvez uma indicação da natureza do inimigo.

Everett soltou um suspiro.

– Se é só isso. Não aguento mais ficar nessa sela, meu traseiro está em carne viva.

– Os deuses sabem que eu não poderia me importar menos com o estado de saúde do seu traseiro, Everett. – olhou para Lyvlin – Ainda tem agua o suficiente?

A garota anuiu, indicando a bolsa de couro que descansava diante de si presa a sela.

– Ótimo, devemos encontrar mais em Nehorna de qualquer maneira. – esporeou sua montaria, apenas para parar poucos metros depois. – E eu tomaria cuidado com as brincadeiras – gritou em direção a dupla - Sir Valras não gosta quando duvidam da origem da sua pena.

Everett e Lyvlin se entreolharam.

– Fofoqueiro. – a garota murmurou debaixo de sua respiração observando Raoul se afastar.

O rapaz ainda mantinha os olhos fixos no cavaleiro.

– Nem me fale. – disse e então seu rosto se iluminou - Quem chegar primeiro em Darian ganha?

Lyvlin sorriu, se ajeitando na sela.

– No três.

–x-x-x-

A companhia era encabeçada por Darian, o que não significava que o príncipe sempre tinha a última palavra. Essa era sua missão e havia se provado na campanha em Faolmagh, mas nem ele ou o rei achava que estava pronto para liderar sozinho. Lorde Harlas havia se disposto a ir, mas o peso de seu nome e experiência esmagaria qualquer sucesso que o príncipe pudesse alcançar. No lugar dele o rei mandara Yelena, uma de suas generais favoritas.

Era rattriana de nascimento e de Ciandail por criação. Tinha os ombros de um pugilista e a pele num tom oliva saudável, os olhos eram escuros e o cabelo preto estava sempre amarrado, deixando o rosto de traços fortes livre. Tinha mais de trinta anos e colecionava cicatrizes no rosto e no corpo. A cota de malha não cobria seus braços, deixando seu melhor atributo aos olhos de qualquer um que quisesse provar um pouco da morte, como havia explicado a Lyvlin.

– Eu posso partir um homem ao meio com minha espada ou esmurra-lo até sua cabeça virar uma polpa – dissera fazendo pouco caso – Meus braços são minha maior arma, por que esconde-los?

Quando alcançaram a vanguarda da coluna Yelena discutia com Darian os próximos passos. O príncipe ouvia mais do que falava, mas deu um pequeno aceno quando os avistou.

– Não se iluda meu príncipe, meu dinheiro está em batedores de Wodan. – dizia a general do alto de seu corcel de batalha – Se esperam conquistar Adrahasis o próximo passo seria descer a costa até Beltring e cortar qualquer ajuda por mar.

– Não terão sucesso, a defesa de Adrahasis é forte. – opinou Darian. Em sua cota de malha e armadura esmaltada o príncipe parecia rei. As escamas de sua armadura haviam sido pintadas de dourado, a longa capa purpura voava as suas costas furiosamente. Levava ambas espadas descansando em suas bainhas e seu pajem carregava sua besta favorita. Os gansos selvagens que abatera mais cedo contribuiriam para um jantar farto. Mantinha os olhos no horizonte e assumiu um tom pensativo. – E contam com Casimir. Um linair vale por mil homens e mulheres.

– Aqueles filhos da mãe têm magia a sua disposição também. – Yelena cuspiu e tocou seu ombro esquerdo com dois dedos para afastar o mal – Magia distorcida de seu propósito, ruim de raiz. Seu precioso linair terá uma batalha árdua pela frente. Eu não o invejo.

Lyvlin olhou para o chão batido. Pensou em Desmera e Adisa, até em Casimir. Se estivesse pronta, poderia estar com eles agora. Suspirou, acariciando o flanco de Brynn. A égua ergueu as orelhas, curiosa.

– Está tudo bem garota – garantiu Lyvlin com um sorriso surgindo em seu rosto – Daqui a pouco você vai poder descansar.

Não poderia mentir, grande parte do motivo de ter aceito a proposta de Darian era poder ter um cavalo de verdade de novo. Quando Raoul lhe mostrara a égua a garota quase começara a chorar. Brynn tinha pelos num tom caramelo, como os doces que Lyvlin tanto gostava. E a crina era clara, quase branca. Era jovem e por isso um pouco nervosa. Não era o cavalo maior ou mais robusto da companhia, mas tinha passo firme e era rápida. Muito rápida. Lyvlin a amou assim que pôs os olhos nela.

A paisagem ao redor deles mudava gradualmente. Os vastos campos verdejantes que os havia acompanhado até então diminuíam em exuberância debaixo dos cascos dos cavalos e mostravam superfícies calvas em alguns pontos. As terras planas de Ciandail iam mudando e de repente pequenos montes começavam a cortar o horizonte. Alterf. Pensou Lyvlin, sentindo a inquietação crescer dentro de si. Arvores cresciam em manchas, aqui e ali. Eram torres esguias esqueléticas e todas se curvavam na direção em que o vento soprava. Se tornava cada vez mais forte, fazendo os tufos de grama queimada parecerem vivos. Lyvlin reforçou o no de sua capa de viagem e fingiu não perceber o olhar de Eniko. Seus grandes olhos azuis a observaram com curiosidade até não aguentar mais o silencio.

– Escute – disse Lyvlin, baixo o suficiente para que apenas ela ouvisse – sou grata por ter salvo a minha vida e todo o mais, mas poderia não me encarar como se fosse algum integrante de circo?

Eniko não mostrou reação. Haviam se passado semanas desde que encontrara Lyvlin à beira da morte, quando Lamar a reduzira a um monte de hematomas. Lyvlin estava certa de que havia alucinado tudo até vê-la no pátio em que todos se preparavam para partir. Pelo que haviam lhe contado era uma criança muda que mostrava grande habilidade para magia e que de alguma forma parecia incapaz de envelhecer. Lyvlin não sabia se a respeitava ou se lhe dava medo, talvez ambos. O resto da comitiva não parecia animada com a presença da garota, alguns até a chamavam de aberração quando Darian ou sua guarda real não estavam por perto. Eniko nutria uma afeição obvia pelo príncipe e o seguira como uma sombra desde o primeiro dia. Darian não parecia se incomodar, já que tê-la por perto significava que a garotinha não teria que aguentar insultos do restante do grupo. A Academia não gostou nada de abrir mão de Lyvlin, mas não mostrara resistência quando Eniko decidiu ir também. A garota apenas apareceu pronta para partir antes do sol raiar e o assunto estava resolvido.

– Então... Você tem quantos anos? Cem? Cento e trinta? – Lyvlin tentou pela quinta vez e Eniko deu de ombros – E como pode parecer tão jovem de qualquer forma? – estreitou os olhos – Algum tipo de dieta especial?

– Lyvlin. Não incomode Eniko. – pediu Darian sorrindo para a menina – Ela serve a minha família desde que os Oskias alcançaram o trono de Vassand. A teria posto em minha guarda pessoal se pudesse.

– Você escolhe quem entra? – Lyvlin perguntou, curiosa.

– Na minha guarda pessoal? Sim e não. Candidatos são escolhidos antes do membro da família real nascer e crescemos juntos. No caso de Casimir seu potencial lhe garantiu uma vaga. – o príncipe colocou uma mão diante da boca e baixou o tom de voz – Alec foi cotado durante um tempo, mas logo sua, ah... Não inclinação para magia ficou aparente e uma troca foi arranjada.

– Ele não me contou.

– Imagino que não seja algo do que seja muito orgulhoso. – disse Darian com pena – De qualquer maneira, normalmente são três integrantes. Se algo acontecer com um ou mais deles o príncipe ou princesa fica responsável pela escolha. Não é algo fácil, já que a ligação não costuma ser tão forte e as regras não ajudam. – fez uma careta como se tivesse um gosto ruim na boca.

– O que? – Lyvlin insistiu.

– A escolha é unilateral. – e antes que pudesse intervir, continuou – Isso significa que se acontecesse algo com Everett durante a nossa missão que o deixaria de alguma forma incapacitado de me proteger, eu poderia escolher quem quer que eu desejasse para ocupar seu lugar. Até você! – riu quando viu a expressão em seu rosto.

– EI! – Everett chamou, trazendo seu garrano tão perto que Brynn relinchou, incomodada – Por que eu?! Senhor perfeição poderia muito bem cair do cavalo ou morrer de tedio de tanto meditar!

O príncipe riu.

– Porque você é meu escudo, querido primo. – disse, fazendo Everett abrir um sorriso - Qualquer golpe que queira me atingir terá que passar por você primeiro, não é assim que diz?

– Pode apostar seu traseiro real que sim! – e então seu rosto se fechou – Aquilo é fumaça?

–x-x-x-

As espirais negras se levantavam em direção ao céu e fizeram a confusão cair sobre o grupo. O burburinho crescia até Yelena levantar a mão, ordenando silencio.

– Não queremos alertar ninguém para nossa presença – sibilou, olhando para o morro que escondia o vilarejo – Devagar e com calma. Onde estão nossos batedores?

– Kerran e Cecile deveriam ter voltado há horas. – Raoul falou, o cenho franzido – Talvez devêssemos dar a volta.

Everett o encarou.

– Dar a volta?! Sem saber o que está acontecendo?

– Nehorna não é nossa missão. Estamos a um dia de cavalgada do mar. – indicou a fumaça se levantando - Não são piratas. Precisamos repensar –

– Não. – o príncipe falou com os olhos no horizonte – Temos amigos desaparecidos e um vilarejo em chamas, vamos dar uma olhada.

– Tessart e Língua de Prata vão inspecionar o lugar. – determinou Yelena, fazendo um buraco se abrir na barriga de Lyvlin – Sem gracinhas, sem chegar perto demais. Uma olhadela e voltam para cá, estamos entendidos?

Enquanto Raoul desprendia o arco de suas costas Lyvlin correu os olhos pelo grupo.

– Por que eu?! – quis saber, a voz mais aguda que pretendia.

– Você é rápida. E boa com o arco. – a general se limitou a responder.

O monte crescia cada vez mais diante deles. Estavam a talvez dois quilômetros de onde a companhia ficara para trás e Lyvlin sentia como se fosse desmaiar a qualquer momento. Segurou as rédeas com firmeza entre os dedos e apertou as pernas contra os flancos de Brynn. Raoul cavalgava alguns metros adiante. Isso é muito ruim. A garota pensou enquanto o céu começava a se tingir nas cores do crepúsculo. Esperavam conseguir abrigo em Nehorna para a noite. Se tivesse sido atacada teriam que se certificar que a área estava segura antes de montarem acampamento. Quando o cheiro de queimado foi trazido para ela pelo vento lembrou-se de como Perth queimara. Lembrou-se dos gritos, da matança e a realização de que Nehorna também deveria estar cheia de pessoas quase a derrubou da sela.

Desmontou pouco antes de alcançar o topo do morro e fez o restante do caminho a pé, se abaixando ao lado de Raoul. O sangue pulsava em sua cabeça.

– Não foram piratas. – repetiu Raoul olhando para Lyvlin – Acho que não vai precisar disso.

A garota não tirou a flecha de seu arco curto, mas se permitiu dar uma olhada no que Nehorna havia sido reduzida.

Na sombra projetada pelo monte o vilarejo havia caído na escuridão. Fumaça se erguia preguiçosamente dos casebres arruinados, Lyvlin contou vinte até Raoul dar um leve toque em seu braço. O cheiro de madeira queimada encheu seu nariz, mas não precisou do dedo de Raoul para olhar na direção que fizera sua pele se arrepiar. Havia sentido o cheiro da morte da encosta.

–x-x-x-

Everett virou o corpo com sua bota e fez uma careta.

– Eu acho que Raoul tinha razão, piratas não se dariam o trabalho de perder tempo aqui. – se agachou ao lado do velho que tivera a barriga aberta, franzindo o nariz – Ou de assassinar o vilarejo inteiro.

– Não sabemos se estão todos mortos. – Lyvlin mantinha a flecha no arco, apenas para ter certeza.

A companhia se espalhava pela vila em busca de qualquer pista que lhes dissesse o que havia acontecido em Nahorna. Os ferimentos nas vítimas pareciam recentes, Lyvlin havia passado por um garotinho cujos cortes não haviam sequer coagulado. Até parece que o vilarejo foi queimado primeiro e seus habitantes mortos depois. Um calafrio percorreu sua espinha, não conseguia se livrar da sensação de que estava sendo observada. Todos os olhos que encarava pareciam tomados por puro terror, terror que fora imortalizado em suas expressões. Corra. Os mortos pareciam murmurar. Corra sem olhar para trás.

Apoiou as mãos nos joelhos e vomitou.

– Deve ser ainda pior para você – falou Darian, afastando as mechas do seu rosto para que não se sujasse. Esperou a garota se recuperar. – Como está se sentindo?

– É o cheiro. – tentou responder com alguma dignidade.

– Terrível. – Darian concordou – Não há nada além de mortos e destroços para aquele lado. Encontraram alguma coisa?

Lyvlin secou a boca com as costas da mão e levantou a cabeça em direção do príncipe.

– Nada. Mas ninguém morreu dentro das casas. – correu os olhos pelo chão em busca de rastros – Acho que foram arrastados para fora antes de serem mortos.

O príncipe avaliou aquilo por alguns segundos.

– O armazém foi completamente queimado, mas há restos de comida em algumas casas e Raoul encontrou uma mulher com um colar. Não é nada valioso, mas a pedra chama atenção. – suspirou levando a mão a nuca e encarou os cadáveres, incerto – Matar por matar?

– Alteza! – chamou Yelena – Encontramos Kerran!

Uma pequena roda se formara ao redor do batedor quando alcançaram a general.

– Vivo? – o príncipe perguntou, mas Yelena apenas balançou a cabeça.

– Pelos deuses! – exclamou Everett, fazendo a roda se abrir.

Lyvlin teve que tapar a boca para não vomitar novamente.

O Kerran que conheceu havia sido um garoto esguio e um pouco desengonçado, como se tivesse crescido demais em pouco tempo e não tivesse se acostumado ainda. Da última vez em que o vira, seus olhos azuis estavam cheios de lagrimas de riso por causa de uma piada que tentara contar. Agora encaravam o limite do vilarejo, vazios. Seu corpo estava encostado no esqueleto de uma das casas e poderia apenas estar descansando se não fosse o corte que separava seu rosto em duas partes. O emblema de Ciandail em sua camisa estava encharcado de sangue, os dedos ainda envolviam firmemente sua faca de caça.

– Deixaram o grupo pela manhã – Raoul se ajoelhou ao lado do rapaz e tentou livra-lo da faca. Depois de algumas tentativas gentis seus dedos se abriram – Kerran está morto há pelo menos três horas. –determinou - Se estiver certo, ele morreu depois dos habitantes de Nahorna. – se levantou e olhou de Darian para Yelena - Isso pode ser um problema, não acho que foi morto pelas mesmas pessoas. Os habitantes de Nahorna foram todas atingidos na região da barriga, num único golpe.

– O punho dos bárbaros. – xingou Yelena e cuspiu.

A inquietação se alastrou pelo grupo.

– Então são mesmo batedores de Wodan.

– Punho dos bárbaros? – Lyvlin repetiu, sem entender.

– É o método de execução favorito entre o povo de Wodan – explicou Raoul sem tirar os olhos do jovem assassinado, não parecia prestar atenção no que estava falando – Um golpe de punhal diretamente na barriga, gostam de virar a arma dentro das entranhas e sentir o sangue banhar suas mãos.

– Dizem que competem para ver quem consegue eviscerar melhor. Quanto mais entranhas caírem para fora, maior a pontuação. – um pajem com nariz coberto de sardas choramingou.

– Não importa. – cortou Darian com os olhos no rosto paralisado de Kerran. Sua expressão se fechou. – Os habitantes de Nahorna nada fizeram para merecer esse massacre, Kerran era um dos nossos e morreu sozinho. Lhes devemos justiça. Acamparemos nos montes hoje à noite. – determinou – Dez se dividem entre vigília e busca.

– Busca? – repetiu alguém em tom agudo – E como cinco de nos serão páreos para homens de Wodan?

Darian fechou os olhos de Kerran.

– Espero que eles nos encontrem. – respondeu o príncipe – Ainda temos uma batedora desaparecida.

O grupo se dispersou, mas Lyvlin viu quando Raoul puxou Darian e Yelena de lado. Trocou algumas palavras apressadas com os dois e o que quer que tivesse falado fez o príncipe empalidecer.

– Dezesseis se dividem entre buscas e vigília! – ladrou a general, se afastando com passos firmes.

–x-x-x-

Apesar dos esforços, quando a noite caiu Cecile ainda não havia sido encontrada. Os ânimos não estavam bons no grupo. Yelena era contra o acampamento tão próximo a Nahorna, mas não encontrava apoio suficiente para defender sua causa. Deixou a tenda de Darian espumando quando Lyvlin ajudava a cortar batatas para o jantar. A garota olhou para os tubérculos, o resto do seu gosto por aventuras sendo lentamente digerido em seu estomago. De onde estava conseguia ver a mancha clara metros abaixo, onde os mortos começavam a ser queimados na maior pira funerária que já vira na vida. Conseguia sentir o calor das chamas dali, de alguma maneira o cheiro ainda se tornava pior. Sentiu o estomago se remexer e teve certeza que não engoliria nada naquela noite.

Darian ainda tinha Everett e Raoul em sua tenda. Lyvlin duvidava que os dois conseguiriam fazer o príncipe mudar de ideia, não depois de assistirem Kerran ser devorado pelas chamas. Suspirou e limpou os olhos que lacrimejavam por causa da fumaça. Ou era isso que repetia para si mesma.

Pedira para ser parte do grupo de buscas, mas isso também lhe foi negado. Alimentou a fogueira com um punhado de carvão e se pegou pensando de quem fora a moradia que agora a mantinha mais ou menos aquecida. Notou a sombra silenciosa se sentando ao seu lado e quando ergueu os olhos se forçou a sorrir.

– Hey, Eniko. – cumprimentou, voltando os olhos para o trabalho – Que dia de merda.

Eniko tocou seu braço e Lyvlin lhe estendeu uma batata.

– Se me mantenho ocupada não penso demais. Cuidado com a faca. – disse, mas não conseguiu parar de falar – As pessoas devem te contar todo tipo de segredo, não é? Sabendo que não pode falar nem nada. – deu uma olhadela para a garota e baixou as mãos – Desculpe, não quis ofender.

Eniko balançou a cabeça negativamente, o que Lyvlin entendeu como um encorajamento.

– Acho que apenas me trouxeram para manter um olho em mim. – confessou sem jeito – Quero dizer, não é como se eu fosse útil nesse estado. E com Darian se envolvendo com renegados... – checou Eniko, mas se aquilo era uma novidade para ela não deixou transparecer, respirou fundo – Aqui está o que eu acho: tem medo que eu de com a língua nos dentes e me querem por perto para avaliar se sou digna de confiança. Talvez até me matem se acharem que não. O que você acha? Uma campanha longe da capital não seria a melhor forma de acidentalmente se livrar de um estorvo? Eu acho.

Eniko anuiu.

– O que? Acha que podem querer se livrar de mim ou que essa missão é uma boa desculpa para se livrar de um estorvo? – levantou os dedos – Um para a primeira opção e dois para a segunda.

– Vejo que vocês estão se dando bem. – disse Raoul, sentando-se ao seu lado e cruzando as pernas – O que estão conspirando?

A garotinha riu e Lyvlin levou o dedo cortado a boca.

– Não precisava espreitar desse jeito. – reclamou, usando a mão livre para jogar uma batata na cara de Raoul.

A segurou antes que atingisse seu rosto e deu o primeiro sorriso do dia.

– Quer que eu te conte? – quis saber, tirando uma das laminas de seu bolso e começando a descascar o tubérculo. Era três vezes mais rápido que Lyvlin, o que fez a garota bufar.

– O que? – retrucou, derramando mais batatas em seu colo. Se viesse com conversa fiada poderia ao menos adiantar seu trabalho.

– O motivo de te querermos aqui. – e continuou o trabalho pacientemente – Apenas pensamos que iria gostar de ter um tempo longe de Beltring. Respirar longe da Academia e do rei.

– Está funcionando muito bem até agora.

– Desculpe, normalmente as coisas funcionam melhor. – seus olhos se perderam nas labaredas que lambiam o céu – Acredito que todos esperávamos... Não sei. Não um vilarejo massacrado até a última criança, isso é certeza.

Lyvlin mordeu os lábios.

– Realmente achou que poderíamos te matar? – e sua voz era metade surpresa, metade indignação.

– Nah. Só estava sendo dramática para me distrair. – sentiu Raoul estudando seu rosto e baixou a faca – O que? Tenho que me manter ocupada já que você não me deixa trabalhar de verdade.

Viu o alivio em seu rosto.

– Ajudar na preparação do jantar é trabalho de verdade. – repetiu pela segunda vez naquela noite – Quer que você goste ou não.

– Mas se eu pudesse ajudar nas buscas –

– Não. Urobe confiou a sua segurança a mim e não pretendo deixa-la cair no escuro e quebrar uma perna.

– Porque isso é obviamente o maior perigo que corremos. – resmungou e então seus olhos se iluminaram – E a vigília?

– O que tem ela? – Raoul inspecionava a última batata que lhe restava com olhos críticos.

– Eu posso servir de sentinela.

Raoul baixou as mãos, derrotado.

– Por mim. – falou, despejando as batatas descascadas em seu colo - Mas não se afaste do acampamento e fique perto da sua dupla. Promete?

–x-x-x-

Se sobressaltou, o coração disparando no peito. Lyvlin sacudiu a cabeça, já era terceira vez que caia no sono.

– Não posso estragar isso. – murmurou para si mesma na penumbra. Havia pego o ultimo turno antes do amanhecer e o horizonte já começava a ser pintado por tons profundos de azul. Mais duas horas.

Deu uma cotovelada em Cillian, sua dupla de vigília. O rapaz murmurou algo sobre bolos de chocolate e coelhos e virou para o lado, roncando. Ao seu redor o mundo começava a acordar. Ou ao menos a parte que pertencia aos pássaros. Lyvlin pegou sua bolsa de couro cheia de agua e a abriu, deixando o liquido molhar sua garganta antes de jogar um pouco no rosto sonolento. Seu estomago reclamou de sua escolha de não jantar, mas estava satisfeita. Em pouco tempo teriam um café da manhã simples de qualquer maneira. Estava pensando em pão e queijo quando ouviu o barulho de passos atrás de si.

Virou com a espada na mão e deu de cara com Eniko.

– Uh, você me assustou. – disse, devolvendo Arcturus a bainha – Não deveria estar dormindo?

Eniko estava vestida com couro de montaria da cabeça aos pés e sorriu, agarrando suas mãos.

– Parece mais acordada do que eu. – Lyvlin reprimiu um bocejo – Quer me fazer companhia até os outros acordarem?

Eniko sacudiu a cabeça, puxando Lyvlin em direção ao limite do acampamento.

– Não podemos ir ou Raoul exigirá minha cabeça.

A garotinha a encarou com seus grandes olhos e indicou uma mancha composta de um punhado de arvores. Lyvlin estreitou os olhos, mas na penumbra não pode ter certeza. Os resquícios da madrugada fria se espalhavam numa nevoa fina que brotava do chão, tornando a paisagem borrada.

– Você viu algo?

Eniko anuiu, envolvendo sua mão nas suas e a puxando em direção do arvoredo.

– Não é muito longe do acampamento. Se considerar a última tenda, apenas uns vinte metros. – Lyvlin avaliou, checando Cillian – Acho que consigo me safar.

Não havia nenhuma outra sentinela naquele lado do acampamento e Lyvlin deixou que Eniko a guiasse, imaginando o que a garota havia visto. Provavelmente nada. Refletiu. O cheiro de queimado havia diminuído, ou simplesmente havia se acostumado. Havia chovido durante a madrugada, o que era um desastre para os corpos que pretendiam enterrar antes de partir. Mesmo assim respirou fundo, enchendo os pulmões com o a brisa fria que deixara um rastro de orvalho na grama queimada. A nevoa se levantava do chão e batia em seus quadris, a envolvendo a cada passo que dava.

– Parece que vamos ter um dia sem nuvens. – observou, encarando o céu estrelado que se apagava lentamente.

Eniko a guiou para dentro das arvores e Lyvlin se esquivou dos arbustos molhados. Ali o gramado era mais rico e ainda mantinha a coloração verde, protegida pelo teto de folhas que pendiam metros acima. Quase escorregou em um galho caído coberto de musgos, mas conseguiu manter o equilíbrio. Manteve os olhos atentos a qualquer sinal de inimigos, mas o pequeno arvoredo parecia habitado apenas por pássaros engajados em sua canção matinal. O canto parecia vir de todos os lugares e a fez se perguntar quantos pássaros as rodeavam.

Encontrou uma pedra mais ou menos seca e se sentou, observando Eniko caminhar de cima a baixo, os dedos entrelaçados no colo.

– Relaxe. – disse Lyvlin, se espreguiçando – Se tivesse alguém aqui já teria aparecido.

Eniko se virou para ela e sorriu, os olhos mudando para um tom verde brilhante.

– Disso não tenho certeza. – falou e sua voz atingiu Lyvlin como um chicote.

Pulou da pedra com a espada na mão.

– Que tipo de? – exigiu saber, tomando o cuidado de não gritar.

A garota inclinou a cabeça.

– O que? Não acha que sou um talento nato para atuação? Palavras machucam, sabe... – o sorriso malicioso em seus lábios se alargou – Não consigo acreditar que me controlei tão bem. Papai ficaria tão orgulhoso.

– Não gosto de ser usada. – Lyvlin se aproximou, pronta para agir. Em sua experiência olhos incandescentes significavam problema. – Agora, se você quiser falar o que está acontecendo antes que separe a cabeça do seu corpo...

– Preferiria que não, já que é apenas emprestado. E tomamos cuidado especial com brinquedos emprestados, não é? Mas por favor, por favor, não se sinta acanhada. – saltitou até a pedra e se sentou com as pernas cruzadas como se estivesse prestes a testemunhar algo deleitoso – Apenas vim checar o que era todo esse alarde ao seu redor. Eles falam muito em você, sabia? Claro que sabe. A garota prodígio, a linair que decidirá o destino de ambos, deuses e humanos. E agora com as coisas ficando interessantes? Você é realmente um trunfo, mas de quem? – seu sorriso se alargou quando viu a expressão em seu rosto.

– De ninguém.

– Oh, eu não sei se veriam isso da mesma forma. Tão pronta a pular para o lado do príncipe ao primeiro sinal de perigo. E eu entendo, sempre havia algo sobre ele. “Cuide das outras criações” eles disseram, “mantenha um olho no herdeiro dourado, só pro caso de querermos brincar com ele mais tarde”, “mantenha a harmonia”. – levantou o terceiro dedo com tedio – E eu esperei, pobre Eniko. De qualquer forma, aqui está você. Lyvlin Tessart, redentora dos poderes do meu irmão mais... Desagradável. – Eniko saltou da pedra e lhe estendeu a mão, os olhos verdes incandescentes brilhando como lanternas de papel – Prazer, sou Agnessa.

Lyvlin encarou a mão da garota.

– Minha experiência com divindades não é das melhores. Desculpe por não me atirar em seus braços e deixar minhas costas livre para a punhalada. – tentou se afastar, mas uma mão de Eniko se fechou sobre seu pulso enquanto a outra agarrava seu pescoço.

– Bom. Uma atitude assim pode lhe garantir alguns dias a mais. – intensificou o aperto e trouxe Lyvlin para mais perto - Me sinto quase insultado por não ter me reconhecido. Linairs são sempre tão cheios de si, não é? Até aprenderem da pior forma. – arregalou os olhos como se lembrasse – Mas isso não é para hoje. Pode não parecer, mas vou ver sua divindade favorita.

Lyvlin girou, sentindo o peso deixando seu peito. Empurrou Eniko no chão e ergueu a espada enquanto tentava recobrar a respiração.

– Vaus te mandou? Ou Sydril? – grasnou para a garota que se levantava de punhos cerrados.

– Eu? – parecia surpreso e começou a bater a lama das roupas - Eu não estou do lado de ninguém, só queria me divertir. E talvez te assustar um pouco com tudo isso de divindades. – deu um longo suspiro - Mas acho que estraguei tudo.

Estendeu a palma aberta para Lyvlin e a garota levou a mão ao pescoço, para confirmar.

A superfície da luminitsa voltara a ser transparente, se aninhando na mão de Agnessa como uma joia quebrada.

– Eu tenho minha magia de volta. – Lyvlin sussurrou inspecionando a pedra com cuidado – Não me sinto diferente.

Foi então que ouviu o primeiro grito.

– O que foi isso? – Lyvlin correu os olhos pela vegetação que os cercava – O que você fez?!

– Eu não fiz nada! Foi você com esse seu jeito agressivo.

– Você estava me sufocando!

– Eu estava te segurando com veemência! – retrucou Agnessa e se encolheu diante do ruído.

– Me solte! – Lyvlin ergueu a espada, mas não sabia para onde aponta-la – Que tipo de divindade se esconde atrás de humanos?

– O mesmo tipo que tem uma criança como mensageira! – estreitou os olhos em direção a nevoa e levou a mão a boca – Ops.

Lyvlin também viu e foi como se seu estomago fosse virado ao avesso.

– Se eu sobreviver – ela sibilou, girando Arcturus em seu punho. – eu te mato.

– Pelo menos sabemos quem deu fim no batedor. – o deus começou a dizer e se calou diante do olhar da garota.

Se eu sobreviver. Lyvlin repetiu para si mesma e seus olhos foram de um inimigo para o outro. E outro, e outro. Tantos outros que a fez xingar baixinho.

E correr em direção ao acampamento.