— Ragnar!

O padre veio correndo no grande salão de Kattegat. Vestia uma camisa de linho branco e sorria mais do que alguma vez já vira.

— Por que está sorrindo? - perguntou Ragnar.

— O Senhor veio até mim! – Athelstan respondeu sem fôlego. “Ele parece bastante emocionado”, pensou Ragnar, “será que resolveu aquilo que o atormentava?”

— O Senhor? - apontou para o teto. - Seu deus?

— Sim. Eu senti Sua presença. Ele veio na forma de luz.

— E ele falou? - Ragnar estava curioso, nunca em todos aqueles anos vira o deus cristão se manifestar em Midgard como Odin fazia.

— Não, ele não falou – respondeu com um sorriso – Mas eu ouvi Sua voz, e estou renascido.

— Como assim renascido? Como um bebê? - achou aquilo confuso.

— Eu redescobri minha fé. Sou um novo homem, renascido pelo amor de Jesus Cristo!

— Então você é cristão de novo?

— Com todo o meu coração, com toda a minha alma, como todo o meu ser – se pôs sério, mas ainda exasperado. – Eu não posso mais prestar culto aos seus deuses, então suponho que deva deixar Kattegat agora.

Aquilo o assustou.

— Como assim? Você não pode ir embora! - pôs as mãos em seus ombros, sentindo a tensão de seu corpo. - Você não pode me deixar! - se olharam por alguns instantes, Athelstan em sua frente parecia confuso. Então completou. - Eu amo você – deu uma respiração pesada e se soltou dele. - Você é o único em quem eu confio. Você deve ficar! E… - deu um passo para trás e olhou novamente para a nova forma que se vestia. - Fico feliz que tenha encontrado seu deus – sorriu.

— Mas… - Athelstan sibilou. - Eles…

Ragnar o abraçou.

— Jamais deixarei que ninguém te machuque, irei te proteger – “Vai ficar tudo bem, Athelstan, confie em mim”.

Foi a vez dele falar.

— Não importa para mim para onde eu vou – disse – Só me importa para onde você vai.

Em vez de responder, o abraçou de novo. O padre estava feliz, mas Ragnar tinha vontade de chorar. Aquilo devia ter consequências sérias.

Virou-se na terra e rastejou até a portinhola escondida. Para continuar teve que rastejar por um túnel pequeno e estreito onde mal conseguia respirar. Maldito seja, Ecbert, pensou. Quer reivindicar para si a minha morte? Continuou até o túnel se alargar e pode se por de quatro apoios, e então escalou para baixo, terminando em uma caverna.

— Como os porquinhos grunhirão quando souberem como o velho javali se sujou? - disse o rei inglês quando o encontrou na saída. Estava acompanhado de alguns homens a cavalo. Todos de confiança e de sua própria guarda, ele assegurara.

— Podia ter construído um túnel maior – respondeu. - As cobras…

— Ah, sobre isso, tome – deu-lhe um frasco transparente com um líquido vermelho. - Achei que seu filho tivesse lhe ensinado a rastejar.

— Onde está Ivar? - perguntou após ter tomado o antídoto.

— Foi escoltado pelos soldados de Wessex até seu navio e deve estar a caminho de casa, onde irá contar aos outros sobre sua morte e chamar os irmãos para se vingar do Rei Aelle. Por falar nisso, o que te providenciei está ali, e é melhor ir logo. Aliás, Ragnar – passou a mão direita pelo rosto, afagando o queixo. – Muitas pessoas o viram, então é melhor…

— Eu sei.

— Mais uma coisa – os soldados acompanharam uma pequena pessoa encapuzada até a frente. Ecbert revelou seu rosto claro e cabelos louros. - Lembra-se de Magnus?

— Mas o quê? - titubeou Ragnar. - Eu já disse que ele não é meu fi…

— Eu sei que você o negou porque tivesse medo que eu o matasse ou o usasse contra vocês. Meu filho também temeu o primeiro caso, e o mandou embora com suprimentos para ser socorrido por alguns de seus amigos nas vilas. É bastante duro, o meu Aethewulf, mas ele tem coração mole para certas coisas – limpou a garganta e afagou a barba – Pra ser sincero, eu de fato mataria o garoto, por ele ser uma ameaça ao meu reinado na Mércia, mas contanto que ele vá com você para a Noruega…

— Cuidarei dele – Ragnar respondeu.

— Seu barco está logo ali.

— Obrigado, Ecbert – deu dois tapas em seu ombro e acenou com a cabeça.

Os cavaleiros o escoltaram até a praia, onde encontrou um barco com velas geralmente usadas por comerciantes hispânicos, indicando neutralidade. Deu uma olhadela para os guardas, sorriu e começou a remar até o mar aberto. Abriu uma vela e deixou o vento fazer o trabalho de levá-lo de volta para casa.

Lá dentro encontrou seus pertences que foram apreendidos no castelo de Ecbert: Suas roupas, que logo vestiu, deixando as cheias de terra para o lado, suas pulseiras e seu machado, que passara a chamar de Cumpridor de Promessas. Magnus chamou:

— Senhor Ragnar.

— Diga, Magnus.

— Sobre aquela conversa no palácio de Ecbert… - o garoto pareceu nervoso – Eu sou realmente seu filho?

— Eu não sei. Pensando na sua mãe, seu pai pode ser qualquer um – Ragnar riu. - De qualquer forma, eu me comprometi a cuidar de você como se fosse meu. Irei te ensinar a lutar, caçar, pescar, sobreviver na neve, cortejar mulheres – passou a mão em sua cabeça, afagando os cabelos louros que tinha lhe dado. - À partir de agora, você é Magnus Lothbrok. - ao dizer isso, o garoto sorriu. Provavelmente teria muitas perguntas a fazer, mas tinham a viagem toda para isso.

Deitou-se para ver o céu nublado de inverno e então descansou. Nosso assentamento, que tivemos muito empenho para conseguir construir, tinha sido destruído. Podia ter dito isso ao povo, mas preferi não dizer. Em vez disso, eles descobriram sozinhos e passaram a me odiar. Não foi culpa minha. Eu não o destruí. E ainda quis que fossem comigo vingar a morte de seus pais, irmãos, tios, amigos, mas ninguém me levou a sério, mesmo depois de tudo o que fiz por eles… Olhou para o machado, que havia sido presente de Athelstan no primeiro saque que fizeram com ele ao Reino de Wessex. O padre havia o encontrado no armeiro da vila, e o ferreiro disse que pertencia a um cavaleiro andante chamado Eadwulf, o Impiedoso, que nascera e fora enterrado ali.

— Ele garante que é do melhor aço encontrado – tinha dito Athelstan.

— Obrigado, meu amigo – sorriu e pegou a arma. – Eu tinha prometido ao meu povo que lhes daria terras férteis, onde poderiam plantar, e agora, com esses acordos que podem vir com o Rei Ecbert, isso pode se tornar verdade. Chamarei o machado de Cumpridor de Promessas por causa disso.

Quando chegou à Kattegat, era um homem diferente, que certamente ninguém prestaria atenção. O Ragnar Lothbrok que conheciam era um velho careca e barbudo, morto pelo Rei Aelle da Nortúmbria e atualmente sendo consumido por um monte de cobras. Tinha feito a barba e deixado o cabelo crescer, ficando exatamente como era na época em que era fazendeiro. E quando digo exatamente, quero dizer exatamente mesmo, porque os personagens adultos de Vikings não envelhecem. Com os homens disfarçam, deixam a barba crescer, depois deixam a barba crescer mais e fazem uma trança no cabelo, depois deixam a barba crescer mais ainda e raspam a cabeça. Mas já repararam o Floki? Tudo o que eles fazem é alternar o corte dele entre as temporadas, tipo, o da primeira é igual ao da terceira, e o da segunda é o mesmo da quarta, aí agora ele assumiu o padrão de velho de ser careca e ter uma barba que vai até o umbigo. A vida dos vikings é medida em barba, ou seja, se o autor fosse viking ele seria imortal. Com as mulheres é ainda pior, a aparência delas é a mesma nos vinte anos de história. Olhem a Lagertha, por exemplo. Olhei na wiki, onde os fãs calculam o mais preciso o possível quanto tempo se passou, já que a série tá cagando em falar pra gente, e fala que ela tem 53 anos. 53 anos. Exatamente isso, e a série não se preocupou em fazê-la ter estrias, rugas, olheiras, nem nada relativo a idade. Não se importa com isso porque a beleza da Katheryn Winnick é tão hipnotizadora em você que acha justificável por achar que ela é uma deusa? Não, leitores, o nome disso que é falta de produção na maquiagem (devem ter gastado tudo na máscara do Vidente). Mas enfim, continuando:

Ragnar foi ao mercado de Kattegat e trocou algumas de suas pulseiras por suprimentos, assim teriam como se alimentar por algum tempo.

— ...e com mais estes pães de cevada e mel, dá a quantidade equivalente à sua prata – disse o comerciante. Ele tinha cabelo ruivo, olhos claros e uma tatuagem de águia no braço. - Me desculpe, senhor, mas nunca o vi aqui antes. São de outra cidade?

— Eu e meu filho somos de Bjerkøya – mentiu. Aquilo era até meio divertido. - Viemos até aqui comprar algumas coisas que faltam em casa e um machado pro garoto. Por que pergunta?

— Por nada. Tomem cuidado no caminho de volta para casa. A neve está ficando mais alta, e tempestades vêm vindo. Além disso, há um grupo de bandidos vagando pelas florestas. Eles chamam a si mesmos de Irmandade Cristã! Veja só.

— Irmandade Cristã? - riu daquilo. - Desde quando os cristãos são uma ameaça aos noruegueses?

— Sou sueco, e quando comecei a vir aqui há alguns anos eles já estavam atuando. Parece ser um grupo de monges escravizados por um Earl Não-Sei-Quem de Bostrak que no meio da noite se revoltou e o mataram. Em seguida mataram também todos os homens, atearam fogo no grande salão e usaram o sangue dos mortos pra pintar uma cruz na bandeira de machado negro num campo dourado, da vila. Levaram qualquer arma que encontraram, todo o ouro e metade dos suprimentos. Desde então vêm fazendo o mesmo em outros lugares que passam.

— Tomarei cuidado então – respondeu. Antes temíamos os gigantes, agora tememos a um tipo mais fácil de matar que um coelho aleijado.

Trocou outra pulseira, encrustada de ouro, por um shire, uma raça de cavalos trazida da Inglaterra, reconhecidos por serem do tamanho de um homem e conseguirem percorrer terrenos irregulares, como a neve. Montou no animal, colocando o garoto em sua frente, e partiram para casa. Casa, no caso, é como decidiu chamar a cabana que possuía na floresta, e onde Bjorn passara certo tempo aprendendo a sobreviver sozinho. Quando chegou lá, não encontrou nada de diferente. Já se fazem anos desde que alguém esteve aqui, pensou, examinando o local. Provavelmente ninguém vai vir aqui, muito menos alguém que me conheça. Se algum estranho vier, sou só um erudito com seu filho vivendo uma vida simples na natureza. Magnus estava bastante curioso; Kattegat era diferente de tudo o que já vira. As perguntas que fez no caminho só serviram para aumentar a curiosidade, e agora estava ansioso como nunca. Ele tem meu espírito aventureiro, pensou Ragnar, lembrando-se de quando tinha a idade dele. Mais tarde, as pessoas também me julgaram ousado ao navegar rumo a oeste. Arrumou um colchão de penas empoeirado e recoberto de penas, que serviria de cama ao garoto.

Deu comida ao cavalo e o colocou na baia coberta, e então entrou novamente e deitou-se na cama, colocando o Cumpridor de Promessas ao seu alcance no chão. Nunca contei sobre a destruição do assentamento, mas quem teria coragem, depois de tanta luta que tivemos para construí-lo? Eu sempre quis o melhor do meu povo. Fui eu quem os fez parar de pensar apenas em saques e passar a pensar numa possibilidade de futuro melhor, uma vida num local de terras férteis, onde as plantas crescessem e o gado não morresse. Mas ignoraram tudo isso. Fui rejeitado e humilhado pelo meu próprio povo, e até meus filhos não quiseram saber de mim. Apenas o Ivar se importou em ir comigo à Inglaterra, mas tenho quase certeza que é porque o Bjorn não o considerou apto para ir ao Mediterrâneo. E por que não aceitar a morte? Porque ainda não podia. Meu amigo Athelstan encontrou sua paz antes de morrer, já eu… Eu tenho minha cabeça cheia de dúvidas, precisava de um tempo para me encontrar, e agora posso. Cumpri minha promessa. E adormeceu.

— Temos que subir isso tudo mesmo? - perguntava Magnus, se esforçando na escalada.

— Você não quer ser um viking, Magnus? - respondeu Ragnar, passos à frente. - Vikings têm que ser fortes.

— Mas o que escalar montanhas cobertas de neve tem a ver? Não posso simplesmente continuar treinando?

O sexto filho de Ragnar não demonstrara força cedo como os outros, mas tinha seu potencial. Ubbe e Hivtserk não tiveram muito tempo comigo para que eu pudesse ensiná-los tudo, a não ser, é claro, como afogar sua traficante chinesa no rio. Sigurd e Ivar então, não aprenderam quase nada. Olhou para o garoto. Há uma semana treinavam com galhos e escudos, e em breve já poderia ensiná-lo a usar um machado. Ele está fazendo bastante progresso. Será com ele assim como foi com Bjorn. Irei torná-lo um guerreiro, e ele poderá se juntar aos irmãos nas invasões à Inglaterra e Mediterrâneo, lutará em paredes de escudos e fará a própria glória. Até lá já terei encontrado minha paz. Chegaram ao topo da montanha. Aquilo era mais que um teste para Magnus. Pediu para ele esperar, dizendo que ia conversar com os deuses, e então chegou à cruz de madeira desgastada que fizera há muitos anos.

— Athelstan… - se ajoelhou. - Faz tempo que não venho te visitar, eu sei, mas é que andei ocupado. Para falar a verdade, eu pensei que nunca mais fosse vir aqui novamente – recuperou o fôlego. Lágrimas saíam de seus olhos, e era difícil conter as emoções naquele momento. - Em todo o tempo sinto sua falta. Desde que morreu as coisas vieram abaixo, creio que tenha visto isso do seu céu cristão. - se ele existir. - Como eu te disse daquela vez, você era o único em quem eu podia confiar, o único que nunca me abandonou – suspirou, e abaixou a voz. - O único que já amei de verdade.

Olhou para a terra em frente a cruz. O terreno ao redor não tinha muita neve, o que possibilitou uma melhor visão dela. Estava lisa. Lisa como no dia em que cavou. O inverno tinha chegado, as árvores perderam as folhas e as plantas menores perderam o tamanho, claro, acontecia todo ano, mas havia uma gramínea por grande parte do solo. Para falar a verdade, por todo ele menos onde estava enterrado Athelstan. Já se passaram muitos anos e nada cresceu. Será a maldição do deus cristão sobre mim? Ou então… Não!

— Magnus! - chamou o filho no grito. O garoto veio correndo. - preciso que me ajude com uma coisa.

— Com o quê, senh… pai?

— Um amigo do seu pai está enterrado aqui embaixo – mostrou o túmulo. - Preciso que você cave aqui comigo – e começou a cavocar a terra sozinho.

— N-Não se deve mexer com os mortos, a m-mamãe disse…

— Apenas cave, miserável! - gritou, e de imediato Magnus veio ajudá-lo a tirar a terra. Cavocaram vários palmos de profundidade, mas não via nenhum sinal do manto branco que cobria o cadáver de Athelstan. - Não. Não. Não é possível, não! - berrou. O corpo havia sumido.

— Por que paramos de cavar? - perguntou.

— Magnus, saqueadores, eles… - ou seriam os próprios vikings? O túmulo de um homem comum era sagrado, mas de um cristão… - Eles tiraram o corpo de meu amigo daqui. Roubaram o que possuía – mas que fortuna foi enterrada com ele? Nos últimos dias ele absteve de todo o ouro e prata que havia lhe dado—, e depois usaram o corpo para alimentar os cães, lobos ou o que tivessem com eles. - lágrimas encheram seus olhos. O garoto parecia aterrorizado com a descrição e não disse nenhuma palavra, apenas sentou ao lado de Ragnar e o acompanhou no choro.

Desde quando me tornei tão fraco? Não devia ser assim. Eu devia ser firme, como fui a vida toda. A última vez que chorara havia sido na morte do próprio Athelstan. Antes disso, quando Lagertha e Bjorn o deixaram, e quando Gyda morreu. Eram as poucas vezes de que se recordava. Não posso. Tenho que ser forte. Se não por mim, pelo garoto. Olhou para o céu nublado, de onde a neve caía.

— Está ficando escuro – disse ao filho. - E uma tempestade vem aí. Tem uma caverna aqui perto, que te mostrei mais cedo, podemos passar a noite lá. Pode tapar o túmulo para mim enquanto busco água, lenha e comida?

— Posso fazer isso, pai.

Magnus era obediente. Nesse ponto se parecia mais com Ubbe do que com Bjorn. Um tempo depois, Ragnar havia feito uma fogueira, onde assava um coelho, e viu ele chegar com algo na mão.

— Fui por a terra de volta e achei isso lá – entregou a ele.

Ragnar reconheceu aquilo. Era a pulseira de cabeça de dragão que havia dado a Athelstan. Jurei que ele tinha jogado isso fora… Não me lembro de ter pego de volta para enterrar com ele. Apertou para sentir sua consistência metálica.

— Achei estranho, pai – disse Magnus. - Se foram ladrões, por que não levaram isso?

Suspirou e respondeu com a voz fraca:

— Magnus, vá dormir.

— Mas porq…

— Vá dormir. Amanhã conversamos.

Quando o dia começou, os dois desceram de volta para casa. O garoto não tornou a perguntar a mesma coisa que na noite anterior, o que deixou Ragnar satisfeito. Provavelmente entendeu.

— Pode ir entrando – Ragnar disse quando avistaram a cabana. - Vou dar uma mijada.

O filho foi marcando a neve com suas pegadas e então se pôs ao serviço. Seria Floki?, tinha ficado pensando. Seu ciúme era tão grande pelo cristão que poderia muito bem tê-lo desenterrado e deixado seu corpo ao relento. Não, ele teria tornado isso público. Iria pendurá-lo no mercado de Kattegat e só o tiraria de lá quando os corvos arrancassem o último pedaço de carne detrás de seus ossos. Virou-se para andar até a cabana quando o garoto voltava apressado pelo mesmo caminho.

— Tem alguém lá – sussurrou Magnus. - Eu o vi na baia.

— Ah, é mesmo? - levou o Cumpridor de Promessas à mão. - Que interessante. Me acompanhe, Magnus, vou te ensinar o que fazer quando alguém invade sua casa e lhe tira o que lhe pertence – foi até onde Magnus havia avistado o estranho e o viu, um monte de trapos costurados formando um manto com o capuz levantado. Atrás dele estava uma bolsa de pano que parecia estar vazia. A porta não mostrava sinais de arrombamento, então devia estar querendo apenas o cavalo. - Você aí! - chamou – O que quer na minha casa? Saia agora e não irei matá-lo – O que ele vai pensar? Sou só um velhote com uma criança. Posso dar cabo nele sozinho, mas será um problema se for de um daqueles grupos de saqueadores que me falaram no mercado.— Meus filhos também estão voltando da caça!

— Filhos? - respondeu se virando. Seu rosto estava coberto com um pano preto, deixando à mostra apenas os olhos azuis-esverdeados e um alguns fios de cabelo loiro, mas Ragnar reconheceu que era uma voz de mulher. - Seus filhos estão na Inglaterra, Ragnar Lothbrok.

— Quem… - Ficou surpreso com aquilo. Eu mudei a aparência para a de antigamente, estou mais velho e minha voz está diferente. Quem de mais de dez anos atrás estaria vivo e me reconheceria?— Como sabe quem eu sou?

— Nós nos vimos pela primeira vez há muito tempo – veio andando lentamente em sua direção. - Eu fiquei conhecida de seus filhos, em maioria criancinhas adoráveis que admiravam seu pai. O mais velho gostou de mim – riu. - Eu até fiquei com ele, o que não seria muito incomum hoje, já que agora várias conhecem o famoso Ironside – revelou o rosto, marcado por uma cicatriz conseguida em batalha.

Porunn.

— Achei que estivesse morta – disse Ragnar.

— É de você que todo mundo pensa isso – levantou os ombros. - Fez os coitados irem até a Inglaterra para vingarem uma morte que nunca aconteceu, e agora está de volta aqui com… outro filho, imagino? Você nunca soube quando parar – olhou para ele. - Qual é seu nome, garoto?

— Magnus – respondeu.

— Olá, Magnus, meu nome é Porunn – entendeu a mão para ele. - Fui noiva de Bjorn e mãe da filha dele. Isso faz de você minha família também.

Magnus devolveu o aperto de mão e Porunn sorriu. Ragnar suspirou:

— Bem, já que as introduções já foram feitas – andou até a porta, destrancou-a e pôs um pé do lado de dentro. - Venha, Magnus. Vamos servir um chifre de hidromel para sua cunhada.

Entre uma bebida e outra, Porunn contou o que havia feito após deixar Bjorn. Após um tempo na floresta, passou a viver em uma vila bem a leste dali. Fez amigos, virou aprendiz de ferreiro e passou a servir ao earl local como escudeira nos saques que fazia à Suécia. Contudo, manteve seu juramento: Não se casou, não teve filhos e nem esteve com mais ninguém desde Bjorn. “Até porque ninguém mais iria me querer desta forma” levou a mão ao corte quando falou sobre isso. Aquilo tudo era triste, pensou Ragnar, tão triste quanto a minha história. Então foi falar do fim da vila.

— Era o meio da noite quando fomos atacados. Vieram como sombras, sem que ninguém percebesse. Mataram o velho earl, o ferreiro que me acolhia e nossos guerreiros.

— Foram atacados por quem?

— Não sei, mas provavelmente não eram suecos. Derrubaram minha porta para me matar também, mas estava dormindo nua, então viram que eu era mulher e saíram, marcando a porta com uma cruz de sangue. Desde então todos foram embora de lá para outras vilas. Isso foi há alguns meses. Tenho vivido na floresta novamente desde então.

Porunn foi permitida a ficar. Ragnar pensava muito sobre deuses desde a morte de Athelstan, e mais ainda desde que voltara, afinal havia sobrevivido para encontrar a paz consigo mesmo. Athelstan sempre dizia que Deus gostava que praticassem a bondade, então Ragnar ofereceu o quarto vazio para ela dormir até o fim de inverno. Com as semanas se passando e os dias ficando cada vez mais curtos, Ragnar pensou que talvez fosse hora de estocar mais comida.

— Caro Deus – estava ajoelhado no bosque em frente a cachoeira, dedos das mãos entrelaçados e olhos fechados. - Qualquer um que seja. Se o Senhor existir, e se o Senhor estiver aí, por favor, preciso de um sinal. Qual caminho é o certo? Devo ser cristão? Devo voltar a ser pagão? - sentiu-se emotivo para dizer a próxima parte, mas não se deixou chorar. - Se sim, poderei ver meu amigo Athelstan novamente quando morrer? Eu preciso saber disso, Senhor, eu te peço.

Mais uma vez sem respostas. Talvez viessem mais tarde, mas Ragnar duvidava disso. Nem Athelstan tinha fé na maior parte de sua vida. Por que eu teria? Chegou na cabana ao mesmo tempo que Porunn e Magnus, carregando um animal morto.

— Como foi a caça? - perguntou ao filho.

— Porunn me ensinou a caçar um javali, veja! – mostrou o bicho gordo que ela carregava. - Atirei a minha lança pra quebrar a perna dele, e depois a enfiei no seu peito – disse com orgulho.

— Que bom, meu filho – Ragnar sorriu. - Preciso que vocês dois venham comigo até Kattegat.

Com um pouco de dificuldade, os três ficaram montados no cavalo. Era grande em altura, mas não tinha espaço o suficiente para tantos. O lago por onde antes haviam passado agora estava totalmente congelado, o casco das árvores parecia mais ressecado e a neve estava mais alta. Sabia que em alguma hora uma onda de tempestades começaria, e não iria cessar até o fim do inverno. Vestida com o capuz e o manto cobrindo boa parte do rosto, Porunn animou a viagem contando a Magnus a história de como os anões fizeram o martelo de Thor. A única filha que ela teve morreu cedo, assim como Magnus perdeu sua mãe quando era muito novo. Porunn é uma boa influência para ele, concluiu, com ela, pode aprender a ser um verdadeiro viking. Chegou em Kattegat quando Loki fugiu para não ter sua cabeça arrancada por Brokk.

— Quero trocar este cavalo por outros três. O senhor havia me vendido por um grande peso de prata e ouro – entregou uma pulseira de metal ao cavalariço. - Creio que isso cobre o resto.

Entregou um cavalo para cada. Disse a Porunn:

— Preciso que vigie o meu até que termine de comprar o resto.

— Mas são três – ela estranhou. - Vai buscar algum filho que deixou em Paris?

— Este – Ragnar apalpou o lombo do animal com um suspiro. - É seu.

— Está me dando? Bem, eu… Obrigada, senhor Rag… - se interrompeu no último instante. - É muita bondade de sua parte.

— Não foi nada. Você é parte de minha família, filha, então é meu dever cuidar de você. Assim que o inverno acabar, poderá usar o cavalo para continuar sua jornada, se quiser.

— O senhor é muito gentil.

Um bom samaritano, diria Athelstan.

Após comprar tudo, foi carregando para perto do grupo quando uma mulher esbarrou nele. Em seguida, outra fez o mesmo, andando em sua direção e passando como se não estivesse ali. Chegou até onde os cavalos estavam e só encontrou Magnus. Perguntou onde estava sua guardiã, e ele apenas respondeu que ela havia ido na direção da vila. Quando olhou para lá, viu um grande contingente de mulheres indo naquela direção. Não. Será possível? Foi correndo para lá, encapuzado e com o machado na mão. Abriu caminho e viu, no centro delas, um homem forte, barba castanha e camisa azul sob um manto de lã escura. Então foi até à mulher encapuzada quando a avistou.

— Ei – chamou a Porunn. - O que está havendo? Por que veio aqui?

— Não sei – ela respondeu. - Eu senti alguma coisa me chamando, e… e quando percebi eu já tinha chegado.

Duas mulheres estavam com ele no alto de uma carroça vazia que lhe servia de palanquim. Entre os suspiros de prazer que ouvia, ele as disse:

— Thyri e Hild – ao dizer o nome de cada uma, segurava-a pelo queixo e beijava seus lábios. - Vocês disseram que me amavam, não é mesmo?

— Sim – responderam em uníssomo.

— Hild – chamou a que estava deslizando em sua lateral. - Por que tocas em meu corpo?

— Porque me dá prazer… - respondeu, quase sem fôlego. - E eu gosto. Se pudesse, não tocaria em mais nada além dele – passou a mão direita em seu peito.

— Thyri – chamou a outra. - Sua amiga aqui disse que não queria tocar em nada além de mim. Está certo, Hild?

— Sim – Hild respondeu. - Isso mesmo.

— Então – virou-se novamente para Thyri. - Por que não a ajuda? - lhe entregou um machado. - Corte suas mãos, para que nunca mais toque em nada além de meu corpo.

— Mas que merda? - Ragnar sussurrou alto para Porunn. - Elas vão fazer isso mesmo? - Porunn ficou em silêncio, parecendo tonta.

Thyri pegou o machado e golpeou a primeira mão que Hild havia estendido. Como ela não tinha muita força, a lâmina não decepou a mão, apenas fez um corte de onde jorrou bastante sangue. No entanto, nenhuma das duas demonstrou alguma expressão além de sorrir e parecerem possuídas pelo homem. Talvez estejam.

— Asgerd – chamou outra mulher do grupo, e de imediato ela veio. - Sua amiga não está conseguindo concluir o serviço rapidamente, e estou muito entediado. Por que não chupa o meu pau enquanto espero?

— Sim, Harbard – ela respondeu, se ajoelhando. - Faço tudo por você.

Ragnar andou até lá, tirou a mulher do caminho e se pôs de frente a ele.

— Seu nome é Harbard?! - perguntou com um grito.

— Achei que já me conhecesse. É novo aqui? - sorriu. - Parece que tenho que visitar este lugar mais vezes então.

— Você se deitou com a Rainha Aslaug em alguma das vezes em que esteve aqui?

— Asslog? Não me recordo desse nome, mas acho que sim. Era esposa do rei daqui, não era? - gargalhou ao se recordar da história. - Oh, pobrezinha, não tinha muita ajuda para cuidar das criancinhas, e ficou ainda pior depois que uma das criadas dela foi afogada pela filha morta. Mas a culpa não é toda minha, é claro, também tinha aquele marido que nunca via. Ele não conseguia cuidar dos filhos, então eu tinha que fazer isso por ele – olhou para Ragnar. - E quem você seria?

— O mesmo que você será – levantou o machado. - Um homem morto.

Harbard recuou do primeiro golpe, mas o machado fez uma linha de sangue em seu peito.

— Ragnar! - o grito veio de Porunn, que parecia ter acordado. - Atrás de você!

Ao se virar, percebeu que agora ele era o centro das atenções das mulheres da vila. Mas não da forma que gostaria.

— Dispersem! - a ordem veio de uma voz de mulher do grande salão. Ragnar estranhou, porque a reconhecia.

Não foi dessa vez que havia matado Harbard, conseguindo apenas quebrar uma de suas costelas antes de ser arrastado pelo exército de devotas que se juntou para defendê-lo. Aind pode ver o possível Odin/Loki/Mr. Catra fugir cambaleando para as montanhas. Após ter sido pisoteado, foi posto de joelhos e prostrado diante a quem vinha. A voz era de Torvi… Lagertha a deixou para cuidar de Kattegat enquanto esteve fora? Não conseguia ver quem estava lá, pois o capuz agora tapava a visão.

— O que aconteceu aqui? Quem causou o tumulto? - Torvi perguntou.

— Este homem atacou nosso bom senhor, um andarilho amigável que sempre vem nos visitar – disse uma a frente dele, que devia ser a tal Thyri. Será que a amiga dela ainda está sangrando até a morte? Num caso desses, ela iria para Valhalla ou não?

Deve ser mais um dos enviados de Harald— escutou alguém sussurrar bem baixo.

Sim— concordou Torvi. - Foi o que eu pensei.

— Deixe-me ter uma palavra com este verme infeliz que se encontrou no direito de invadir minha cidade – disse a mesma voz.

Quem em nome de Hel… Não, eu conheço essa voz. Por favor, ela não. O que ela está fazendo aqui, para início de conversa? Achei que ela fosse… Então ficou em sua frente.

— Eu tenho uma mensagem ao Harald. Parece que a morte do Egil não foi suficiente, então ele deve aprender a não foder conosco – continuou Lagertha, a Rainha de Kattegat. - Antes, tragam ferro em brasa. Vamos marcar o rosto deste bastardo para devolvê-lo da forma em que o outro veio.

Lagertha tirou-lhe o capuz, e então se viram novamente. Quase desmaiou, sendo segurada por uma mulher loira que Ragnar não conhecia. Tremendo, olhou para ele novamente. Eu estou como quando era fazendeiro. Ela provavelmente irá pensar que está alucinando.

— Ragnar… - Lagertha pareceu estar se sufocando quando disse aquilo. - M-Mas como…

— Por que não foi vingar minha morte, Lagertha?

— Prende ele! - gritou uma das devotas.

— Ele merece sofrer! - outra seguiu o rumo. - Acabem com ele! - as devotas avançaram novamente para espancá-lo, entrando em confronto com as guardas da vila. Lagertha, porém, não disse nem fez nada, como se estivesse paralisada.

Na confusão, conseguiu se soltar e foi puxado por Porunn, que estava brigando com algumas das devotas próximas. Conseguiram abrir caminho e saíram correndo sem olhar para trás.

Magnus!— Ragnar rapidamente subiu em seu cavalo. - Estamos indo para casa. Nos acompanhe!

— S-Sim, pai, tudo bem – concordou e partiu a galope.

Os três partiram de volta para a cabana. Depois de um tempo, olhou para trás e ficou aliviado ao perceber que não estavam sendo seguidos ainda. As pegadas na neve seriam um problema, mas uma tempestade resolveria isso. Ao chegar, já estava escurecendo e se reuniu com os dois na mesa da casa.

— Ragnar, creio que isto é seu – disse Porunn, lhe devolvendo o machado. - A mulher que te segurava tentou me matar com ele.

— Obrigado – respondeu. Porunn havia perdido o lenço que cobria a face e cortou o capuz quando foi segurada por ele enquanto fugia. Sendo assim, seu rosto machucado estava exposto para Lagertha ter mais alguém para reconhecer quando os encontrassem.

— Pai, aquelas pessoas que estavam atrás de você… - disse Magnus.

— Está tudo bem, elas não virão até aqui – disse Ragnar. A loucura delas já deve ter passado a esta hora. - Mas não estamos seguros. Lagertha virá procurar por mim, tenho certeza, e ela não pode me ver de novo, ou saberá que estou vivo. Devemos sair daqui.

— Mas para onde? - perguntou Porunn.

— As vilas a oeste daqui estão sob controle de Lagertha, então é melhor não ir para lá. Ao sul está Kattegat, e o norte é gélido e quase desabitado. Vamos para a Suécia. Creio que conheça o caminho.

— Tem certeza? Eles dizem…

— Foda-se o que eles dizem. Arrumem as coisas, partiremos já – os dois assentiram.

Magnus pegou o que precisavam que estava guardado, Porunn levou todas as armas para fora e as dividiu para cada um carregar consigo e Ragnar foi inspecionar o terreno e ver por onde passariam. Talvez possamos dar a volta e depois seguir a norte, e aí… Escutou aquelas mesmas vozes vindo de longe.

— Tem certeza que é por aqui? - perguntou aquela mulher loira de antes, à frente das outras.

Estavam logo abaixo do morro. Ragnar se escondeu entre as pedras ao lado de uma árvore seca.

— Sim, Margrethe – respondeu Lagertha, vindo acompanhada de três de suas aliadas, sendo as outras duas Torvi e Astrid. - Meu doce Ragnar e eu costumávamos vir aqui.

— Tem certeza de que é ele? - perguntou Astrid, desconfiada. - Achei que ele havia morrido. Se estivesse vivo e em Kattegat, por que os filhos iriam à Inglaterra vingar a morte dele?

— Eu sei que é ele. Vocês duas não o reconheceram por causa da barba, mas Torvi o reconheceu, não é, Torvi?

— Sim – concordou ela. - Um pouco diferente do que eu me lembrava de quando ele era jovem, mas parecia ser ele mesmo.

— Tem certeza de que não era o Ubbe? - perguntou Astrid.

— Silêncio! - ordenou Lagertha. - Pode ter alguém ouvindo. Vamos continuar subindo.

Hora de partir, pensou Ragnar enquanto saía correndo dali.

— Tem alguém lá em cima – percebeu Margrethe.

— Ei! - gritou Lagertha. - Atrás dele, vamos! - partiu a galope e as outras vieram atrás.

Montou no cavalo às pressas e partiu na frente, sendo seguido por Magnus e com Porunn na retaguarda. O grupo de Lagertha chegou até lá.

— Não deixem que eles escapem! - disse Torvi.

Desceram por outro caminho, um estreito e pedregoso, tendo que diminuir a velocidade, e em seguida adentraram uma floresta. Continuaram a cavalgar por meia hora, avistando as perseguidoras à distância, até que depois de um tempo não as viam mais. E então começou a ventar forte, e Ragnar Lothbrok desviou o curso para perto de uma montanha.

— Ragnar – chamou Porunn. - O que houve?

— Uma tempestade está vindo.

E ela durou dias. Passaram esse tempo num túnel aberto no monte, onde havia água e um local arejado, mas menos frio. Ao final dele devia ter algum tesouro enterrado, mas não deviam mexer. Os deuses ficariam furiosos se tirássemos de alguém o que guardou para Valhalla…

— E se elas aparecerem? - perguntou Magnus.

— Não irão – respondeu Ragnar. - Deve ser a terceira noite que passamos aqui e não vieram ainda. Como só Torvi, além de Lagertha, me reconheceu, não estão muito confiantes sobre isso, e de qualquer forma não compensaria entrar na tempestade para nos procurar.

— Espere, você disse Torvi? Ela estava aqui? - perguntou Porunn.

— Sim – respondeu. - Por quê?

— Mas como?! Eu tenho certeza que vi ela morrendo na invasão de Kattegat, ela tinha caído no campo de batalha com uma flecha no peito e fechou os olhos, sem expressão como sempre.

— Não, Porunn, o nome disso é teasing. Os produtores da série fizeram isso porque pensam que a gente se importaria com a morte de uma personagem sem graça de pano de fundo que agora tem mais tempo de tela que personagens como o Rollo.

— Eu deveria ir dormir.

Tomando bastante cuidado com a neve ainda espessa, foram passando com os cavalos até o destino. Usavam as poucas horas de luz para cavalgar sem parar, e quando escurecia passavam a procurar abrigo em algum lugar. Desde que saíram da cabana perto de Kattegat até então deviam ter se passado duas semanas. Desse jeito só chegaremos à Suécia no próximo inverno. Tentava não perder a noção, como fizera após a morte de Athelstan, mas parecia cada vez mais complicado. Se alguma chinesa aparecesse, com toda a certeza roubaria suas drogas.

Num dia escureceu rapidamente, e passaram várias horas andando no campo aberto, sem sinal de outra coisa a não ser uma tempestade que estava por vir, quando Porunn apontou:

— Tem uma casa ali.

Era um local um pouco grande, então Ragnar pensou que fosse uma estalagem. Ao entrar com o filho e a nora, viu algumas pessoas sentadas em mesas e bebendo. Ao fundo, sentado num banco mais alto, estava um tocador de bandolim. Várias velas iluminavam o ambiente, deixando à mostra seus vários brasões que Ragnar não conhecia pendurados nas paredes.

— Esteve aqui quando veio à Noruega? - perguntou à Porunn.

— Não – respondeu. - Não fazia ideia de que existia. Devo ter pego outra rota.

— O que vão querer? - perguntou a estalajadeira do outro lado do balcão. Era uma menina, devia ter mais ou menos catorze anos.

— Estadia para esta noite, e também trouxemos cavalos, estão lá fora. Tem galinha assada? Vou querer galinha assada, e também cerveja – despejou as moedas em cima do balcão e a garota começou a contá-las. - Mas também quero que responda à minha curiosidade: Quem abre um lugar desses no meio do nada?

— Como assim no meio do nada? Não passaram por Aremark?

— Aremark é por aqui? - já tinha ouvido falar da cidade na fronteira, conhecida por suas abundantes minas de ferro e invernos severos.

— Sim, é aqui perto. A maioria dos que vão para Håbol, Kalrstad e Vänersborg param aqui.

É isso, estamos perto. Abriu um sorriso. Naquela noite comemoraram.

— Onde conseguiu dinheiro? - perguntou Porunn, arrancando um naco de carne.

— No túnel, ué – para os deuses fazerem algo contra mim, teriam que existir primeiro.

— Certo… o que diremos aos earls da Suécia quando entrarmos lá?

— Que somos fazendeiros vindos de uma vila que foi saqueada, eles vão acreditar.

Reparou em alguns homens o observando na outra mesa. Será que me reconhecem? De qualquer forma, seria burrice ficar tão perto da fronteira. Iremos mais ao sul, onde tenha mar, navios e saques, de preferência. Naquela noite conseguiu dormir. Guardou o machado ao lado da cama e deitou-se. Mais uma vez, eu cumpri minha promessa. Honrei meu machado e aquele que me deu. Se não é essa a paz que tanto busquei, estou perto de conseguí-la.

Quando amanheceu, sentiu o chão deslizando embaixo de si, e então percebeu que estava sendo arrastado. Também haviam amarrado suas mãos e pés e não conseguiu se soltar.

— Tem certeza de que é ele mesmo? - viu seu carregador perguntar.

— Ele bate com a descrição – o outro respondeu. Ambos vestiam uma túnica marrom bastante castigada, rasgada em vários cantos. No que que estava à sua frente conseguiu veruma cota de malha por baixo. - Vamos levá-lo.

— Quem são vocês? - perguntou Ragnar.

Não responderam, recebendo de volta um chute na cabeça. Foi posto de pé, ainda amarrado, num local aberto e longe da estrada. Estava cercado de um monte de homens com aquele mesmo vestuário, alguns com pano branco-acinzentado em vez de marrom, e no peito uma cruz vermelha. São roupas de monge. A tal Irmandande Cristã existe, afinal. Havia um ao fundo, assentado num banco de pedra, encapuzado e com o rosto escuro abaixado. Seus olhos brilharam naquela escuridão quando o olhou, e então sussurrou alguma coisa no ouvido de um ao seu lado, e este se pôs de pé, ao centro. Porunn e Magnus também foram trazidos, porém mais gentilmente.

— Ei! - chamou Ragnar. - Estão bem? Fizeram algo com vocês?

— Estamos bem – responderam.

— Ragnar Lothbrok – disse o que havia ouvido o sussurro. - Finalmente o encontramos.

Ragnar riu daquilo.

— Ragnar Lothbrok está morto, seus filhos foram à Inglaterra vingarem-no. Se vocês cristãos rezassem menos e observassem mais, talvez veriam que…

— Pare com essa atuação, Ragnar, nós sabemos a verdade – ele continuou. - Nosso líder os reconheceu, você e a garota da cicatriz, Porunn.

— E quem seria esse seu líder? - Teria Rollo vindo até aqui, fundado um grupo de fanáticos e saqueado vilas só para me trair pela terceira vez? O homem sentado abaixou o capuz e revelou seu rosto. Uma parte estava decomposta, comida pelos vermes da terra, e a cor do corpo havia sumido, como se o sangue tivesse parado de circular. Na sua gargante havia um corte que só podia ter sido feito por um machado. - Não, você… Isso é impossível, você estava morto...

— E ele estava, mas foi trazido de volta pela graça de Deus. Nosso antigo líder, Edelwold, era um santo, embora ainda não tenha sido canonizado. Todos nós conhecíamos a história de Athelstan, um monge que como nós veio pregar a palavra de Deus para os pagãos, e foi assassinado a sangue frio por um dos que jurava protegê-lo. Então o tiramos de uma cova com uma cruz e Edelwold fez uma oração, e passou a chama de sua vida para Athelstan.

— Eu não o matei!

— Não, Floki me matou – Athelstan se pôs de pé. Sua voz saía fraca, devido ao corte que sofrera. - Mas você jurou me proteger naquele mesmo dia, e deixou que isso acontecesse. Meu sangue está em suas mãos, Ragnar Lothbrok!

— Athelstan… - tentou perguntar o porquê de tudo isso, mas as palavras simplesmente não saíam.

— E o que fez com Floki? Deu a ele o comando de seu exército na invasão de Paris.

Eu o prendi.

Bjorn o prendeu, enquanto você ignorava seu povo.

— Eu o amarrei numa caverna, deixando um veneno de cobra cair sobre sua cabeça.

— Deu a ele uma misericórdia que ele não me deu. E depois disso, ele voltou a conviver com vocês, e está na Inglaterra com seus filhos. Eu não – olhou para dois cristãos, que Ragnar reconheceu da estalagem. - Levem-nos ao palanque.

Arrastaram Ragnar, Porunn e Magnus até o local elevado e os puseram de pé em um bloco de madeira para cada, e colocaram cordas ao redor de seu pescoço. A morte viria por enforcamento.

— Achamos isso também, senhor – o que havia carregado Ragnar lhe entregou sua arma.

— Meu machado… - sibilou Ragnar. - O Cumpridor de Promessas.

Cumpridor de Promessas? - o orador de Athelstan repetiu a sua fala em voz alta. - Está mais para Quebrador de Promessas. Serão mortos aqui mesmo.

— Esperem! - gritou Ragnar. - Sou eu que vocês querem, não eles! Pelo amor que vocês têm ao seu Deus, Porunn e meu filho são inocentes, não os matem!

Athelstan se aproximou novamente para ser ouvido.

— Temos uma proposta para você, Ragnar. Se a fizer, deixaremos os três viverem.

— Por favor… Eu faço qualquer coisa…

— Volte para Kattegat, retome o posto de rei, mate Floki e pare com os saques contra os reinos cristãos. Tenho certeza de que os califados do Mediterrâneo satisfarão seu povo.

— Não. Não posso fazer isso, não depois de tudo.

— Então o sangue deles está em suas mãos.

Quando o peso abaixo saiu, sentiu-se sufocando e se debateu, até que parou, e a luz sumiu de seus olhos, definitivamente.

Floki chegou à Islândia com sua tripulação. Resolveu fazer uma excursão pela ilha sozinho, quando reconheceu o velho amigo. Deuses, ele pensou, é ele mesmo? Está sem barba, e o que houve com o rosto dele…

— Ragnar! Então está vivo?

— Claro que não, eu sou obviamente um da Irmandade Cristã usando um feitiço para parecer com o Ragnar. Mas vamos deixar um teasing pra iludir os fãs até o próximo livro, beleza?

— Pode ser.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.