Apenas o tempo

Capítulo 8 - Todos têm medo do futuro.


Duas semanas depois.

25 de fevereiro - Terça feira

Desde a reforma o Taki’s tinha assumido uma postura mais vintage e retrô. Porém, não havia perdido o charme e as mudanças não tinham sido drásticas, algumas cores mais chamativas como amarelo, roxo e vermelho ocupavam as paredes agora, além de uma leve mudança na mobília. O cardápio continuava basicamente o mesmo, por exemplo, e ainda era nosso restaurante favorito.

Nós costumávamos nos reunir sempre que possível em uma mesa próxima à janela ou em alguma afastada da maioria, onde as luzes eram mais fracas. Apenas extremos dizíamos. Sentados à mesa podia sentir os olhos de alguém sob meu corpo, e ao observar de volta só pude sorrir. Jonathan vestia uma camisa comprida, além de um casaco marrom por cima, o inverno fazia com que nós usássemos com inúmeras camadas de roupa, seus cabelos para trás cobertos anteriormente por uma touca que repousava agora sobre a mesa. Estávamos juntos, ainda em segredo, contudo conscientes dos sentimentos um pelo outro.

Meus amigos comentavam sobre algo, contudo sentia-me absorta demais para adentrar no assunto. Como se existisse uma bolha ao meu redor. Hipnotizada por Jonathan e sua presença. Minhas bochechas ardiam pois ele fazia o mesmo ao observar meus movimentos. Seus lábios formaram uma frase silenciosa, aproveitando a distração dos demais.

Você está linda’

Só pude sorrir e antes que respondesse uma fina agulha estourou a bolha que nos envolvia, quando Sebastian proferiu o nome de Herondale, fazendo com que nosso momento chegasse ao fim.

— Cara, ‘tá impossível conseguir falar com você depois dos treinos. — comentou, obtendo a atenção de Jace que o olhava agora — O que tá acontecendo?

— Só ‘tô ocupado… — breve, mas logo continuou — Trabalhos da escola. Sabe como é. — deu de ombros.

— Tá adiantando ‘pro resto do ano letivo inteiro? — sugeriu meu primo, brincando aparentemente — É sério, quase não te vejo mais.

Embora não parecesse realmente interessada no assunto, meus ouvidos estavam mais atentos que nunca, mesmo que minha feição “blasé” demonstrasse o contrário. Meneei minha cabeça em sua direção à eles desejando me inserir conversa.

— Tá carente, Sebastian? — decidi implicar atraindo olhares da mesa — Isso tudo é saudade do seu namorado? — sorri amigável para meu primo, que fingiu enxugar algumas lágrimas ao pôr a mão no peito.

— Clary, você sabe como eu sou com meus relacionamentos. — entrou no personagem aderindo uma voz ressentida — Gosto do que é recíproco — pausou, mudando o tom para continuar — Dedicação total, e Jace anda deixando muito a desejar — o olhar entregue à Jonathan ao final da sentença e a duplicidade de sentidos em uma única frase fez com que os demais, assim como eu, rissem.

— Cara… — Jonathan apenas sorriu de forma mínima, parecendo ignorar meu comentário e a interpretação do meu primo — É só que com o fim do colegial tenho procurado me encontrar mais com a orientadora. Além do mais, estou enviando protótipos de ensaios antes de realmente enviá-los para faculdade.

— Já decidiu o que vai fazer, Jace? — perguntou Iz, mas logo quando ele iria responder a Lightwood continuou — Na verdade … — espalmou as mãos na mesa — Vocês já sabem o que irão fazer?

— Bom… — começou o loiro — Física. — disse simplesmente. Recebendo um longo suspiro da morena. Eu já sabia. Ambas respostas e reações, Isabelle já tinha mostrado repúdio a esta matéria há algum tempo. Enquanto Jonathan tinha me contado alguns dias após o nosso relacionamento se concretizar mais uma vez que desejava trabalhar em algum assunto dessa área.

A lembrança em minha mente era nítida e trazia boas sensações ao meu peito, talvez minhas bochechas pudessem corar a qualquer instante apenas pela recordação de nossa proximidade.

“Usualmente assistimos algo juntos na sala ou em seu quarto. Hoje, estávamos deitados em um colchão no porão, observando um lençol branco onde há poucas horas o filme era projetado. Enquanto Jonathan acariciava minhas costas conversávamos sobre a pressão que o ensino médio e a necessidade da escolha da profissão que teríamos pelo resto da vida e como isso afetava os adolescentes que tomam decisões precipitadas. Quando o questionei sobre o curso que desejava, e ele confidenciou-me que o seu anseio era diferente do que supus.

— Você quer ser físico? — perguntei incrédula, levantando o tronco para olhá-lo, interrompendo a carícia que era feita em meus cabelos. Recebendo apenas um som de confirmação — Professor, ou…?

— Ainda não decidi nessa parte. Mas, definitivamente físico.

— Tem alguma razão específica?— questionei encostando minha cabeça em seu corpo mais uma vez. Jonathan suspirou, não sabia o que aquilo significava, contudo, pelo clima em que nos encontrávamos, provavelmente não seria ruim.

— Eu gosto… Astronomia me parece uma boa ideia, mas ainda não tenho certeza. As duas me chamam atenção, entende?

— Suas notas se colocariam em qualquer faculdade, sabe disso não é? — minha voz soou abafada. Herondale se vira, fazendo com que nós fiquemos um de frente para o outro, minha cabeça agora apoiada em braço e meu rosto em direção ao seu tórax. Sua mão tocou minha bochecha, acariciando minha face.

— Obrigado — ofereceu um sorriso tímido — Você já sabe o que quer fazer? — questionou após um tempo em silêncio, enquanto mexia em meu cabelo. — Quero dizer, você é uma artista e tanto, decidiu a faculdade?

— Eu quero fazer arquitetura na verdade… — confessei um tanto insatisfeita com minha resposta — É mais seguro.

— Seguro? — pareceu querer levantar, pois meu corpo mudou de posição — Como assim? — se sentou levando-me consigo.

— É só que… — estiquei meu pescoço para poder vê-lo, mesmo que uma parte minha não desejasse ver sua feição naquele momento, pois temia que sua expressão me deixasse triste — Me parece certo.

— Mas… — soou confuso — Ano passado você gastou uma grana em desenho criativo, naquelas aulas do outro lado da cidade. Fez aulas de pintura por seis meses. Trabalhou em design de roupas por quase um ano, isso muito antes de o assunto sobre faculdade aparecer.

— Eu sei, eu sei. Mas… Investir nisso pensando em um futuro me parece tão incerto, Jace. — suspirei, desejando me deitar mais uma vez — Eu só quero sair de casa.

— E você vai. Mas precisa abrir mão do seu sonho para isso? — quis responder que sim, ou que era provisório, porém apenas me encostei em seu peito mais uma vez, fazendo com que nossos corpos se deitassem.

— A gente pode falar disso depois? — seu corpo tencionou, talvez a sugestão fosse ruim. De fato era, mas eu não desejava permanecer naquele tópico e desconversar era a melhor opção. Então Jonathan apenas beijou meus cabelos e começou a acariciá-los, até finalmente dizer:

— Claro. Depois..."

O som pesado de algo encostando bruscamente na mesa, chamou minha atenção devido ao solavanco. Era Izzy encenando sua decepção de forma exagerada. Atitude que me fez sorrir, pois sabia que futuramente sentiria falta de suas encenações e brincadeiras aleatórias.

Você continua com isso? — questionou levantando a cabeça — Como você pode querer compactuar com a matéria mais odiada de todos os tempos? — minha amiga recebeu apenas um sorriso de lado e um dar de ombros de Herondale, que estava convicto sobre sua decisão, há algum tempo.

— E você Velarc? — perguntou Simon, pois Izzy estava inclinada sobre a mesa, encenando suas lamentações. Mas meu primo apenas desviou o olhar, demonstrando a mínima vontade de respondê-lo.

Sebastian não tinha exata noção do que fazer, já tínhamos conversado sobre futuro e faculdade. Ele temia não poder pagar pelos estudos e que suas notas não fossem o suficiente para conseguir uma bolsa. Por isso os esportes eram tão importantes, pois ajudariam a reduzir o custo dos estudos. Embora se esforçasse para manter as notas, não parecia confiante sobre o que aconteceria nos próximos anos, afinal, medicina era o sonho de muitos, o que consequentemente aumentava a concorrência. O que, infelizmente impedia Verlac de assumir para todos o que desejava fazer após o término do Ensino Médio.

— Você conhece o Sebastian. — tentei ajudar — Ele gosta de ser enigmático. Misterioso. Menos sobre seu relacionamento com Jonathan, sobre isso ele é um livro aberto — brinquei, arrancando alguns sorrisos das pessoas presentes. — E você Simon? Já decidiu?

— Meio que sim. Já pensei em dar aulas de história, vocês sabem disso. Mas recentemente descobri que talvez eu me encaixe melhor na área de tecnologia da informação. Porém ainda não estou certo sobre isso. Eu só sei que preciso pensar sobre isso o quanto antes. — Lovelace passou a mão por sua cabeça, bagunçando seus fios.

— Às vezes parece que nós escolhemos com tanta pressa que… — começou Izzy — Na verdade nós escolhemos com pressa — riu de si mesma — Que nem ao menos pensamos sabe? É só o eterno sentimento de “eu preciso escolher rápido” e nós não vemos as outras possibilidades, porque dá medo de escolher errado ou de não dar certo. — respirou profundamente ao terminar.

O clima pareceu ter mudado por alguns instantes até que minha melhor amiga percebeu o que havia feito e endireitou-se como se espantasse tais pensamentos de sua cabeça. A morena abriu um amplo sorriso pegando o cardápio escolhendo algo enquanto tentava desviar de assunto, o que foi feito com a ajuda de Sebastian.

Conhecia alguma das inseguranças de Izzy, com certeza o futuro era uma delas. Ela sempre foi uma pessoa muito artística, aulas de teatro, dança, algumas poucas aulas de canto, cursos de dublagem e alguns trabalhos ou pontas espalhados pelo seu currículo futuramente extenso. Contudo sempre sentira que não era o suficiente. Às vezes ela me perguntava se correr atrás de tudo aquilo era loucura, e eu vivia no impasse de apoiá-la incondicionalmente e sentir medo por ela e desejar que se mantivesse segura em uma profissão aleatória, mas isso era escolher a infelicidade e não vê-la feliz com certeza não fazia parte dos planos.

Quem não tem medo do futuro atire a primeira pedra.

A profissão que você irá seguir pelo resto da vida, sem muita pressão.

Ri internamente de meus pensamentos revirando os olhos de rápido modo a fim de que não notassem meu devaneio, me concentrando nos assunto que ocorria no momento em seguida.

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Quarto da Izzy

Quatro horas depois

Isabelle parecia inquieta. Berry não era do tipo que guardava muito o que queria falar. Mas desde a conversa sobre futuro no Taki’s ela parecia nervosa, quase que ansiosa. Como se não pudesse contar os segundos esperando o que aconteceria em breve.

Agora a observava sentada em sua cama, esperando que dissesse algo a fim de que eu pudesse tentar ajudá-la. Mas nada saía de sua boca. Izzy parecia frustrada e confusa, e sentia-me impotente diante da situação. Assim como quando seus pais se divorciaram, ou quando Alec se mudou para morar com Magnus e levou Max consigo, pois a confusão era muita para uma criança de 10 anos. Afinal, como explicar que um casamento falido desmoronou como um castelo de cartas após Robert entender que seu filho não passava por uma fase e sim por uma descoberta sobre a própria sexualidade.

Mesmo que em graus distintos de necessidade, como amiga precisava estar lá por ela. Embora a situação atual me deixasse um tanto quanto aflita.

— O que foi? — perguntei de maneira suave, enquanto me aproximava esperando receber uma resposta.

— Eu quero a faculdade de atuação, peaches. Eu quero muito, mas e se eu não passar? E se todo o dinheiro economizado não for o suficiente? — questionou escondendo o rosto com as próprias mãos. Sentei-me ao seu lado acariciando suas costas. — Eu tenho tanto medo — continuou — Tanto medo, e se tudo isso for perda de tempo? Eu não quero ficar desempregada, ou ser infeliz. Nem ao menos sentir que não fiz nada do que podia, ou que não fiz o suficiente para alcançar o que eu quero.

— Acho que você está sofrendo muito antecipadamente, amiga. — tentei — Ter medo da reprovação e do dinheiro são situações palpáveis por agora, mas as outras não… — continuei o movimento da minha mão.

— Eu sei… Mas eu não sei se estou disposta a abrir mão do meu sonho pra’ ter um emprego comum. Eu quero atuar mais do que tudo. Mas parece tão irreal. Tão inacreditável e impossível de acontecer. Me dá um frio na barriga. Eu sinto vontade de fazer xixi — sorriu, embora não parecesse genuinamente contente com a conversa que compartilhamos naquele instante. Sua mão por sua face, como se enxugasse as lágrimas que não caíram.

— Esse fato sobre você eu reconheço — tentei amenizar — Toda vez antes de você entrar no palco você dizia “Se eu não for no banheiro agora, eu vou fazer na frente de toda essa gente” — ri — Mas sei que não é dessa sensação que estamos falando.

— Às vezes eu só quero que tudo pare, porque eu sinto que eu estou parando. Às vezes eu acho que esse nervosismo vai me deixar paralisada, sinto quase como se não pudesse respirar. — então as lágrimas começaram a descer pelo seu rosto. Seus bonitos olhos perdidos como nunca antes.

Meu coração apertou tão forte naquele segundo que pensei que pudesse ter sido arrancado do peito e pisoteado por uma multidão. Izzy é a irmã que eu não tenho, é a família que eu escolhi ter do meu lado. Foi quem me abraçou quando eu chorei de cólica na escadaria de incêndio do colégio, quem esteve comigo quando eu levei o primeiro fora por gostar de um garotinho quando éramos mais novas, quem me ajudou quando minha mãe saiu do prumo, quem permitiu que eu ficasse na sua casa por mais de uma semana pois eu não queria voltar para a minha, quem me consolou quando eu abri mão do curso que queria. E era ela quem quem precisava de mim agora, minha melhor amiga.

Abracei-a esperando até que seu corpo se acalmasse e não tremesse como antes. Izzy continuava a compartilhar suas inseguranças comigo, enquanto eu apenas ouvia, pois aquele momento era dela, não nosso, desviar a atenção para os meus problemas não era a solução e sim uma escapatória.

Izzy viveria para o teatro e para atuar se pudesse. Sua alma necessitava de arte, dança, música e atuação. Ela parecia imensamente mais feliz quando estava naquele meio dramático. Quando íamos à musicais eu tinha a oportunidade de vê-la com os olhos marejados e pêlos dos braços arrepiados, batendo palmas furiosamente ao fim de cada ato. Ou quando ela era quem se apresentava e encarava a platéia admirada. Sentir que falhar era uma alternativa, significava permitir e cogitar que todo esse sentimento seria arrancado de você sem mais nem menos.

— Eu não quero falhar. Mas não quero desistir. Mas tenho medo de não desistir e falhar. — cobriu seu rosto com as mãos mais uma vez

— Você não vai. — existiam ressalvas inúmeras delas. Mas Izzy não precisava disso agora, pois a Lightwood já reconhecia tais fatores. Berry não precisava que eu a alertasse sobre a possibilidade de não dar certo, sobre a quantidade de portas que possivelmente se fechariam. Ela só precisava de palavras amigas e não de alguém para a desincentivar — Você não vai falhar se tentar. — a abracei mais forte — Você precisa tentar. — beijei seus cabelos — Mesmo com medo. Porque se seus sonhos não te assustam, eles não são grandes o suficiente. Lembra? — assentiu respirando fundo

Inclinei nossos corpos até estivéssemos deitadas. Isabelle se encolheu, quase que em uma posição fetal, enquanto permitia que eu a envolvesse e acarinhasse seus cabelos. Observava seu rosto vermelho e olhos inchados. O aperto no peito não tinha partido. Vê-la daquela maneira era sentir uma parte minha entrando em desespero por não saber o que fazer para ajudar. Não há como fazer esse medo dissipar imediatamente. É um processo.

Todos temem algo. Seja o fracasso ou a rejeição. Para alguns estas são sinônimos de insegurança. Reconhecê-los pode fazer parte de um processo saudável para enfrentá-los, pois muitas vezes os mesmos não são palpáveis ou reais. Ao fim daquela noite enquanto esperava que ela dormisse uma pergunta em específico me deixou intrigada.

Do que eu tenho medo?