“Esquerda, esquerda, direita. Bloqueio cada golpe sem problemas. Pérolas de suor se formam em sua testa, as piadas parecem ter sumido de seus lábios. Dançamos a única dança que sabemos. A das espadas. Ontem levou comida para mim quando fui expulsa da tenda onde tomamos as nossas refeições. Todos, até o comandante, me temem. Mas não ele. E agora vou lembrá-lo que isto é um erro. Porque é a minha vez de atacar.”


O quarto de milha mancava discretamente em uma das patas traseiras, era uma diferença pequena que certamente não passara percebida por Raoul quando este empurrou umas moedas nas mãos sujas de seu dono anterior. Mas Lyvlin notara e agora mais do que nunca a sutil quebra de ritmo lhe dava mais e mais nos nervos. Remexeu-se de um lado a outro da sela dura e ignorou os olhares que recebia dos cidadãos de Perth.

– Manca – disse por fim quando passaram por um velho encardido que pedia esmola, o senhor mal tinha dentes e Lyvlin teve que desviar o cavalo para conseguir avançar – Se precisarmos de força e rapidez poderei muito bem descer e apostar em minhas próprias pernas. Isto, é claro, também significa que não posso esperar vencer você em uma corrida caso resolvesse escapar.

– Certamente seria algo para se ver – devolveu Raoul de seu garanhão cinzento – Não esperava que montasse tão bem, mas é testemunha de que procurei o melhor cavalo que pudesse conseguir. – nisso estava certo. Haviam passado um bom tempo visitando quase todos os estábulos de Perth, mas a busca por Flecha se mostrou completamente infrutífera. No final restou a Lyvlin apenas esperar que as pessoas que a acharam a tratassem bem e sentia o coração pesado por ter que deixá-la para trás. Mas Raoul tinha pressa e depois de se certificar de que a garota comera o equivalente ao que teria comido nos quatro dias que passara dormindo a forçou a tomar um novo banho porque aparentemente no sul as pessoas não vestiam as mesmas roupas sujas depois de se banharem. Não fazia muito sentido para Lyvlin, porque aquilo significava que era necessário ter uma grande quantidade de vestes para poder trocar e isso por sua vez significava um tempo considerável vitimado a lavar todas elas. Em Evion tivera apenas duas calças e duas vezes esta quantidade em camisas velhas de Gilbert. Certa vez ganhara um vestido da mãe de Ezra, mas nunca chegara a usá-lo por considerar o tecido mole demais sobre sua pele. Não era uma roupa que gostaria de usar quando caçasse ou quando galopava com Flecha sobre os campos que separavam seu vilarejo da floresta com o vento assoviando em seus ouvidos. O que importava é que Raoul ficara horrorizado com a sugestão de lavar as suas vestes apenas quando a oportunidade de poder secá-las surgisse e assim a deixou sozinha rodeada por pães, queijos e carnes e um jarro de vinho quente. Voltou com uma calça de linho que parecia ter sido reaproveitado de um saco de batatas e uma camisa de algodão que ainda era muito maior do que a garota precisava, mas ao menos as duas peças estavam limpas. O gibão acolchoado era quase tão feio quanto a calça, mas ajudaria a mantê-la quente.

– Não precisa agradecer – dissera quando a garota vestira as peças e o tentara – Temos uma viagem longa pela frente e pretendo torná-la o menos desconfortável possível para você.

– Como chegarmos a Ciandail? - quisera saber Lyvlin enquanto se enfiava dentro de seu casaco de peles de lobo. Era estranho pensar que agora era a única coisa que possuía de sua vida anterior, juntamente com Arcturus – Ouvi dizer que pode se levar meses para chegar à capital.

– E isso é verdade, se o trajeto for realizado por terra. Nós seguiremos para o sul até atingirmos o Grande Girtrab e por ele navegaremos em uma galé. Será mais rápido e menos cansativo. Você já viu um navio?

– Apenas barcos de pesca. – confessara, amarrando a bainha de Arcturus ao cinto. Gilbert lhe contara sobre o maior rio de Vassand, que recebera seu nome de um velho deus dos rios que se recusava a ceder o seu reino aos deuses do inverno. Com isso o Grande Girtrab era navegável até em suas curvas dentro dos territórios frios do norte e serpenteava por vales e morros enquanto se aprofundava nas terras de Ciandail. Desaguava no ponto mais sul do reino, o Ferrão, e desaparecia muito antes disto dentro da floresta de Wrie. Admirou-se por ter mantido tudo vivo em seus pensamentos depois de todo aquele tempo. – Mas os pescadores me contaram que existem navios com cinquenta remos em cada lado, é verdade?

– Navios com cem remos são exclusividade das galés de guerra de Rattra. Mas não ficará desapontada, isso lhe garanto.

– Um dia espero poder ver um navio assim.

– Espero sinceramente que não. – dissera Raoul – Porque é muito raro que deixem os seus portos em tempos de paz e a frota de Vassand não tem sido necessária para atuações maiores há décadas.

E com isso tomou a conversa por encerrada. Deixaram a casa logo em seguida, carregando apenas o essencial. Era a segunda vez que partia sem saber ao certo para onde, mas desta vez viajariam leves, como Lyvlin aconselhara a Gilbert. De alguma forma tinha o pressentimento de que esta viagem também não seria das mais calmas.

Lyvlin percebia os olhares sobre si. Sem dúvidas, a dupla deveria mesmo chamar as atenções com a garota sentada descuidadamente na sela enrolada em peles e capa enquanto Raoul mantinha um porte ereto e elegante estivesse em cima de um cavalo ou não. Imaginou se a diferença gritante entre os dois faria com que as pessoas se perguntassem quem eram, ou para onde iam. Estava acostumada com Evion e no pequeno vilarejo a única coisa que bastava para ser alçado ao palco era ser um rosto novo. Por toda a cidade os homens do lorde Rudwen ainda patrulhavam as ruas e mantinham um olhar vigilante sobre a multidão que empanturrava as ruas. Devem pensar que sou algum prisioneiro de um lorde qualquer pensou quando pararam diante dos portões. Os guardas deixaram Raoul passar com um aceno de cabeça, mas quando seus olhares caíram sobre Lyvlin a expressão amistosa desapareceu de seus rostos.

– Mais um dos revoltosos? Achei que tivéssemos arrastado a corja inteira para o cadafalso. – disse o maior deles entre os poucos dentes que lhe restavam na boca.

– E você deveria mesmo ter visto todos eles não é? Isso se tivesse se importado de tirar os olhos da bebida por dois segundos. – uma voz amistosa veio por detrás dos guardas e eles abriram caminho para um homem baixo e narigudo. Suas vestes indicavam uma posição privilegiada e o fato de nenhum dos homens contradizê-lo o confirmava. O homem a avaliou, o nariz e bochechas corados pelo frio. – Sinto muito garoto, mas não pode culpar os meus homens por serem hostis nestes dias perigosos. Para onde está indo?

– Estou deixando Perth – retrucou a garota com dignidade – Não deveriam se preocupar mais com quem entra na cidade?

– Não exatamente. Por mais que o velho Brian afirme o contrário, a verdade é que a grande maioria dos revoltosos escapou entre os nossos dedos. Lorde Rudwen acredita que podem estar se escondendo na cidade até que a situação esfrie, com o perdão da palavra. Agora – disse, agarrando as rédeas antes que Lyvlin pudesse reagir – Desça do cavalo.

– Não há necessidade disto Quentin. – disse Raoul que virara seu cavalo e agora emparelhava com a garota, prendendo o homem entre os dois cavalos – Da última vez em que o vi não enrolava pessoas em conversas para então dar o bote.

O homem olhou desconfiado, mas quando Raoul baixou o capuz revelando o rosto e a cabeleira dourada largou as rédeas como se o queimassem.

– Raoul Canderson! – gritou e Lyvlin não soube dizer se era alegria ou uma acusação – Da última vez em que o vi estava coberto de sangue e lama! Que os deuses sejam louvados, achei que estava livre de você para sempre.

– É bom vê-lo novamente. – Raoul sorriu e lançou um olhar significativo para Lyvlin que descuidadamente puxou o capuz mais para baixo, escondendo-se melhor. - Mas receio que não teremos tempo para conversas.

– Não fale uma besteira dessas! – virou-se para os seus homens – Peguem este velho e o levem para a gaiola, talvez mais dois dias sem comida o deixarão sua língua mais solta.

Só então Lyvlin percebeu a presença do senhor que estava sentado contra o muro, a cabeça baixa e as mãos algemadas. Parecia ter visto dias melhores. Estava imundo e machucado, a garota julgara que já estivesse morto, mas quando os guardas o agarraram pelos braços e o ergueram o homem começou a espernear e gritar.

– Os bons podem ser subjugados, quebrados, mas jamais – foi interrompido por um golpe na cabeça dado por um dos guardas com seu cabo de espada.

– Você vê com que laia eu tenho que lidar Raoul – suspirou Quentin e olhou para o velho – Agora inventaram até novos nomes para si. Para nós vocês sempre serão conservadores e vamos caçar um por um até restaurar a paz nestas terras.

– Certamente é uma atitude bastante precipitada.

– Não me fale em ser precipitado Raoul! Estes cães incendiaram a minha cidade, mataram e saquearam. São nada mais que bandidos e serão tratados como tal. – cuspiu em direção do velho – Pode começar a rezar e esta sua senhora caída, talvez ela o salve da forca.

O homem não se intimidou e levantou a cabeça ensanguentada.

– Não somos cães! Somos libertadores! Quanto mais os seus dedos apertam ao redor das nossas gargantas, mais forte será o grito!

– O tirem da minha vista antes que o cale de uma vez por todas. – ordenou Quentin.

– Não precisamos de comandantes, não precisamos de lordes! Quando o grupo divino marchar não haverá exército que nos detenha de devolver a terra para o povo! – era agora arrastado por dois guardas, mas fincou os pés na neve, deixando rastros paralelos atrás de si – Hemera nos levará a vitória, Hemera nos levará a Vaus!

Quentin massageava as têmporas enquanto os gritos do velho se tornavam cada vez mais abafados.

– Você vê com que eu tenho que lidar por aqui. E disseram que servir no norte seria uma boa distração. Lunáticos apontando o fim do mundo e agora isto. – baixou as mãos e olhou para Raoul – O que você está fazendo aqui afinal? Ouvi que um batalhão está lá em cima lutando na fortaleza, somos moles demais com aqueles patifes se alguém quer saber. Mas você está indo na direção contrária. Não me diga que veio apenas me visitar.

– Por mais que bem-vindo, o nosso encontro é muito inesperado. – disse Raoul – Não esperava encontrá-lo em minha viagem de volta para Ciandail. Estou escoltando este garoto para receber treinamento na capital.

– Um recruta? - Quentin soava incrédulo – Me perdoe, mas não aparenta valer todo o trabalho.

– Agora está sendo leviano Quentin. Certamente conhece a casa Darnell? Servindo no norte a sua importância não deve lhe ter passado despercebida. O patriarca é um rico comerciante, sua linhagem tem sangue nobre correndo em suas veias através do casamento com senhora Jirdaleah, dos Lesard, cuja família precede a de Cassagne em governar o norte em nome do rei. – estava visivelmente se divertindo – O jovem Eric aqui pode não fazer jus ao nome que carrega, mas é apenas devido aos longos dias que passamos na estrada. Como terceiro filho não poderia almejar um bom casamento, mas estou confiante de que será de muita utilidade uma vez que tenha passado pelos anos de treinamento nas mãos de um bom mestre de armas. O que me leva a lembrar que o mestre de armas de seu pai não era de todo mal, certamente um Rost, com a força de um javali e o caráter inabalável. Mas isto, por sua vez, se deve à ótima educação dada por sua mãe cuja família -

– Poupe-me de lições de história, você sabe como não consigo me manter acordado. – disse Quentin – Que seja, que seja, pegue o garoto e suma daqui. Tome cuidado na estrada, por mais que odeie dizer ela deve estar recheada de vermes ou coisa pior.

– Obrigado Quentin. Saudações para os seus garotos e para Cecyl, espero que ela se encontre com boa saúde?

– Em boa saúde o suficiente para encher as minhas orelhas de reclamações, lamento dizer.

Raoul riu e esporeou o cavalo, acenando enquanto passava pelo portão da cidade. Assim que deixaram os muros de Perth animou a montaria a um galope, levando Lyvlin a fazer uma careta. Encorajou o seu cavalo, mas o máximo que conseguiu foi um trote apressado. Terei marcas rochas no traseiro por dias pensou, tentando impor algum ritmo enquanto chacoalhava na sela.

O céu estava livre de nuvens, o azul profundo tão convidativo que invejou o falcão que cortava o horizonte. A neve era esmagada debaixo dos cascos dos cavalos e turbilhonava ao redor das pernas dos animais. Por mais desconfortável que fosse, a cavalgada lhe devolveu um pouco de ânimo. Encheu os pulmões com o ar frio e puro do começo da tarde, uma mudança bem-vinda depois dos dias em Perth e seu cheiro que acompanhava toda aglomeração de pessoas em pouco espaço e nenhum cuidado com os restos, independente de sua natureza. Observou Raoul em seu garanhão, muitas e muitas passadas adiante. Era rápido. Como percebera no momento em que recebeu as rédeas do baio em suas mãos, não teria chance alguma. Talvez conseguisse embrenhar-se na floresta de pinheiros que se aproximava cada vez mais, mas isto significaria deixar a estrada. E deixar a estrada com um animal manco seria sua desgraça. Poderia alimentá-lo cortando as camadas mais externas de troncos em busca de qualquer resquício de musgos, mas não pelo tempo necessário para encontrar uma maneira de deixar a floresta em segurança. E tudo isto ainda não era o pior. Não conhecia o território que entravam agora, o mais ao sul que já viajara fora a Perth. O que vinha depois da cidade ela conhecia apenas por mapas antigos que conseguiam ser tão entediantes que a garota terminava sempre por dobrar e guardá-los no lugar que encontrara depois de uma olhadela. Observava a mancha escura dos pinheiros crescer com uma sensação inquietante diante de si. Uma vez que entrassem dependeria de Raoul. Talvez estivesse certo, talvez todas as pessoas que possuíssem magia eram levadas para Ciandail e recebiam o treinamento que precisavam para evitar que causassem acidentes e acabassem machucando pessoas. Também sobre isto você não me falou nada Gilbert, se agora me sinto completamente impotente a culpa também é sua. Mais à frente Raoul finalmente diminuía o passo de sua montaria.

– O cavalo parece estar em ordem. – disse quando Lyvlin o alcançou.

– Você pode dizer isto para as manchas em meu traseiro. – olhou para o seu rosto e riu – Não fique vermelho, estava brincando.

– Eu sei que estava brincando. E não foi uma brincadeira apropriada.

– Todos os integrantes da guarda real são escolhidos pela falta de humor? - disse Lyvlin – Eu achava que habilidade e lealdade eram mais importantes.

Raoul parou por um momento, depois sorriu.

– Gilbert a ensinou bem. Não esperava nada inferior.

– Acredite, pouco do que me ensinou está sendo de alguma serventia até agora.

– Há quanto tempo sabe?

– Talvez sempre soubesse – não mencionaria que uma loba mensageira dos deuses a avisara sobre os dois – Mas tive certeza quando mataram os nirnailas sem problema algum. Posso não ter acreditado na existência deles até aquela noite, mas sabia que não podiam ser mortos por pessoas comuns. E a ligação com o batalhão que luta em Sadalmelik? O modo como luta e se porta? Diga Raoul, me toma por idiota? A única coisa que não compreendo é o motivo que torna a sua presença aqui mais importante do que guardar o príncipe.

– Se sabe tanto sobre a guarda real, sabe que não nos restringimos a um grupo pequeno. Acredite, a minha ausência não causará perigo algum ao príncipe.

– Não me importo com o príncipe – mordeu a língua e corrigiu-se ao lembrar diante de quem estava – O que quero dizer é que nunca o conheci e nunca tive motivos para adorá-lo. Estamos muito distantes da capital e aqui o príncipe não passa de uma imagem distante.

– Está tudo bem. Não esperamos lealdade cega das pessoas do norte. O único contato que têm com a coroa é durante as investidas anuais em Faolmagh e ainda assim é limitada a um batalhão marchando com suas armaduras e armas resplandecentes. Bonito de se ver, mas nada que pode ser tocado.

– Faolmagh e os cobradores de impostos. Não se esqueça dos cobradores.

– Sábias palavras. – sua expressão suavizou - E estes devem ter um impacto ainda maior, acredito? Sabia que sim. Bem, acho que não podemos exigir que estejam prontos para morrer por Darian como nós estamos, mas tome cuidado Lyvlin. O príncipe e também o rei podem não passar de imagens distantes para você, mas fale deles com leviandade e não tardará a ver os dedos apontados para seu rosto. Da ponta sul até os extremos desertos de Rattra, sempre há alguém disposto a entregar um traidor às autoridades e por mais que me doa dizer, nem sempre quem decide tem laços profundos com a justiça. Dependendo do lugar terminaria em um cadafalso antes que pudesse se defender, as pessoas adoram o espetáculo de alta traição e não se importam de perguntar se o condenado realmente cometeu o ato.

Lyvlin anuiu. Entendera o recado.

Cavalgaram o restante da tarde em silêncio, Lyvlin sempre a algumas passadas atrás. Sentia lentamente o corpo relaxar na sela e também nisso não poderia confiar. Mantinha os olhos fixos nas costas de Raoul, não sabia exatamente o motivo, mas caso o rapaz voltasse com o garanhão e investisse contra ela lhe tiraria um peso das costas. Porque a cada passo do cavalo sentia-se mais inclinada a tomar Raoul como aquilo que contara. Um membro da guarda real encarregado de levá-la a Ciandail. Ponto. Nada de intrigas, nada de potencial ameaça como Laoviah mencionara. E não fora apenas Gilbert, ou Isone, a colocá-la em perigo com suas escolhas de mantê-la longe da verdade? E era, acima de tudo, uma pessoa prática. Sabia que não sobreviveria sem Raoul naquela floresta e, portanto, nada poderia fazer se não segui-lo.

Não tardaria a anoitecer. Debaixo das copas dos pinheiros a luz tornara-se progressivamente mais fraca no último quarto de hora. Um corvo crocitava observando-os da segurança de seu galho. Era um animal grande, de olhos brilhantes e perversos. Lyvlin o olhou por um instante e ouviu um galho se partindo em algum ponto a sua direita, ao lado da estrada. Virou o rosto e sentiu o silvar de uma flecha passar a centímetros de seu ouvido. O homem e o corvo gritaram ao mesmo tempo, o pássaro levantou voo e fugiu, o homem soltou o machado que carregava e levou as mãos à garganta. Sangue gorgolejava pela ferida causada pela flecha, mas Lyvlin não ficou para vê-lo morrer.

– Lyvlin! Para cá! – gritou Raoul quando mais cinco homens surgiram dos lados da estrada. Ladrões,pensou, aterrorizada. Agarrou-se às rédeas e esporeou o cavalo adiante, cerca de trinta passadas adiante Raoul pulava do cavalo e posicionava uma nova flecha em seu arco. Tinha derrubado mais três quando a garota o alcançou e xingou em uma língua que Lyvlin não compreendeu quando mais homens alcançavam a estrada, desta vez em frente aos dois, bloqueando o caminho.

– Estamos cercados. Não pode atirar em duas direções ao mesmo tempo. – sua mão disparou em direção ao punho de Arcturus – Poderia ter escolhido roupas mais discretas. – disse entre os dentes enquanto observava os homens se aproximar de ambos os lados. Eram oito, tirando o que tombava de lado com uma flecha na cabeça, não tinham qualquer proteção sobre suas vestes, apenas simples casacos de pele. Poderiam ser de um grupo nômade, pensou Lyvlin, ao ver seus machados e espadas grosseiras. Podem não ser do metal mais bem trabalhado, mas isso fará apenas com que os golpes doam mais. Vira uma vez um homem ser decapitado em Perth quando era pequena, não pôde tirar os olhos do carrasco enquanto se aproximava do condenado, nem de sua grande espada de duas mãos. Mas por mais grandiosa que parecesse, foram necessários mais de cinco golpes para fazer a cabeça do pobre coitado soltar-se. Se possível, queria ter um futuro diferente diante de si. Graças aos deuses só contavam com três arqueiros e estes estavam entre os primeiros que Raoul acertara.

– Eu posso ajudar. – disse para Raoul – Me diga o que fazer.

Em resposta o rapaz a arrancou de sua sela e, como se fosse uma boneca de pano e não uma garota embrulhada com camadas de pele, a colocou na sela de seu garanhão cinzento.

– Para frente – falou, indicando os cinco homens que corriam na direção deles gritando a plenos pulmões – Limparei o caminho para que consiga passar. Encontrará uma estalagem antes de a lua alcançar seu ponto mais alto. Diga que é amiga da guarda real e saberão o que fazer. Vá!

– Mas se virar as costas, os outros irão –

– Vá! – repetiu, dando uma tapa no traseiro do cavalo.

O garanhão saltou e entrou em um galope rápido. Quando estavam a poucas passadas do grupo, três deles se jogaram para longe dos cascos do cavalo. Os dois que permaneceram no caminho foram derrubados por flechas e Lyvlin passou por eles sem problemas. Os gritos atrás de si ficaram cada vez mais abafados, mas o coração ainda batia descontrolado em seu peito. Puxou as rédeas com toda força, fazendo o cavalo relinchar em protesto. Virou a cabeça para trás, erguendo-se na sela e viu os ladrões investindo contra Raoul. Mesmo fazendo as adagas dançarem entre seus dedos e de encontro aos oponentes, estava em uma desvantagem terrível. Morrerá. Concluiu sem dificuldades. Estou livre. Virou o cavalo para o caminho certo e então foi um grito diferente que alcançou os seus ouvidos. Raoul fora atingido. Mordeu os lábios e fez o cavalo rodopiar. Não, estou louca.

– É um cavalo de guerra? - perguntou ao garanhão cinzento, erguendo Arcturus com a mão direita. Gritou e esporeou o cavalo adiante. – Por favor, por favor seja um cavalo de guerra.