Apenas um olhar

Capítulo 135:


Juntar os cacos e seguir em frente, mesmo que em meio a tantas sombras do passado... Era uma boa definição do que Anita tentava fazer nos últimos dias.

— Pronto o melhor sanduiche do mundo, pra garota mais linda do universo. – Ben entrou segurando uma bandeja, a empurrar a porta alegremente.

— A Vera me deu ordens claras de que eu precisava fazer você se alimentar. – o rapaz afirmou com resignação para cumprir a tarefa, apesar de conhecer muito bem a teimosia da amada. – Anita, Anita! – chama ele, com certa insistência ao perceber a garota longe e se quer prestando atenção em sua presença ali.

— O que? – Anita despertou de seus pensamentos longes, finalmente notando a bandeja a sua frente sobre a cama, com o peso de seus pensamentos ainda a afetando.

— Tá acontecendo alguma coisa, que eu não saiba. – Ben quis saber a fitando com astucia, por vezes percebia a menina aérea, e garantindo até com excesso de insistência que estava tudo bem, quando ele questionava.

— Não, não eu, só estava, nada deixa pra lá, bobagem. – Anita maneou a cabeça sem saber ao certo o que explicar, nem ela mesma estava conseguindo assentar todos os seus devaneios, quem dera conseguir dizer isso a ele de uma forma que fosse coerente.

— Trouxe um lanche pra você. – ele também não sabia como abrandar os devaneios da garota, porque no fundo os anseios dela era os mesmos seus, onde nenhum tinha muita coragem de confessar tal verdade.

— Deixa aí, depois eu como. - Anita sugeriu ainda aturdida, apetite não era muito seu fortes nos últimos dias de fato.

— Não mesmo. – Ben olhou em negação para ela. – Porque segundo a Vera e aquele médico lá, você precisa comer melhor , e é justamente isso que você vai fazer e agora. – ordenou o rapaz com um olhar sério a ela, que bufou com desgosto. Encarando o copo com suco que ele insistia em lhe entregar.

— Aquele médico, porque você esta falando do Eduardo assim. – Anita intrigou-se com o tom de voz sisudo com que ele proferiu tal alegação, mas quis compreende-lo agindo com tranquilidade. Talvez fosse só uma percepção equivocada, e o tom irritadiço que pressentiu na voz de seu amado, fosse tão somente bobagem da cabeça dela.

— Ah entendi, agora não é mais doutor Eduardo, a forma de tratamento também mudou. – questionou Ben de supetão, e com toda impaciência, ele não segurou seus pensamentos para si, e acabou os concretizando em palavras ríspidas e aborrecidas na direção dela. Talvez nem estivesse mesmo pensando direito em tal confronto, eles tinham tantos problemas urgentes, e ele somente seria alguém tão imaturo com o pronuncio das palavras cuspidas sem hesitação.

— Como também. – Anita endireitou o corpo, ainda perecendo confusa com a conversa que os dois haviam iniciado.

— Ué agora vocês parecem bastantes amigos, e não que você seja somente paciente dele. – Ben respondeu, querendo transmitir uma calma que definitivamente não estava com ele, sua intenção não era lançar nenhuma desconfiança em cima de Anita, porém uma inquietude foi se instalando dentro dele pouco a pouco, nos muitos dias que se passaram, e toda vez que o nome de seu grande amor era associado ao nome do jovem médico, tudo parecia piorar um pouco mais, aquela sensação nova que se manifestava dentro dele, algo que o corroía devagar e severamente, e a “cereja do bolo”, a “gota d’água”, foi o abraço forte e emocionado que viu Anita trocar com o rapaz no hospital naquela manhã.

Anita olhou para Ben, querendo entender com exatidão o que estava acontecendo entre os dois, que as mágoas pareciam mesmo, não terem sido sanadas todas de uma única vez, ela desconfiava, mas aquilo que acontecia ali agora, era algo novo e inesperado para ela, então a moça somente viu confusão permanecer em si.

— Benjamim será mesmo que eu entendi direito. – ela finalmente se manifestou, diante do silêncio mordaz entre os dois. – Você tá com ciúmes, de um cara que eu conheci no pior momento da minha vida. – exalou certa revolta ela.

— Você também não me conheceu em um momento tão bom, e digamos que numa situação que se tornou pior ainda, e mesmo assim você se apaixonou por mim... O rapaz soltou afoito, mirando os olhos dela, e deixando apenas um silencio ensurdecedor reinando pelo lugar, onde somente as respirações de ambos era ouvidas.

— Já que você, quer colocar as coisas as claras. – Anita depositou o copo com suco que ainda segurava sob a bandeja, antes que ele se tornasse uma “arma letal” para evitar que aquela conversa acabasse da melhor maneira possível, já que por um único segundo, movida por revolta, ela cogitou jogá-lo contra Ben. – E essa tal de Taís hein, ela roubou só teu emprego ou quer roubar você de mim também. – ela cobrou dele dessa vez, o que viu e ouviu pelos corredores do casarão nos últimos dias.

— Se é que você ainda é meu, depois de todas as burradas que eu fiz. – Anita apertou os olhos em um choro que dessa vez ela não queria jamais protagonizar.

E o silencio, parecia dizer o que os dois não tinham coragem, toda raiva e revolta os perturbavam amargamente ...

De cabeça baixa, Ben terminou de ouvir os relatos da garota. – Anita eu... – proferiu ele esfregando os cabelos em um gesto nervoso.

— O Ben, meu filho tem telefone pra você. – Vera surgiu na porta apressada.

— Você sabe quem é Vera. – o rapaz perguntou, impactado com a interrupção.

— A respeito de um currículo, que você deixou no shopping. – a mulher alegou, mal notando o clima ruim entre filha e enteado.

— Eu vou ter atender. – Ben deu um sorriso fraco para ela, querendo amenizar a tensão.

— Pode ir. – a menina disse compreensiva.

— Eu volto, pra nós terminarmos a conversa. – ele afirmou depositando um beijo doce na testa da garota. A garota escorregou o corpo até o colchão, se sentindo farta pelos dilemas dos dois, e pela falta de privacidade, que sempre os impedia de ter uma conversa definitiva.

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— Já voltou. – Anita ergueu-se do sofá onde lia um livro totalmente presa a sua leitura, no segundo que ouviu o ruído de alguém batendo a porta, a moça marcou a pagina do livro a dobrando de leve e o levando consigo, quando rumou lentamente até a porta saltitando de alegria, apesar da quase discussão de mais cedo, ela estava ansiando pelo retorno de Ben, depois de muito refletir sobre tudo, a garota só teve a certeza de que nenhum mal entendido, seria forte o suficiente para os afastar de novo, seu peito se encheu de esperanças.

O que Anita não previa, era a angustia que aquele encontro a traria...

O sorriso dela desmanchou-se quase que automático, como uma escultura de gelo que foi exposta ao sol, quando constatou estar bastante equivocada, quanto ao vulto que tocava abrupto e impaciente. – Hernandez. – repetiu ela com extremo pesar, fitando a figura do hondurenho.

— Oi Anita. – Hernandez sorriu de canto, um sorriso tímido, assustado, arisco... ele hesitou muito em bater na porta da garota, mas viu ser aquela sua única alternativa, agarrar-se a Anita, era sua última opção de salvação, em meio a um mar revolto e impiedoso, saberia que não seria nada fácil, porém viu-se na obrigação de tentar.

— É, eu... – Não tem ninguém em casa, eu to sozinha. – Anita respondeu com a voz saindo rasgada por sua garganta, o coração pulando no peito, enlouquecidamente. Desde que saiu do hospital vinha se sentindo estranha em alguns momentos, como se não estivesse no controle de seu próprio corpo, as pernas fracas e muitas vezes bambas, mãos trêmulas, o coração batendo rápido demais, até quando ela acordava de um sono profundo, temia tanto estar ficando doente novamente, que resolveu não confidenciar aquilo a ninguém, com certeza o que ela não queria jamais, era ter que voltar novamente para uma cama de hospital...

E agora olhando Hernandez, ali em sua frente, lhe encarando com aquele olhar piedoso e cordial, ela viu os sintomas que antes eram até suportáveis, ficarem um pouco piores.

— Eu sei, vi quando o Ben, foi embora. – o latino confessou estar na janela de casa, cuidando a hora que Anita ficaria totalmente sozinha.

— Na verdade, ele saiu rápido pra resolver um problema com uma vaga de emprego que ele se candidatou, mas daqui a pouco ele vai estar de volta, enfim... – Anita não soube como abordar assunto algum com o padrasto de Ben, apenas viu-se tropeçando nas palavras desconexas que dizia.

— Sim. – Hernandez assentiu com desgosto. – Eu vim falar com você. – o homem finalmente confessou aturdido. Deixando Anita ainda mais alarmada, não pensará que teria qualquer assunto que fosse com Hernandez.

— O que exatamente, Hernandez você me desculpa, mas nós não temos nada pra falar. – discursou Anita, querendo concentrar o máximo de forças e convicções para manda-lo embora dali imediatamente. Ela não queria ouvir nada do que ele dissesse.

— Anita, eu peço, por favor. – o hondurenho também usou de pura determinação.

— Por favor, peço eu... – a menina cortou o homem com certa impaciência, sendo demostrada mesmo sem ela querer. – Hernandez vai embora, eu não quero discutir com alguém, não agora. – intimou Anita, dando alguns passes para longe de Hernandez, se ela estaria certa imaginava ao menos um pouco o que poderia ser a pauta do assunto, e definitivamente não queria tocar em tal, nunca mais, se fosse possível.

— Pois eu não posso, porque eu vim aqui, como um pai, um pai desesperado, sem rumo, aflito... - Hernandez resistiu em acatar o pedido da moça, por mais que visse toda aflição em seus olhos. – Um pai, que não sabe mais o que fazer, que não consegue, dormir, comer, ou mesmo viver com o mínimo de paz. – exausto, o hondurenho confessou para a pessoa mais inusitada, toda angustia e temor, que foi contida todos aqueles dias por ele.

Anita puxou e soltou o ar dos pulmões, o engolindo logo em seguida, não muito diferente dele, porém Hernandez parecia esquecer-se do mais importante, ela não era a vilã de toda história, mas sim alguém que foi muito prejudicada, por exatamente a pessoa que ele estava disposto a interceder naquele momento.

O silêncio se fez presente por segundos intermináveis, um silêncio cortante, quase palpável de tão conflituoso e desesperado, por parte de ambos.

— Eu... – Você acha que eu estou diferente de você porque, aliás, se não te contaram eu quase morri. – as palavras saíram amargas, em meio aos lábios de Anita.

— Sim, eu soube de tudo, Anita. – o homem esfregou os olhos com certo receio e culpa, em parte por ela também, e mais ainda pelo o que estava disposto a implorar para Anita.

— Anita não pense que é fácil para mim estar aqui, eu te peço perdão por tudo, do fundo do meu coração. – ele ponderou, querendo soar mais amigável, realmente sentindo uma severa culpa, por tudo que a moça passou, preenchendo seu peito.

— De verdade, não precisa. – afirmou Anita de volta, sabendo que Hernandez não poderia ser culpado por nada, era um peso muito grande para ele carregar. A garota cruzou os braços olhando o chão sem saber como agir.

— Eu pensei se deveria vir aqui, ter essa conversa contigo, mas eu me agarrei a única esperança que eu tenho. – Hernandez iniciou a conversa para esclarecer o propósito que o trouxe ali. Anita sentiu-se estarrecida, com o que poderia estar por vir. – Eu te peço, por favor, me ouça. – continuou ele com toda receio, pois notou no olhar dela pouca vontade de lhe ouvir. – Você é a única pessoa que pode salvar o Tony, ele poder ser preso, julgado, condenado, meu filho não merece isso, eu tenho certeza que ele não pensou no que estava fazendo, se não, jamais, teria se metido nessa história terrível. – fala ele, cansado e entristecido pelo que o filho passava.

Os olhos de Anita, foram inundados por lágrimas severas, um sentimento dubio lhe invadindo, mal sabendo ela se eram de raiva, revolta, medo ou uma angustia que não tinha fim, talvez fossem mesmo todos os sentimentos se misturando dentro dela, e se tornando arrasadores. Com a voz trancada na garganta e o peito inundado de confusões, Anita não se pronunciou, enquanto Hernandez lhe encarava hesitante em continuar, mas também criando coragem para fazer.

— Anita eu te peço, retire a queixa, mude seu depoimento, diga... – Diga a eles que foi apenas uma briga entre namorados, que não estavam se entendendo, diga ao menos que o Tony, não te manteve presa, que vocês brigaram, mais você foi com ele por livre vontade, isso ao menos amenizaria um pouco da culpa dele, meu filho não pode ser tão punido desta forma, ele é só um menino, ficar preso, meu deus eu... – Hernandez disse guiado por uma emoção sem fim. Tomado por um desespero que o fazia querer enxergar uma luz de esperança, que o tirasse daquele pesadelo todo.

— Ele, já deveria ter sido preso se não tivesse fugido, como você pode me pedir isso, Hernandez, olha o que o Antônio fez, meu deus eu não posso acreditar, não mesmo... – ela somente viu forças para as palavras revoltadas que proferiu, e os sentimentos ruins dentro de si, se fazendo em milhões de lagrimas que inundaram seu rosto de maneira rápida. Todo ódio e tristezas presas em seu peito pareciam querer saírem para fora, Anita não conseguia mais segurá-los.

— Anita é a única coisa que eu te peço, eu imploro. – o hondurenho prosseguiu, apesar de sentido pelo estado deplorável de desespero dela. – Eu imploro, por favor, ele já completou a maior idade ih... – Hernandez implorou arduamente, se aproximando a lhe encarar nos olhos.

— Você não tem noção do que está me pedindo, o Antônio merece pagar pelo o que ele fez, depois de tudo é o mínimo. – Anita vociferou não conseguindo respirar direito, estava difícil conter o turbilhão dentro de si. – Você tá sendo muito irresponsável, me pedindo pra defender um criminoso, sem escrúpulos. – ela disse encarando Hernandez com ira, e também se sentindo sufocada.

O desespero fez com o que o peito de Anita se apertasse mais ainda, a falta de ar era acompanhada de toda fraqueza que dominava seu corpo, por segundos a garota lutou unindo o resto de suas forças, pra não mergulhar na escuridão, que seus olhos, que viam tudo rodar queriam mergulhar, mas talvez não houvesse mais forças.

Hernandez ficou em choque por segundos, ao ver que a garota não estava nada bem.

— Anita, Anita, me desculpe. – o homem foi para perto de Anita, segurando seu braço, consternado pelo que as lembranças e seu pedido haviam causado nela.

— Hernandez você pode ir embora. – Anita pediu sem notar sua voz quase falhando. Sentia-se anestesiada, presa em seu corpo que não tinha muitas forças, sem que ela conseguisse fazer qualquer coisa que fosse. – Eu não quero, eu não quer mais... - ela balbuciou querendo dar uma explicação convincente a ele, firmando uma de suas mãos na guarda do sofá, procurando ser amparada pelo móvel.

— Quer que eu pegue uma água pra você. – o homem dominado por extrema culpa quis ajuda-la, de qualquer forma, mesmo com toda renuncia por parte de Anita.

— Não, pode ir, por favor. – ela garantiu, vendo os objetos ao seu redor um tanto quanto desfocados, quando juntava suas forças para apontar a porta de saída para o latino.

— Não vou te deixar assim. – ele falou resignado. – Anita, Anita, meu deus... – Hernandez não obteve uma outra resposta ríspida, apenas viu Anita cair apagada, desmaiando em seus braços. – Anita, Anita. – ele foi tomado por desespero.