Apenas um olhar

Capítulo 114:


– Ben eu posso falar com você um instante. - Julia proferiu quando entrava na sala de aula e encontrava o garoto sentado em sua mesa.

– Pode claro. - respondeu ele. - Senta aí. - sugeriu Ben, apontando para a cadeira em sua frente.

– Então é... - Eu queria te falar... - a morena sentava sem saber como começar o assunto. - Você tem falado com a Anita nesses dias. - Julia questionou.

– Não, muito pouco, a gente não tem se visto mesmo. - revelou ele sincero. - Mais aconteceu alguma coisa. - indagou Ben, se preocupando, devido à tensão que via exposta no rosto da garota a sua frente.

– Eu não sei direito, só que a Anita não tem vindo pra aula há dias, e ela anda tão desanimada, tão esquisita que eu não sei Ben, não sei o que tá acontecendo com ela. - conta Julia não disfarçando sua aflição.

– Como há muitos dias, ontem Fred disse que ela não veio pra aula por causa de uma gripe somente. - Ben rebateu nervoso com a revelação da garota. -Eu também faltei aula por esses dias, pra procurar emprego, só que achar um parece impossível tanto que resolvi desistir por enquanto. - afirmou ele, sabendo que precisava falar com Anita urgentemente.

– É, pois é, mais é truque dela, a Anita simplesmente decidiu que não vai mais frequentar o colégio, ela tá estranha Ben, to ficando com medo dela ficar depressiva, enfiada dia e noite naquela casa pensando em como tudo está dando errado, ou sei lá. - falou Julia o que temia. - Você tem que falar com ela, eu já tentei mais... - Ela não me ouve. - opinou ela.

– Eu vou fazer isso sim, a Anita não pode continuar com isso Julia, não pode. - respondeu ele em concordância, mas sem conter sua aflição em ver o rumo que tudo tomava.

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Ben encontrou a porta de casa destrancada, e a sala vazia e silenciosa, assim como pareciam os outros cômodos, havia um silêncio ensurdecedor e até em parte angustiante, quando percorria a toda a extensão do local, algo bastante em comum até, pois a bagunça e conversas animadas, sempre eram a marca registrada da casa, quando tinha toda família reunida. Por um lado agradeceu pelo lugar estar vazio, só assim não precisaria dar explicação alguma a ninguém. Saindo de seus devaneios ele se dirigiu com pressa para o andar de cima...

Anita que ficou enrolando até todos saírem de casa, para seus afazeres diários, como havia feito também nas manhãs anteriores, continuava em sua cama, que agora parecia ser o único local onde ela tinha um pouco de paz que fosse. Perdida em um mar de pensamentos angustiantes e até ruins, dizer que não havia luz no fim do túnel naquele momento, para ela era até mais confortável, no fundo era pior, muito pior... Ela não conseguia raciocinar mais com o mínimo de otimismo possível, suas esperanças e pensamentos posteriores haviam se ido, sentia-se como alguém que só tem o momento presente em sua vida, pensar em um futuro, planejar para frente, para a garota não dava, só via uma aflição desenfreada invadindo seus pensamentos e tomando completamente a si mesma, e nem mesmo querendo muito evitar, sabendo que tinha que reagir, ela conseguia livrar-se daquela sensação. Era incapaz, estava sem forças para nada, não havia mais animo pra coisa alguma, era só um silêncio, um vazio em sua alma, que fazia companhia para seu corpo e pensamentos inquietos. Uma imensa solidão, havia povoado um campo vazio em sua mente e vida, tudo se fez deserto, e nem mesmo o fato de se sentir tola e ridícula, porque sabia que nada daquilo a tiraria do futuro incerto que poderia estar lhe esperando, a fazia criar coragem para reagir.

Ben empurrou a porta entreaberta do quarto, como toda calma que encontrou, já que dentro de si o nervosismo era sem igual, e ele mal sabia como agiria, percorreu com o olhar toda extensão do ambiente, até focalizar Anita, ainda em sua cama, com a cabeça escorada a cabeceira, os olhos fechados, sua face parecia abatida, a forma nervosa como ela mexia as pontas dos dedos da mão, em cima da almofada que segurava, significava que ela estava pra lá de angustiada, ele a observou sem ser notado por longos segundos...

– O que você pensa que tá fazendo. - ele a questionou no instante em que deu passes se aproximando da cama.

– Ben! - Anita abriu os olhos em sobressalto, quando despertou-se para a realidade com uma voz que ela julgou familiar a chamando. - O que... - ela proferiu em um sussurro sem compreender o porque dele estar ali, não sabendo calcular com precisão quantos segundos apenas só olhou para ele muda.

– Eu vou perguntar de novo. - Ben ignorou o olhar confuso que recebeu, insistindo em questioná-la. - O que você pensa que tá fazendo?

Ela ainda o encara meio perdida antes de responder. - Nada, não to fazendo nada, não está visível. - a menina respondeu e parte de sua tristeza foi se transferindo as palavras.

– E por que. - ele indagou se ajoelhando perto da cama, a encara-la severamente, Anita apenas ficou em silêncio. - Olha não faz isso. - o rapaz lhe implorou, o olhar fixo sob ela, a fez desviar sua atenção de forma tensa para um canto qualquer.

– Eu to bem, não se preocupa comigo, você já tem... - Anita alega com a voz embargada por uma emoção que ela queria esquecer. - Sério. - ela continua insistindo, quando pausou a fala um tanto enfraquecida.

– Não, não tá. - Ben revida, a desmentindo, o forte pressentimento de que não aguentaria mais vê-la de tal maneira o atormentou ainda mais, não podia mais deixar que suas vidas caminhassem para aquele abismo e mesmo que não soubesse como ou nem tivesse forças para uma tentativa de acabar com aquilo, sentiu que precisava tentar.

– To sim, já disse, não entendi a teimosia. - ela afirmou ao contrário, sentindo um forte calafrio percorrer seu corpo, enquanto tentava sustentar a pose em dizer que não havia nada de errado.

– Você pode mentir pra todo mundo, o que você quiser, e ser realmente convincente, você pode até falar na minha cara que não tem nada de errado, o quanto você quiser, o quanto você achar que deve, só que não adianta. - ele revida não querendo a deixar insistindo naquele erro. - Eu sempre vou saber quando tem algo de errado com você, te atormentando, te afligindo, como agora dentro de mim, no meu coração eu sempre vou saber quando não for verdade... - o garoto teimou em afirmar, já Anita não aguentava mais ouvir, no fundo sabia que ele estava certo, mesmo que não quisesse afligir e magoar Ben ainda mais com seus problemas, já que ele sempre foi contra e lhe alertou o caminho desastroso que aquela trama de mentiras e chantagens poderia dar. .- Como agora, você tá triste. - ele insistia em continuar, e reunindo forças para relutar em ir embora, caso ela quisesse lhe expulsar.

–Para por favor, você só tá generalizando tudo pra vir me cobrar algo que eu... - Anita balbuciou levando seu olhar para a parede a frente de seus olhos lhe recusando uma explicação que fosse verdadeira.

– Não, não , por favor você , e pode também pular a parte em que você tenta negar. - Ben esbravejou com o tom de voz de alguém que lhe implorava que parasse de mentir. - Porque eu sei e você também sabe, o que a gente tem, sempre vai ir além de dois corpos que se encaixam e se conhecem, é amor Anita, um amor que mesmo muitas vezes alimente um desejo descomunal, , também faz da gente ligados um ao outro pra sempre, por meio de uma sensibilidade que vem da alma, do coração. - declarou ele, a garota por sua vez engoliu a sua angustia em seco, e não teve um pouco de forças que fosse para contrariá-lo. - Você não vai conseguir mentir pra mim, e nem eu pra você, a gente sempre vai desconfiar Anita, e por mais cínica que você possa ser nessa momento eu não vou acreditar que você esteja feliz com essa situação, porque você não tá. - ele se calou entre suspiros tensos, diante de uma Anita que o ouvia atenta, em meio a lágrimas que percorriam seu rosto, sem mesmo que ela se desse conta ou tentasse evitar. Se sentir só, talvez não fosse pior do que a insegurança e vazio, adicionados a uma saudade que parecia matar aos poucos, por não ter mais Ben ao seu lado, toda vez que ela precisava de alguém, uma palavra amiga, ou um forte abraço de quem afirmava que estava tudo bem, e ainda ter que sobrepor a tudo isso o medo e gigantesco que sentia toda vez que pensava que estava o perdendo para um destino implacável e sem volta.

– Tá bom, o que você espera de mim, que eu levante daqui pra ser insultada, ou pra bancar a noivinha do Antônio, esse cinismo todo tá me engolindo Ben, essa é a verdade. - ela disse sendo dominada pela raiva que sentia de si mesma, por ver uma fraqueza lhe dominar, e consequentemente sua vida se resumindo a pedaços, onde mentir para se defender, era a única forma de não sofrer ainda mais. - Me deixa quieta ao menos aqui sozinha, eu ainda tenho a ilusão de que eu to bem longe desse mundo bagunçado que virou minha vida. - suplicou ela, o encarando fixamente, e o olhar de Ben também se fez tristeza.

– Deixa eu te ajudar, não me manda embora, agora sou eu que te implorando. - Ben afirmou vendo suas forças também sumirem diante do estado abatido da garota, suplicando que ao menos naquele instante ela lhe ouvisse.

– Eu não quero, nunca quis, te mandar, eu juro. - Anita age com sinceridade, sem saber o que falar o garoto apenas segura forte a mão dela, enquanto o silêncio se instaura.

– Anita e o vestibular , você esta perdendo muita aula, faz quatro dias que você não vai pra aula. - Ben tenta a trazer de volta para a realidade, enquanto ela parece não esboçar nenhuma surpresa com o que ele lhe revelava bastante afoito até.

– Eu sei que tá errado, mais não dá eu não tenho cabeça Ben, ou pra ser mais sincera, forças. – Anita tinha consciência do tamanho de seus erros, e as consequências que sua atitude inercia podiam lhe causar, mas o fato é que ela não conseguia mesmo se levantar para ir ao colégio sem que seus problemas tomassem conta de sua mente e a paralisassem.

–Ai Anita, não vou conseguir ver você fazer isso com a tua vida, assistir isso, sem tentar te parar. - se negou Ben, a tiraria daquele estado paralisado nem que fosse contra a vontade da menina. - Eu não te ajudei uma vez, eu simplesmente me derrotei também a partir da tua tristeza, mas eu não vou ver isso se dar uma segundo vez, você vai ter que dar um basta nisso, agente vai ter, chega. - taxou ele em plena angustia.

– A tua tristeza vinha do fato de que eu te escorracei como se você não fosse nada Ben. – Anita o corrigiu com o olhar extremamente entristecido, ela mal conseguia disfarçar para os outros quem dera para ele. - E o o interessante é que agora tá todo mundo fazendo o mesmo comigo. - confidencia ela, não pensando que não merecia a frieza que praticamente toda familial lhe destinava, talvez esse fosse a forma mais branda dela entender e sentir na pele o que um dia fez com o garoto, mesmo sem perceber.

– Eu fiquei muito mal com as coisas que você me fez sim, mais te ver mal, triste, me matou muito mais e você sabe disso. - alega ele com a voz engasgada, não querendo jamais que ela se culpasse. – Não faz isso de novo Anita , não se maltrata assim, você é uma menina linda, sempre teve tanta esperanças de que as coisas poderiam melhorar, que nada era definitivo, agora ta ai desistindo é isso e dessa vez você não vai nem tentar.- perguntou Ben.

– Linda, no momento eu to mais é pra filha mais velha da Mortícia Addams, Sofia é que tem razão . - ela debochou, estava era um trapo isso sim, por dentro e por fora. – Família Addams, adorava esse filme, vi um milhão de vezes quando era mais nova. - a lembrança melancólica e sem propósito de um tempo que nada parecia tão difícil e que nem ela pensaria que fosse invadiu sua mente.

– Cuidado hein, que a tua irmãzinha nessa caso pode ser bem pior que a Sofia. - Ben acaba rindo da colocação da menina. - Tem um musical desse filme, era bem legal mesmo, morando nos Estados unidos também nem como eu não ter visto né. - comenta. - Mais isso é um assunto pra outra hora, eu quero saber de você nesse momento. - ele não deixa ela escapar.

Por um momento o sorriso simples esboçado pelos dois, fez Ben ter a sensação de que tudo estava normal, que eles ainda podiam conversar sobre coisas amenas, e que o resto não existia ou se quer importava... Mas a sensação durou apenas únicos segundos, o olhar tenso e preocupado de Anita lhe trouxe novamente para a realidade quase que surreal que ambos viviam.

– O que, minha cara já não diz tudo Ben, to pior que zumbi, bom mesmo é quando eu pego no sono e não fico remoendo esse monte de loucura na minha cabeça, só que ai eu acordo e lembro que é tudo verdade, meu deus, isso quando consigo pregar o olhos. - ela afirma, suas horas só se resumiriam em pedir encarecidamente que tudo aquilo tivesse em breve um fim.

– Você vai ter que reagir Anita , não tem outra escolha, a Julia tá muito preocupada com você viu, ela acha que você entrou mesmo numa crise de depressão . - ele não a poupa.

– Você acha que eu já não achei isso também , só que eu não sei direito o que tá se passando, tá muito difícil , ainda bem que ninguém percebe ao menos isso, também as únicas pessoas que ainda me dirigem a palavra nessa casa é o Pedro Ronaldo e Sofia , minha mãe só me fuzila com o olho e quando abre a boca é pra criticar, Giovana e Vitor , me apagaram da lista da família , acham que eu te traí, porque to muito feliz com o Antônio , a tia Lu coitada ate tenta levantar meu astral mas vive ocupada com os lances dela. - ao menos dar explicações não era a pauta diária de Anita, e por esse ponto até agradecia o jeito relapso da família.

– Sabe o que você tá parecendo, um passarinho com a aza quebrada, sabe que tem que voar mais não consegue, e quando mais o tempo passa mais medo fica de tentar. - sorri ele ajeitando uma mecha do cabelo dela.

– Me quebrei inteira, desde que o Antônio entrou nessa casa e eu achei que ele era alguém com o mínimo que fosse de senso de realidade, e isso só piorou quando ao invés de me trancar em casa, eu resolvi visitar o algoz da minha desgraça ,quando aquele infeliz tava preso, e antes que você me diga eu sei que não adianta a eu me lamentar, nada muda, só falta minha cabeça praticar isso, porque entender eu já entendi. - Anita com raiva dela mesma, enxugando as últimas lágrimas que permaneciam em seu rosto, confessa.

– Ele sabia o que tava fazendo Anita, ou você acha que ele não calculou exatamente isso, ele sabia que você iria procurar ele, lá na praça no dia da explosão ele já tinha plantado a dúvida na tua cabeça com que ele disse, só que você só percebeu muito depois. - rebate Ben, não querendo que ela se culpasse.

– Não, ou pode ser, mais isso tem nome também e é burrice. - ela se confunde a respeito do que pensar. - Você devia de ter dado na minha cara, quem sabe assim eu não parava um pouco. - falou Anita.

– Olha talvez tivesse até funcionado, mais também as chances deu apanhar também seriam grandes. - Ben ri por um segundo. - Ou você já esqueceu. - debocha ele dando a volta e se escorando do lado dela. - Bom tua briga com a Drica e com a Luana, pro exemplo é uma ótima ressalta disso... - o garoto a lembra, enquanto ela lhe destina um olhar risonho.

– Bom também levando em fato, que ela te fez perder o emprego porque ajudou o Antônio, e achou antes também que podia ficar com você, eu devia de ter batido mais. - Anita respondeu, talvez ainda tivesse que fazer isso, julgou.

– É só que por mais contraditório que isso seja, suposições não levam a nada né. - pronunciou ele.

– É. - ela concorda. - Tá chovendo né, você sabe que pode parecer piração minha mais, eu torci pra não parar de chover, acho que não ver o sol a pino la fora ,o céu azul, é uma forma de me manter presa aqui, e não me sentir mais imbecil ainda por isso. - Anita tenta amenizar os fatos, mas percebe que não dá.

– Engraçado né, se você tivesse feliz iria detestar essa chuva, você fica agoniada quando chove, justamente por isso, porque se sente presa dentro de casa. - rebateu ele.

– Mais agora tudo que eu quero é ficar aqui Ben, ao menos achar que eu tenho alguma justificativa. - confessa ela, sabendo que um milagre não lhe aconteceria e tudo estaria resolvido em passe de mágica, mas ao menos não ter que se explicar pra todos era uma forma de abrandar ao resto. - Tenho me sentido sozinha sei lá , já tenho me sentido tão culpada por preocupar a Julia , e olha que tentei disfarçar ao máximo justamente pra isso não acontecer. - Anita se preocupar em sobrecarregar os anseios da amiga, que não merecia tal fardo.

– Você não tá, você nunca teve e eu já disse que eu não vou deixar você continuar agindo assim. - ele alega severo até, se sentindo dilacerado por ter que vê-la assim.

– O estranho é que todo mundo me condena, como a pior pessoa do mundo, achando que são donos de uma verdade absoluta e sincera, só que no fundo ninguém sabe o que tá acontecendo de verdade. - ela acaba lamentando o tratamento que vinha recebendo da família.

– Eu sei, não tá fácil, talvez nunca teve tão pior... - ele assente. - Mais você não pode deixar essa história te engolir, você sabe que vai todo mundo se arrepender disso, quando eles souberem da verdade eles vão entender o que aconteceu . - especulou Ben, sentando extremamente próximo a ela.

– Só que até lá, eu não sei o que vai restar de mim. - confessa ela estar perdida no meio daquilo tudo, se vendo presa a algo angustiante que não a fazia ter coragem e nem animo para sair do lugar. - Eu só queria que alguma vez na vida, alguém realmente parasse, parasse pra imaginar de verdade o que tá acontecendo comigo, mais todo mundo é mais preocupado consigo mesmo, com seus julgamentos e certezas, do que olhar pra mim, e compreender que não é isso que eu quero. - a menina diz entre lágrimas de tristeza que voltam. - Eu... - É mais fácil condenar não é, do que achar que tem algum problema , ela é e age assim porque quer, ninguém vive sozinho ou cultiva rancor porque quer, mais as pessoas tem que se defender de alguma forma, tentar não prolongar… recua ela agoniada. - Aumentar o próprio sofrimento, se é que dá, no fundo o que todo mundo quer é uma vida perfeita, só que na maioria das vezes não dá né, pessoa e circunstâncias atropelam a gente. - disse Anita confusamente, mas não cogitando que aquela fosse a receita que esclarecesse seus dilemas.

– Hei não fica assim, as coisas vão acabar se ajeitando, por mais que seja difícil de pensar dessa forma. - argumentou ele, segurando na mão dela. - Mais você não pode desistir Anita, ficar parada, só pode piorar tudo. - alegou Ben, trocando olhares perdidos com ela, olhares que refletiam toda incerteza que ambos carregavam consigo, desde muito antes de tudo aquilo, talvez desde que Antônio cruzou suas vidas, e se declarou resignado a acabar com qualquer paz e felicidade que eles pudessem ter um com o outro. Anita só soube o olhar muda, talvez fosse mais certo admitir que não tinha o que dizer, não sabia de nada que fosse certo naquele momento, só tinha consigo que mudar o rumo de sua vida podia até ser complicado, e ela nem tivesse ideia de como o faria, mas por mais desanimo a garota sabia que não estava disposta a viver presa dentro daquilo pra sempre, ou nem conseguisse, queria ter a sua paz de espírito devolvida.

Anita apenas encarou-o calada, por longos segundos, sem ter forças ou vontade de recusar, para o abraço que Ben lhe puxava, talvez precisasse dele, muito mais do que queria cogitar ou pensar, já que ficar sem o garoto era um risco, um fantasma que a atormentava e lhe rondava cada vez mais perto de si, sem que ela conseguisse se livrar ou ignorar tal receio. Por mais que a certeza de que se amavam existisse, tanto um como outro, tinham consciência de que já tinham vivido coisas demais, eram mágoas e tristeza, com forças suficiente para levarem um sentimento que sentiam a um abismo, era rancor e sofrimento demais, que como a correnteza imponente de um rio, poderia devastar qualquer coisa que ficasse no caminho, por mais que se amassem sabiam que nenhum sentimento vive sozinho e escondido, um amor, é como uma planta quando não cuidada e regada, jamais poderia dar frutos ou trazer alegria. E o medo que isso acontecesse os rondava impiedoso....

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– Eu não gosto de te ver assim sabia, não tem como eu não me sentir culpado. – confessa Ben, quebrando o silêncio instaurado, enquanto faz companhia para Anita, que abraçada a ele não responde nada. – Aonde eu tava com a cabeça quando resolvi convidar o Hernandez pra vir pra cá com o Antônio no pacote. – lamentou ele enquanto afasta uma mecha de cabelo do pescoço de Anita, em silêncio os dois pareciam remoer tudo que acontecia em suas vidas, mas sem a intenção de confessar jamais isso um ao outro, se tudo aquilo não tivesse começado quem sabe tudo não teria tomado um rumo diferente.

– Você teve culpa de que exatamente? – alega Anita sem se convencer. – De ficar preocupado, com a Tita, o Hernandez, até com o Antônio, quando tua mãe saiu praticamente sem dar muitas satisfações depois de romper com o Hernandez. – argumenta ela, afastando ligeiramente o braço dele que a envolvia e movendo-se na cama se acomodando a encará-lo.

– Já era difícil Anita, a gente não precisava de mais essa. – O Antônio... – afirma ele e o tom culpado fica evidente.

– Eu sei. - a garota concorda. - Mais acho que seu for procurar uma resposta até pra isso, talvez eu não dê conta mesmo. - esclarece ela junto a um olhar cabisbaixo. - Eu só não quero que nada te aconteça, o resto eu... - Driblo, talvez não agora, não sei... - diz ela, ignorando toda melancolia que toma conta de si.

– Não é tão simples Anita, eu não sou egoísta a ponto de achar que você tem a obrigação de resolver alguma coisa por mim. - não concorda ele. - Pra ser realista, fui eu que instaurei o Antônio na tua vida né, nada mais justo que eu resolva então. - alega Ben, Anita ergue o olhar para o fitar, sem evitar o susto com as palavras dele.

– Promete pra mim que você não vai fazer nada, eu não quero na verdade que... - implora Anita, com a voz nervosa, mas é interrompida por ele que a puxa para perto de si novamente, talvez não querendo pensar no momento que tivesse que a deixar.

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Havia um silêncio, uma paz estranha no ar, algo incomum lhe acontecia e trazia para Anita uma sensação de calmaria que não lhe rondava há muito tempo. Ela despertou-se confusa e atordoada a respeito do que se passava consigo, parecia que tinha dormido uma eternidade inteira, um sono profundo e leve... Um vento forte soprava balançando os galhos da enorme árvore que havia no quintal de casa, a rua estava aparentemente tranquila sem mais movimentos, o ruído mais forte parecia ser mesmo da janela aberta, batendo devido ao vento que entrava pelo quarto. Ergueu-se aos poucos na cama, procurando com o olhar o relógio em cima do bidê, precisando ter a noção exata do tempo, julgou que as percepções eram suas somente, já que os ponteiros marcavam 10 horas da manhã apenas, quando olhou com clareza para o lado, avistou Ben dormindo, fazendo Anita dar-se de conta de que a conversa repleta de mágoa e medo, de mais cedo, realmente tinha acontecido, não era algo fora de sua realidade, como sua mente que parecia ter se desligado de tudo, a fez pensar segundos anteriores, quando despertou-se confusamente. Por um momento desejou não ter acordado, mesmo que isso também significasse ser flagrada por alguém, dormindo em sua cama, com o garoto que todos julgavam ser seu ex-namorado, sentiu-se enraivada ao constatar a enorme confusão que trouxe para sua vida...

Fitou Ben, sem coragem para acordá-lo, só conseguindo ficar o olhando por longos instantes, tudo parecia mesmo estar em paz quando os dois estavam juntos, tanto que mesmo depois da conversa dolorosa que tiveram, acabaram adormecendo em meio a boas recordações que ambos desejavam de volta para suas vidas.

– Nossa faz quanto tempo que a gente tá aqui. – Ben a questiona, quando se atêm a realidade e percebe ter adormecido, enquanto conversava com Anita.

– Não muito. – Anita responde junto com o gesto de deitar ao seu lado novamente. – E eu acho também, que não era a única que não tem descansado o suficiente por aqui. – ela brinca esboçando um sorriso.

– É talvez. – responde ele, apenas a abraçando, enquanto retribuía o sorriso leve que via na face de Anita, por um segundo tudo parecia melhor.

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– Você vai parar de passar a manhã trancada sem fazer nada. – alegou Ben alcançando um copo com suco a ela.

– Você já me falou isso umas cinco mil vezes, e só no último segundo. – retruca Anita com um semblante irônico diante de toda insistência. – Eu vou tentar. – se dobra ela, no fundo não podendo evitar de lhe dar razão.

– Ok, eu só espero... – suspirou ele ainda preocupado.

– Eu não vou fazer, nada que me prejudique ainda mais, até porque se eu não tiver consciência disso, ninguém ai ter né. – Anita o interrompe, desfazendo qualquer dúvida que atormentava naquele instante.

– Eu tenho que ir, fiquei de ver um trabalho mais tarde. – informou Ben, sem muita vontade para partir.

– Tá, vai então. - Anita levantou-se, não convencendo nem ela mesma com tal certeza.

– E você se cuida, por favor. – recomendou o garoto mais uma vez, quando se despedia com um beijo em seu rosto, seguido de ajeitar um mecha do cabelo dela que permanecia em seu rosto.

– Ahan. – resignou-se ela a cumprir o que foi prometido. – E você boa sorte. – Anita deseja diante de um Ben desatento.

– Com o que. – perguntou ele de imediato, só conseguindo ter atenção para a confusão de seus pensamentos por estar tão perto dela, mas ao mesmo instante parecia que algo muito forte os separava.

– O trabalho, você não disse que iria ver um trabalho. – Anita explica, sorrindo descompensada.

– É, eu vou. – confirma ele aproximando-se, parecendo só se dar conta do que faria, quando a vê se dividindo entre encará-lo arisca sem focar o olhar em si. Talvez fosse mais um impulso que acabaria, por frases arrependidas e confusas depois, mas a vontade de beijá-la não lhe deixava se quer raciocinar outra coisa por mais banal que fosse, a saudade a urgência de uma espera que não tinha fim, nada mais parecia importar diante dos dois ali próximos.

O beijo calmo e envolvendo só fez se desconectarem do resto, o mundo podia acabar naquele instante, e nenhum dos dois perceberia o fato, era só os dois naquele momento, tudo havia se desfeito, eles só sentiam, ouvir ou se pronunciar não era mais importante. Entregues e sem se darem conta da realidade, jamais notariam a porta do casarão ser escancarada e alguém entrar paciente, jamais imaginando que aquela seria a cena que seus olhos encontrariam no local. Hernandez não acreditava, por um segundo achou que estava devaneando, Ben não estava beijando Anita, os dois não estavam se beijando daquela forma intensa e voraz, como se o resto não existisse, a questão de disfarçar também não parecia estar entre as prioridades do casal, já que estavam na sala da casa dos pais. Será que seus olhos estavam lhe enganando como em muito tempo não tinham feito, por momentos enquanto os observava sem ser notado, tal pensamento pairou em sua mente confusa.

– Eu creio que não estou atrapalhando nada. – com a voz rouca e embriagada de perplexidade Hernandez os aborda, Anita e Ben, ainda pareciam levar segundos para voltarem à realidade e interromperem o beijo desejoso e apaixonado que trocavam. Ficando em sobressalto os dois pararam um lado do outro, apenas fitando o latino por segundos sem saberem o que diriam...

Continua...