-Jefferson! – Chamo-o enquanto apago o cigarro no cinzeiro. – Você precisa estar preparado para quando abrirmos a porta do avião.

—Como assim? – Jefferson pousa seu copo com conhaque na mesa e me observa curioso.

—Devido a pressurização aqui dentro você não teve muito acesso a sons distintos e espalhados, logo, assim que abrirmos a porta, todos os sons em um raio de cem metros vão atingi-lo. – Levanto e sigo até a mesa onde Nina olhava a tela do notebook e sento em sua frente. – Terá que manter a calma.

—Certo! – Jefferson volta a observar seu copo.

—Já vamos pousar senhor Vivale! – Paolo se aproxima com a notícia. – Já confirmei a chegada do carro que irá nos levar ao senhor Nogueira.

—Perfeito! – Sorrio para Paolo e volto à atenção para Nina. – Já descobriu onde ele está?

—Entrei em contato com o gabinete dele. – Nina me olha por cima da tela do notebook. – Ele agora é deputado. Está fazendo uma ação no farol da Barra.

—Farol da Barra... – Coço o queixo e recosto no assento. – Bom, deve ser um bom local, mas creio que estará cheio de humanos.

—Certamente! – Nina fecha o notebook e olha para o corpo sem vida da comissária, largada nua em cima de uma mesa. – Parece que seu amiguinho se empolgou demais.

—Acontece com iniciantes! – Olho o cadáver. – Mandarei dar um fim, largar em algum local por ai. – Volto à atenção a Nina. – Então iremos direto até o farol.

O piloto avisa pelo auto falante que devemos apertar os cintos para o pouso. Fazemos o que foi mandado e finalmente chegamos a Bahia, mais precisamente ao aeroporto de Salvador.

Era dia, Jefferson não poderia vir conosco. Deixo-o responsável então por dar um jeito de esconder o corpo e encontrar um bom hotel, o piloto já trabalhava comigo a muitos anos, não diria nada.

Seguimos então para fora do avião. Uma Mercedes preta já nos aguardava na saída do aeroporto, Paolo senta no banco do carona e vou atrás com Nina.

O carro segue então, passamos inicialmente por uma pista com um bambuzal ao redor. Observo pela janela a paisagem, seguimos por um shopping e chegamos à orla.

Hoje é domingo, os humanos estavam com roupas de banho caminhando ao longo da orla, outras indo em direção ao mar.

—Este lugar parece interessante! – Nina fala observando as humanas trajando poucas roupas. – As brasileiras têm a fama de serem as mulheres mais lindas do mundo. Olhe o corpo delas. Eu sinto uma excitação só de vê-las.

—Certo... – Observo as pessoas passando e tiro meu celular de dentro do terno. Abro o Clash of Clans e começo a mexer na vila do jogo. – Paolo!

—Sim senhor Vivale! – Paolo responde sem se virar.

—Ligue para Angeline e pergunte quantos dos homens do cais chegaram. – Falo sem tirar os olhos da tela do celular.

—Certo! – Paolo pega seu celular e disca o numero.

"Paolo?" era a voz de Angeline do outro lado da linha. Ela era a Caimita mais velha comigo, na verdade ela servia a Caim desde o império romano.

—Angeline, o senhor Vivale quer saber sobre a chegada dos homens do cais. – Paolo observa a movimentação através da janela enquanto falava.

"chegaram dois apenas, os outros não foram compatíveis." A voz dela era sempre tão profissional, eu nunca a vi sorrir em todos esses séculos que a tive comigo. Mas, o numero era como imaginei, nem todos os humanos têm a compatibilidade com o sangue Caimita.

—Prepare-os e inicie tudo com eles. Quero também que entre em contato com o russo para pegar o resto da mercadoria. – Fecho o jogo, pego o maço de cigarros, vejo que estava vazio, suspiro com a frustração e volto a olhar pela janela. – E também entre em contato com nosso entregador de ouro branco, precisamos de mais.

"Certo senhor Vivale". Era sempre bom contar com a super audição de um Caimita. Ela desliga o telefone. Paolo me entrega um novo maço de cigarros e sorrio para ele. Como era dia, minhas presas não estavam mais aparecendo. Logo o motorista segue sem perceber nada.

—Importa-se que eu fume? – Pergunto ao homem ao volante já segurando um cigarro entre o indicador e o dedo médio.

—Fique a vontade senhor Vivale! – Ele responde sem tirar os olhos do volante.

—Trabalha com jóias agora Vicent? – Nina pergunta rindo ironicamente.

Acendo o cigarro ignorando-a, ela sabia que o ouro branco na verdade era cocaína que eu traficava da Colômbia. Expiro a fumaça pelo nariz e guardo o maço dentro do terno.

Seguimos em silencio observando o caminho. Seguimos o tempo quase que todo pela orla. Então finalmente chegamos onde ele deve estar, tinha vários humanos com cartazes e então consegui vê-lo, em cima de um carro, gritando coisas no microfone.

—ESTAMOS CANSADOS DE TANTA CORRUPÇÃO NESSE GOVERNO. CANSADOS DE TODOS OS DIAS LIGARMOS NOSSA TV E VERMOS MAIS UM GRUPO DE POLÍTICOS SENDO INDICIADOS E ESCANDALIZADOS.

Os humanos gritavam e aplaudiam enquanto ele falava. Sua aparência era o que mais impressionava. Ele vestia uma camisa branca de botão, calça jeans comum. Usava óculos e tinha os cabelos curtos. Ele tinha quarenta anos, desde o século XVII. Sua pele negra estava molhada pelo suor.

—Pode parar aqui mesmo! – Falo para o motorista.

Ele para o carro e saio. Nina e Paolo saem em seguida e seguem-me. Caminho por entre a multidão, afastando um e outro humano para abrir caminho.

—PRECISAMOS JÁ ACABAR COM ESSA DESCARAÇÃO NO GOVERNO. ESSA É A MINHA FUNÇÃO, ESTE É O MEU SONHO. QUE A FRASE "ORDEM E PROGRESSO" SEJA REALMENTE VERDADEIRA. NÃO ORDEM POR IMPOSIÇÃO, NÃO PROGRESSO PARA UM PEQUENO PUBLICO. QUERO QUE O GRUPO LGBT+ TENHAM SEUS DIREITOS ATENDIDOS, QUE OS JOVENS TENHAM UM ESTUDO DESCENTE. – Ele para um segundo para respirar e então me vê ali no meio da multidão, ele observa e então volta ao seu foco. – QUERO QUE OS IDOSOS TENHAM UMA APOSENTADORIA DIGNA, NÃO ESSE LIXO QUE QUEREM ENFIAR COM A REFORMA DA PREVIDÊNCIA.

Ele falava bem, na verdade, a oratória era algo que ele transformou em um dom. Português era um idioma que demorei a aprender. São muitas regras, uma palavra pode significar trezentas coisas diferentes. Fico observando por mais alguns minutos até que ele finalmente acaba. Alguns seguranças cercam-no enquanto ele segue até o carro que o levaria ao seu gabinete. Ele para ao meu lado e observa-me de cima a baixo.

—Venham comigo! – Ele fala olhando-me nos olhos. – Conversaremos a caminho de meu escritório.

Sigo-o até o carro. Ele para algumas vezes, tira fotos com algumas pessoas e entra no veiculo. Um dos seguranças abre espaço para nós.

—Paolo! – Olho para ele. – Venha com o motorista nos seguindo, aproveite e veja se consegue contatar o Caimita que cuida do ouro branco em solo brasileiro, quero que passe a ele o endereço que você pegará com Jeferson do hotel que ele conseguiu.

—Sim senhor Vivale! – Paolo acena com a cabeça, ainda falando em inglês e segue de volta à Mercedes.

Entro no carro de Hugo, o segurança fecha a porta. Nina estava sentada entre nós dois. O veículo começa a se mover lentamente a medida que as pessoas abriam caminho.

—Você ama chamar a atenção não é? – Nina pergunta a Hugo.

—Apenas pensei em fazer algo bom pelas pessoas deste país. Vivo aqui desde que nasci, há séculos atrás. – Hugo olhava pela janela. – Passei a vida como escravo em Pernambuco até ser transformado. Entendo o que é ter direitos negados.

—Certo... – Reviro os olhos e pego meu maço de cigarros. – Vamos falar do que interessa. – Olho para o motorista e o segurança na frente.

—Não se preocupe! São ghouls! – Diferente de mim e de Nina, Hugo não podia criar outros vampiros, os Iscariotes eram na verdade ghouls, criaturas brutais. Ao invés de se alimentarem de sangue, comiam carne humana. Seus olhos são vermelhos assim como o do seu patriarca. Hugo alimentava-se de sangue apenas, ele podia também dominar a mente de humanos, causar ilusões. – Desde que estejam alimentados, eles servem muito bem e mantêm sua aparência humana.

—Tudo bem! – Pego o isqueiro dentro do terno.

—Por favor, não fume aqui! – Hugo fala olhando o cigarro em meus lábios justamente quando eu ia acender. – Odeio o cheiro disto.

Reviro os olhos e devolvo o cigarro ao maço. Eu tinha esquecido o quanto ele me irritava.

—Pois bem! – Hugo começa a falar. – A visita de Miguel trouxe vocês aqui. Correto?

—Sim! – Nina fala. – Então vejo que ele te visitou também.

—Ele falou algo sobre um nephilim filho de Asmodeu. – Hugo suspira. – Vamos conversar melhor em meu escritório, tenho algo que precisam ver antes de iniciarmos esta conversa.

Aceno com a cabeça e ficamos o resto do caminho em silencio, observando o movimentar das pessoas na rua na manhã do domingo.