Apenas o tempo

Prólogo - Tudo precisa de um começo.


Virgindade.

Nunca enxerguei tal fator como um problema. Ao meu ver sempre foi algo comum, que existia e era superestimado. Principalmente quando o tópico era “virgindade em mulheres” a maneira em que livros e filmes românticos retratavam a perda deste empecilho para um bom sexo sempre pareceu ser “demais”.

Escutei por muito tempo relatos de minhas amigas sobre a perda das suas, algumas ansiavam e outras assim como eu tratavam como algo comum. Sexo não deveria ser uma obrigação, nada que fosse prazeroso para ambos lados, ao menos em teoria, não deveria ser uma obrigação. Infelizmente nem todas minhas amigas souberam disso antes de cometerem um erro, ao transarem com seus namorados para manter uma relação falida por mais alguns meses, nessa época nós beirávamos aos dezesseis anos.

Enquanto muitas conhecidas exploravam áreas até então não desbravadas por mim, em corpos de outras pessoas, eu dava meu primeiro beijo desajeitado na comemoração de aniversário dos Lightwood. Ocorreu de uma forma estranha, só tornei a beijar alguém novamente seis meses mais tarde.

Isabelle descobriu três meses depois, ficou feliz por mim, embora tenha ficado ressentida por não ter recebido a “grande notícia” e por ter me recusado a contar com quem tinha sido. Afinal como eu poderia dizer que meu primeiro beijo tinha sido com seu irmão três anos mais velho, que semanas depois nos revelou seu maior segredo: Ele era gay. Alec, o rapaz que me puxou pelo braço para conversar longe do barulho e perguntou se poderia me beijar, no aniversário de dezesseis anos da sua irmã mais nova, era gay.

Agradeci muito aos céus a sorte de não ter me encantado com o ato, caso contrário, meu coração estaria em frangalhos. Eu dei sorte. Depois da revelação a única coisa que eu conseguia sentir era alívio e isso não passou despercebido por ele.

Alec teve a mesma sensação que eu: projeto de experimentação. Aparentemente o Lightwood queria ter certeza sobre seus sentimentos, e decidiu tirar “a prova dos nove” com a amiga sem graça da sua irmã. Na minha cabeça sua atitude foi completamente estúpida, ele deveria ter feito isso com uma garota mais bonita e experiente, ou ficar com outro rapaz para ver como funcionava, se o coração batia mais forte… Não faço ideia…

Porque no final das contas, ele se sentiu culpado, e acredito que este não seja um sentimento muito bom para carregar. Então, obviamente Alec veio se desculpar:

“Isabelle já sabia do meu primeiro beijo, porém não conhecia o responsável por ele, ao menos eu afirmava que não. Até mesmo desconfiou da veracidade dos fatos depois de um certo tempo, mas sua cabeça se ocupou com outro fato: seu irmão.

Alec era gay. Contou a nós duas, eu até poderia estranhar, se desconhecesse o porquê. A culpa deveria ser muito grande. A princípio depois de ter nos contado, imaginei que seria melhor caso contasse apenas à Isabelle, e depois compartilhasse comigo. Mas… Talvez ele temesse minha reação. Mais tarde, naquele mesmo dia, quando voltava para minha casa, Lightwood me pegou pelo braço, me impediu de seguir meu caminho e se direcionou comigo até o jardim da casa:

— Você tem que parar com essa mania! — exasperei

— Eu precisava conversar com você…

— Não poderia ter feito isso na cozinha?! — murmurei nervosa. O silêncio se estabeleceu por longos segundos, talvez um minuto ou dois, mas foi rompido quando a voz pesarosa de Alec pronunciou as seguintes palavras

— Eu sinto muito Clarissa. Não sei o que me deu… — não sabia ao que ele se referia, ao beijo? Ou apenas ao rompante de hoje?

— Posso saber ao menos por que se lamenta? — questionei, desta vez mais calma.

— Por tudo, pelo beijo, por ter te trazido aqui novamente e por mim — apontou para si. Temi que se referisse à sua sexualidade.

— Está tudo bem, pelos dois primeiros. — sorri — Até porque você não deveria se desculpar pelo terceiro, por ser quem é…

— Foi completamente irresponsável o que eu fiz Clarissa. Eu sou bem mais velho que você, e…

— São apenas três anos, Alec. Sem exagero.

— Você é menor de idade. — suspirou, passando as mãos pelo cabelo — Eu fui egoísta e … — não o deixei completar a logo disse:

— Desde que você não faça novamente estará tudo bem. — ri — Só vamos esquecer, ok?

— Certo.”

A partir desse momento nós construímos algo, a princípio não sabia se era uma grande distância ou uma amizade. Mas era melhor que antes.

Izzy descobriu um ano depois, no seu aniversário de dezessete, ela disse que o que mais desejava era descobrir com quem tinha sido o tal beijo. Então eu contei, inicialmente ela não soube como reagir, mas conversamos sobre isso. Sorte a minha ela não ter perguntado com quem tinha sido o segundo.

Jace Herondale, tinha sido o responsável por me dar borboletas no estômago e meu primeiro beijo oficial. Por ironia do destino ou não, ele também era parente da Izzy. Estava se tornando um problema beijar familiares da minha amiga. Um dos grandes.

Em novembro daquele ano desastroso dos meus dezesseis anos, eu beijei Jonathan. Em uma tarde de novembro, no outono, em um laboratório vazio do Instituto. Nós estávamos na mesma sala que semanas atrás, quando procurávamos substâncias químicas em uma sala desativada para nosso experimento. Afinal ele era minha dupla

“Depois de dois dias insistindo o Instituto nos trouxe as substâncias necessárias para o experimento. Fomos autorizados a utilizar um dos laboratórios para fazer os testes. Estávamos preocupados, o trabalho deveria ser entregue em cinco dias, mas todas nossas tentativas eram falhas. A parte teórica estava pronta. Apenas a prática que estava nos enlouquecendo.

Primeiro, nós não tínhamos os elementos necessários, pois tamanhas tentativas esgotaram nossa disponibilidade de material, o segundo problema eram os horários que não batiam muitas vezes, nos dando pouco tempo para aperfeiçoar a parte teórica.

Inúmeras vezes esperei Jace sair do treino, assim como ele fez com meus ensaios de dança. Voltávamos conversando e debatendo sobre, sempre. Mas isso se tornou um dos menores problemas quando finalizamos esta parte.

Essa era nossa chance de apresentar algo bem feito em todos os âmbitos. Estávamos contando com a sorte. Tínhamos um plano B, obviamente, entretanto, o plano principal era o nosso objetivo, e estávamos tentando ao máximo fazer dar certo.

— Okay Clarissa.

— Nós conseguimos!

— Funcionou? Funcionou! Puta merda! Deu certo Jace! — o abracei, fui correspondida. Herodale me rodopiou momentaneamente, arrancando uma breve gargalhada minha, me sentia aliviada, extasiada. Ao me colocar no chão, o loiro sorriu, ainda tinha os braços em meu corpo. Minhas mãos ainda estavam em seus braços, estávamos perto. Perto demais eu diria. Mas naquele momento eu não me importei. Ele também não. Afinal, ele juntou nossos lábios.

Senti meu corpo gelar de nervosismo, eu não esperava por aquilo. Mas me deixei levar, coloquei minhas mãos em seus cabelos e tentei ao máximo diminuir a diferença de alturas ao me colocar na ponta dos pés. Suas mãos seguravam minha cintura, colocou-me próxima a um dos balcões levantando-me e me sentando por lá.

Não foi minha melhor performance, até porque minhas habilidades eram limitadas, mas eu gostei de absolutamente tudo.

Minhas mãos em seu rosto, as suas na minha cintura e no meu cabelo. A respiração quente. Até mesmo as borboletas e o nervosismo não me eram um problema àquela altura. Ele me puxava para perto. Talvez não notasse minha falta de prática.

Era bom. Incrível, poderia dizer. Minhas mãos tornaram a segurar seu cabelo. Rompemos para poder respirar, mas ele logo retornou aos meus lábios. Pressionando seu corpo novamente contra o meu. Um toque firme em meus quadris, decidido. Minhas mãos direcionaram-se ao seu jaleco quando ouvimos algo:

Um pigarro alto se instalou fazendo com que eu me soltasse de Jace. Constrangida, nervosa e trêmula. Além de estar corando ferrenhamente naquele momento. O homem estava parado em frente a porta do laboratório, agora aberta, ele deveria ter aberto, não me recordava de ter deixado-a daquela maneira.

— Espero que tenham terminado. — essa simples sentença poderia ter dois significados naquele instante — Eu preciso limpar a sala.

— Nós... — comecei sentindo minha voz transparecer todos meus sentimentos e sensações confusas naquele instante, minhas mãos agora ao lado do meu corpo, apoiadas na mármore gelada da bancada.

— Nós já terminamos — continuou Jace, como se nada houvesse acontecido — Nós só precisamos recolher algumas coisas e sairemos em breve.

— Tudo bem. Volto em alguns minutos. — se retirou.

Silêncio, era o que tínhamos. Até o loiro o quebrar:

— Você precisa de ajuda para descer? — questionou ao me oferecer sua mão, apenas aceitei sem responder, e ao ficar de pé mais uma vez não consegui encará-lo. — Você pode ir se quiser, eu consigo arrumar tudo por aqui. — afirmou.

— Certo. — concordei sem pestanejar, pegando minha bolsa e logo saindo daquele lugar.”

Duas semanas depois ele começou a namorar Aline Penhallow. Nunca tocamos no assunto.

Aparentemente eu insistia em não tocar no assunto, como sempre. Minhas duas primeiras experiências tinham sido basicamente sigilosas. Pois, beijar Alec no aniversário de dezesseis da minha melhor amiga não estava nos meus planos, assim como comemorar a funcionalidade do meu projeto de química com um beijo em seu primo no mesmo ano não se encaixavam na minha “check list”

Izzy demorou a saber do ocorrido, quando meu aniversário de dezessete anos chegou ela questionou-me sobre a razão de Jace e eu agirmos de forma estranha ao estarmos perto um do outro. Duas semanas depois da comemoração eu contei. Ela riu ao dizer que ficar com seus parentes estava se tornando um hábito estranhamente familiar para mim.

Depois de beijar Herondale e fingir que isto nunca tinha acontecido, conheci outras pessoas, como Simon e Jordan, por exemplo. Cheguei a ficar com ambos por um curto período de tempo, no máximo duas semanas, Jordan era legal, mas éramos incompatíveis quando se tratava de ter um relacionamento. Simon era incrível, mas só conseguia vê-lo como amigo, felizmente ele se tornou meu melhor amigo, e Kyle começou a namorar Maia, uma amiga nossa.

Enquanto isso, Jace ainda namorava Aline, e Alec conhecia um homem chamado Magnus.

Minha vida prosseguiu calmamente, até chegarmos em dezembro.

Naquele mês descobri que Isabelle e Simon estavam saindo, e não haviam me contado pois temiam minha reação, senti-me traída e apunhalada. Izzy sabia que eu não sentia absolutamente nada por Lewis, mas ainda assim se recusou a me contar, com medo, medo de mim. Fiquei magoada, como não poderia? Se minha melhor amiga acredita que não torcerei por sua felicidade? Brigamos. Foi um caos.

A família Lightwood não estava tão bem, Robert e Maryse entravam com o pedido de divórcio, Alec tinha assumido para a família e saído de casa. Restaram apenas Max e Isabelle para lidarem com o ódio dos pais.

Reconheci meu egoísmo ao não notar a completa bagunça que instaurou-se na vida dela, e pedi desculpas, por não notar que naquele momento não se tratava apenas de nossa amizade. Existiam mais coisas envolvidas.

Ela passou mais tempo comigo naquele mês, dormia frequentemente na minha casa, às vezes até mesmo em Simon. Enquanto Max viajou para encontrar seu irmão mais velho e passar um tempo por lá.

Conforme o Natal se aproximava as coisas tornavam-se piores. Sabia que minha amiga era acostumada com a casa cheia, a troca de presentes e família reunida. Mas sabíamos que aquilo não iria ser possível, Robert e Maryse mal trocavam uma palavra, Max estava longe, junto com Alec, e Izzy quase não entrava na própria casa. Às vezes, durante a noite, conseguia ouvir as lamentações de Izzy em choro ou em alguma ligação com seu irmão, sempre fazia questão de demonstrar que estava acordada, pois não queria ouvir a conversa, era pessoal demais, íntimo demais. Mas, quase sempre, me levantava e perguntava se Iz queria conversar, resultando em lágrimas e abraços apertados, dormíamos juntas quando isto ocorria. Nas demais vezes, a morena apenas perguntava se podíamos ficar em silêncio e tentar dormir, era quando a eu descia para abraçá-la e afagar seus cabelos. Repetindo o que ela fez comigo quando meu pai morreu.

Decidimos então fazer uma ceia nossa. Convidamos Jace, Alec, Max, Magnus, Maryse, Luke e até mesmo meu primo Sebastian. Cogitamos chamar Robert, mas não sabíamos se era o certo a se fazer. Sentimos medo, medo pela paz, medo por Alec que talvez se coagisse e não nos visitasse, medo que Robert talvez se irritasse e gritasse com Alec mais uma vez, dessa vez na frente do pequeno Max, que independente da idade que tivesse ainda seria protegido pelos irmãos Lightwood.

Na manhã do dia 24 de dezembro levamos Izzy para almoçar com seu pai, ela voltou contente ao vê-lo bem, ainda magoada pela forma que Robert agira com Alec, porém leve ao saber que ele não estaria sozinho durante o Natal, iria visitar a família, passaria um tempo por lá.

Durante noite, nossa casa encheu. Nossos convidados chegaram. Todos arrumados, vi Izzy esbanjar um sorriso contente ao ver Max e Alec. A Lightwood ficou tão feliz ao conhecer Magnus que era incapaz de esconder a felicidade, afinal aquele era o rapaz que tinha feito Alec se apaixonar e arrancado sorrisos dele enquanto a vida deles se tornava um inferno

Na noite do dia 24 de dezembro nós trocamos presentes.

Na noite do dia 24, nós brindamos ao chegar da meia noite.

Na madrugada 25 de dezembro, Isabelle sorriu, gargalhou e ficou feliz genuinamente pela primeira vez.

Na madrugada do dia 25 de dezembro, me senti útil por fazer minha amiga feliz.

Na madrugada do dia 25 de dezembro descobri que estava feliz por saber como fazer Izzy sorrir como ela fez comigo há anos atrás.

Na madrugada do dia 25 de dezembro, após um ano de namoro, descobri que Jace estava solteiro.

Na madrugada do dia 25 de dezembro, eu beijei alguém embaixo do visco.

Na madrugada do dia 25 de dezembro, eu beijei Jace Herondale embaixo do visco.