Apenas um olhar

Capítulo 129:


— A Anita, Omar você tem certeza. – Ben agiu intrigado com o que o companheiro de quarto revelava. Sem dúvida a revelação de Omar era muito estranha.

— Absoluta Ben, ela teve lá no restaurante perguntando por você, achei que vocês tivessem se falado. – disse ele confirmando tranquilamente e não temendo estar errado.

— Quando foi isso. – ele tentou entender. Apesar de que uma alegria e esperança sem explicação encheu seu peito, um resquício de que poderia voltar a ter um pouco de paz e felicidade de novo.

— Ah têm uns dias já. – esclarece Omar.

— Mais então, porque ela não veio falar comigo. - foi à indagação que ecoou sem resposta pela cabeça de Ben, enquanto a chateação tomava conta. – Não faz sentido. – proferiu ele, sentando sobre à mesa a xícara com café, confuso.

— Bom, aí não sou eu que tem que responder, mas ela. – Omar alegou, um tanto consternado pela decepção refletida na face do amigo. – Mais pergunta a ela, de repente. – sugeriu.

— Como. – Ben se perguntou perdido. - A Anita tá muito estranha comigo, o olhar dela só escorrega toda vez que eu tento olhar no olho dela, tá fria comigo, sempre tem uma resposta automática pra tudo, não sei o que tá havendo, e tenho é muito medo de descobrir. – confessa Ben entristecido pelo fato, mal percebendo que depois de muito tempo segurando àquilo dentro de si, havia confessado sem querer à outra pessoa.

— Ela deve estar mal com tudo que houve também. – Omar supôs. – Bom em compensação se a Anita está distante, a alguém que não para de te procurar. – Omar afirma sem qualquer pretensão de estar agindo com má fé.

— Tá falando de que exatamente Omar. – Ben questiona entre um meio sorriso, deixando-se de ser assombrado por seus maus pensamentos. Ao constatar o jeito divertido com que o garçom falava.

— Ué da moradora nova do bairro, tá cheia de amizade pra cima de você, ou nem é somente amizade, vai me dizer que não notou – o garçom explica brincalhão.

— É talvez. – Ben não negou que Omar estivesse certo um pouco sobre Tais. – Mais ela também já percebeu que não vale a pena, eu não pretendo e nem quero me envolver com ninguém, ou sendo mais claro, com mais ninguém. – o garoto completou, não querendo deixar a existência de Anita por esquecido, na verdade nem queria cogitar a hipótese, que já lhe atormentava voraz durante muitos dias, que ele teria que a esquecer, porque talvez ela já tinha o tirado de sua vida também...

— Mais que ela é gente boa isso é. – reforçou Omar. – Mais eu acho que eu sei e você também, você gosta é da Anita. – imaginou ele estar totalmente certo, e no fundo sua torcida era pra que Ben se acertasse logo com Anita, até porque o irmão de Soraia também já não suportava ver o jeito cabisbaixo e retraído do colega de quarto.

— É a gente não manda no coração, se fosse assim eu nunca amaria a Anita. – Ben alegou com pesar, vendo seu coração se encher de saudade. – E depois eu já sei por experiência própria, que colocar outra pessoa do lado não significa que dá pra arrancar quem está dentro do nosso coração, fincando raízes, feito erva daninha que quanto mais a gente arranca, com muito mais força ela brota. – o jovem disse não contendo o ar saudoso misturado a uma melancolia que chegava a doer. – Ih é também, eu nem quero fazer a Anita sofrer ainda mais, eu já estraguei bastante a vida dela, ela não merece mais, mesmo que fosse só isso, garota nenhuma vai ter o poder de tirar ela do meu coração, de mim por completo isso é impossível. – afirma Ben respirando pesado por chateação, aguçando uma certa raiva de si mesmo por também não ter conseguido evitar todo mal que fez Anita sofrer tanto.

— É impossível, quando você consegue se sentir feliz só em ver um sorriso estampado no rosto dessa outra pessoa, imaginar o cheiro do perfume, o gosto do beijo, nada é ruim do lado dessa pessoa, nem as piores coisas, porque você tem ela pra te dar força, e você sabe que você também esta ali pronta pra fazer qualquer coisa por ela, dar tua vida se for possível pra vê-la feliz e a salvo. – o rapaz fala, esquecendo mesmo que por um único segundo de tudo de ruim, e estampando um sorriso leve no rosto, ao recordar-se de tudo que sentia por Anita e estava guardado dentro de seu peito. - E você sabe que ver ela feliz é o que te mais faz feliz... - disse Ben, não evitando pensar em Anita e sentindo que estava duplamente mal, por saber que nada estava fácil para Anita também e sentia-se plenamente responsável por isso, a culpa era inevitável, assim como a tristeza que sentia, por ver seu grande amor assim. – Eu não sei o que vou fazer, quanto mais eu tento arrancar a Anita de mim muito mais eu penso nela. – o rapaz confidenciou angustiado depois de um longo silêncio doloroso. - Sabe a expressão enlouquecer de amor, pois é eu to quase lá, se é que já não estou há muito tempo enlouquecendo com isso tudo, a falta dela, a confusão que virou minha vida, sei lá. – Ben afirma emotivo, pressentindo suas emoções desenfreadas arrancando sua voz que saía fraca por sua garganta e sem conter a frustração reprimida. Omar o encarou sem saber que palavras de conforto usar, por isso preferiu o silêncio e um olhar caridoso apoiando o amigo.

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— Você. – Anita estranhou quem era sua suposta visita quando Pedro a pedido de Vera foi lhe chamar no quarto, alegando que alguém estava ali para vê-la.

— Pois é eu, chato né, tenho que admitir que roubei teu endereço da ficha de entrada do hospital... – Eduardo sorriu meio sem graça, achando normal a abordagem de Anita. – Eu fiquei preocupado com você, bom pior, muito culpado por ter te dito, tudo que te falei ontem no hospital. – ele revelou desajeitado.

— É, é uma história muito triste, nem sei como me sentir. – Anita confessa ter ficado impressionada, já estava sensível, o desabafo do rapaz foi à gota d’água para seu desespero piorar, mas agora havia já passado o efeito do impacto, apenas ficou a tristeza por ele.

— Não era pra te chatear, era só pra... – ele quis esclarecer.

— Eu caí na real, e parar de ser boba, e seguir minha vida. – Anita o interrompeu com uma ironia divertida.

— Talvez. – o rapaz ri da expressão estaqueada no rosto dela. – Mais pra você ver que nada está perdido. – ele pondera. – Ah trouxe flores pra você, era melhor que livros e aquelas sextas com comida natural, que as pessoas costumam trazer pra doente. – ele brinca.

— Bom você é médico, deve ter graduação no assunto. – Anita acolheu o buque com simpatia. – Obrigada, são lindas. – ela agradeceu, visualizando o enlace com flores do campo.

— Eu só quis te ajudar, de verdade, sem intenção ruim, e do fundo do meu coração, espero que dê tudo certo. – Edu tentou se retratar mais uma vez.

— Eu não estou pondo isso em dúvida, mesmo, é você quer tomar um café, bom não custa eu te oferecer. – convidou Anita amigavelmente, olhando de leve Vera na cozinha ouvindo a conversa dos dois com certo ar de curiosidade.

— Eu vou aceitar sim, obrigada. – ele respondeu à nova amiga.

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— Pois é, aí a Vera cismou que a Anita não está nada boa, que ela pode ter mentido, ou não sei... – fala Ronaldo, mesmo que com receios, mas também sentia que estava precisando desabafar com alguém, não havia escolhido Ben, quem sabe o momento lhe ajudou a decidir, o homem tinha a necessidade de sentir-se um pouco mais leve. E resolveu o fazer, ao tanto que o filho mais velho lhe ajudava com os engradados de bebidas do bar já vazios, que precisavam ser levados para fora do restaurante para que o caminhão logo os levasse.

— Ela está aos nervos, não sei o que fazer. – abrupto Ronaldo confessava seus temores a respeito da esposa, enquanto conversava com seu primogênito que prestativo o ajudava. E que permanecia calado apenas o ouvindo...

Pensativo... Ben respirava pausadamente, ainda tentando fazer com que suas emoções não ficassem pra lá de desenfreadas, toda vez que ouvisse o nome de Anita na boca de alguém, contando algo da garota, de forma até indiferente, como se negassem o laço que os unia. Ou que um dia os uniu, o rapaz já não sabia mais como interpretar, o passado bastante mal resolvido dos dois... E nem sentia-se pronto para resolver o presente...

— Eu estou ficando apavorado, agoniado pra não dizer outra coisa, com essa angústia toda da Vera. – Ronaldo seguiu em frente em suas confidências, mesmo que notasse Ben aéreo a elas.

— Pai, mas o médico não garantiu que está tudo certo com ela, porque isso... – questionou Ben direto, mesmo que pensasse outra coisa de toda preocupação repleta de exagero da mulher, pra ele, era simples, era arrependimento por parte de Vera, e um tão grande que estava trazendo consigo uma culpa arrasadora. Mas, o garoto preferiu não chatear o pai ainda mais, então guardou só pra ele a opinião um pouco desenfreada.

— Sim disse. – Ronaldo concordou sem dúvidas de sua certeza. – E ele me parece ser uma ótima pessoa, não creio que mentiria, inclusive ele teve lá em casa falando com ela hoje, me pareceu ser uma pessoa de bom caráter. – o homem revelou com tranquilidade, as observações que fez a respeito do jovem médico.

— Ele teve. – pronunciou Ben em um tom exasperado, pressentindo seus pensamentos caindo de paraquedas e focando imediatamente no episódio e na conversa depois do que disse Ronaldo. – O Eduardo foi no casarão procurar a Anita... – repetiu Ben, segurando sua indagação a respeito do fato.

— Foi, hoje mais cedo, ele até conversou um pouco comigo e com a Vera, me pareceu boa pessoa. – o pai reforçou sem malicias.

— Eu não sabia que ele costumava visitar as pacientes, bom... – respondeu ele, não conseguindo ficar avesso ao turbilhão que sentia, podia ser incredibilidade com um misto de ciúmes, porém Ben não queria estar com ciúmes, não podia estar, era estúpido o sentir... Tão sem sentido, quanto à irritação que tomou conta de seu corpo e parando a corroer sua mente. – Deve ser coisas da nova medicina não... – afirmou Ben meio contrariado e com uma pitada de ironia, se quer sabendo por que, sentiu sua mente pesada pela conversa, agora só queria encerrá-la, a esquecer se fosse possível, mas algo dentro de si lhe avisou que o estrago se não permanente, teria efeito duradouro, lhe atormentando por um bom tempo. Sentiu mais raiva de si, porque aquilo era descabido, tão tolo, quanto talvez estivesse sua cara de idiota naquele momento. Anita não lhe pertencia, e ele sabia disso... Apenas a amava, mais que tudo, como nunca imaginou sentir, e por mais que tudo tivesse dado errado, inúmeras vezes, não se arrependeria, não faria o esquecimento se abater tão facilmente sob tanto amor, era demais achar que esqueceria, tão fácil um sentimento que era tudo para si... E imaginar ela, sua Anita, longe de si, e feliz ao lado de outro alguém, era no mínimo doloroso... Não queria cogitar o fim, lidar com ele, mas foi inevitável não sentir... Sentir que algo podia estar sendo tirado de si, sua impaciência foi só aumentando diante de toda estupidez que pesava em sua cabeça.

— Bom acho que ele quis ser simpático apenas. – Ronaldo sentiu o filho arredio e irritadiço pela revelação, feita por ele, mas simplesmente não achou maneira de o confortar, então preferiu deixar despercebido...

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— Ah ainda bem que a Vera lembrou, daqui a pouco eu iria sair pra pagar alguns fornecedores, e provavelmente só aí me lembraria de que deixei o talão de cheques em casa. – Ronaldo discursou sorridente e agradecido pela lembrança da esposa e enteada. Ou caso contrário ele teria enfrentado alguns transtornos.

— É digamos que foi um pouco de sorte, ela viu em cima da mesa quando já estava saindo por sinal, ai eu resolvi te trazer.- disse Anita com um sorriso breve.

— Obrigada, você nem sabe o transtorno que a falta desses cheques me trariam. – reafirma o padrasto agradecido, constatando o jeito pensativo com que Anita olhava em volta.

— O show deve ter sido lotado né. – comentou Anita, querendo aparentar normalidade, por mais que estivesse ainda sob afeito de tudo que viveu no dia anterior.

— Foi sim, você deveria ter vindo ao menos um pouco. – propôs Ronaldo tentando decifrar o que poderia estar passando pela mente da enteada, apesar de desconfiar um pouco, no fundo tinha quase certeza que a garota estava com receio de encontrar Ben por ali.

— É, mais eu tava cansada e também tomar remédio a noite acaba me dando mais sono. – justifica Anita, no fundo apesar de seu estado clínico de doente em repouso, não quis mesmo foi ver ninguém, e nem constatar a alegria nos outros, que ela não conseguia sentir nela mesma.

Ronaldo olhou para a moça um pouco intrigado, mas pensou não ser bom a pressionar em busca de uma explicação mais verdadeira. – Tem razão. – ele disse calmo. – Você pode levar isso aqui pro Omar pra mim, faz favor. – pediu ele juntando alguns papéis e os colocando em um envelope de papel pardo.

Anita fitou o padrasto despretensiosa, diante do pedido. – Tá, onde tá ele. – a garota quis saber paciente, pensando que o empregado deveria estar em algum outro canto do restaurante resolvendo outras coisas. Ronaldo segurou o envelope pensativo por segundos, temendo o que estava arquitetando, mas arriscou, pois já estava tão cansado de ver filho e enteada sofrendo pelos cantos e ainda por cima ambos fingindo que não.

— Deve estar lá dentro, no quartinho. – o homem respondeu, erguendo um olhar apreensivo a moça ao temer que ela estivesse desconfiada. Assim como, não sentia-se bem em estar a enganando, mais seria por uma boa causa, um ato desesperado de um pai, consternado com os problemas dos filhos, e que hoje só queria ver um sorriso pleno e sincero em seus rostos. Contando com muita sorte daria certo, eles conversariam e tudo se resolveria. Hoje era só o que ele implorava... Anita e Ben unidos novamente.

— Ah tá é. – Anita encara Ronaldo incerta do que faria, já que temia encontrar Ben, então ficou tentando decidir por segundos como agir. – Tá eu levo, é rápido né, e depois eu tenho que ir pra casa. – Anita concordou, se movendo mais pra perto do balcão em busca de alcançar o objeto das mãos de Ronaldo, também não custava fazer um pequeno favor ao padrasto que estava atarefado.

— Eu te agradeço, Omar vai viajar a trabalho e precisa dos papéis, mas eu só pude organizar eles agora, o Zico não pode vir hoje parece que a mãe ficou doente, enfim o Ben até me ajudou mais cedo, mais disse que tinha sair. – Ronaldo acabou não hesitando e jogou certa mentira no meio do que contava, no fundo não sabia se Ben de fato havia saído, ao menos não viu o filho, apenas durante o horário de almoço o viu passar para os fundos alegando que iria estudar, por sorte Ben ainda estaria trancado no quartinho e sua mentira não seria em vão. E no fundo sentiu Anita temendo ir ao local por causa do filho, por isso arriscou ainda mais...

Anita seguiu distraída até à porta do espaço dividido por Omar e Ben, mal prestando atenção em qualquer ruído à sua volta, seria breve entregaria o envelope a Omar e tão logo iria embora, estava tudo esquematizado, não haveria obstáculos, ela tentou ser otimista... Paciente e serena olhando para o chão enquanto caminhava, a menina apenas levou um susto com o tranco que recebeu sem mais avisos, a fazendo despertar em sobressalto, olhando dessa vez com atenção para o chão e notando um líquido gelado escorrendo por sua roupa até encontro dele.

— Anita eu... – Ben olhou assustado para a garota de antemão, que de cabeça baixa mal acreditava em sua falta de sorte. O rapaz viu um nervoso o perseguir, não acreditava no que havia feito, também estava distraído era fato, mas jamais imaginou trombar em alguém naquele corredor.

Anita agiu impactada ao finalmente reconhecer pela voz, quem era a figura desastrada, que a havia lhe dado um banho, com o que era aparentemente suco laranja, bem como lhe atropelado em cheio. A moça ergueu os olhos, indo de encontro aos dele, apenas observando a forma descompensada que Ben lhe encarava... Sem saberem o que falarem diante da situação inesperada o silêncio tomou conta de ambos, que passaram a trocarem olhares firmes e atônitos.