Apenas Um Sonho

Não sabia que você era fácil


E foi magicamente assim que tudo aconteceu. Nós nos esbarramos e agora ele não para de me perturbar, o que é o pior e a melhor parte da nossa “amizade”. Acho que ele vai bater o recorde, porque, cara, ele é muito chato. Poderia citar vários de seus defeitos, mas nada disso importa... Afinal, pra quê citar defeitos se as pessoas têm qualidades? A dele com certeza é a beleza.

— No que você tá pensando, gorda? — falou mordendo os lábios e mostrando a língua, cara, que infantil.

— Não te interessa. — respondi mordendo os lábios e mostrando a língua, como ele.

— Além de gorda é grossa e estúpida. Mas, qual é o seu nome mesmo?

— Não te interessa. — Afirmei e ele debochou.

— Se não me interessasse eu não estaria te perguntando! — falou mostrando o dedo do meio.

— Tá bem, chato. É Luna. Luna Parks. — respondi e fiz o mesmo sinal.

— Luna... Nome ridículo... Mas enfim, prazer, Ken. — debochou novamente e pôs-se a rir.

— Ken... Namorado da ‘Barbie’? Coitada. A propósito, nome ridículo também.

Ele riu e o sinal soou, indicando o fim da aula. Fui para minha casa com aquele peste já que éramos vizinhos. Ele, como sempre, não parou um instante de me infernizar, e eu,guerreira, tentei responder a mesma altura toda vez que algo acontecia.

— Tchau “gorda”! Até amanhã. — disse o loiro acenando.

— Tchau chato. Até amanhã. — respondi dando de ombros.

Aos poucos nossa amizade foi aumentando. Nossas conversas foram se tornando mais maduras e profundas, mas sem perder o bom humor e as brincadeiras que ele não deixava para trás, até o ponto de revelarmos os mais secretos dos segredos: o amor.

— E então, Ken... Quem você ama? — perguntei e ele não respondeu. — Ken, estou falando com você... Quem você ama?

Ele virou o corpo de frente para mim e fitou-me seus lindos olhos azuis.

— Sério que posso te contar?

— Claro que pode, afinal você é a pessoa mais chata que eu conheço. — respondi e ele gargalhou.

— Então vou te contar. Eu amo uma garota que mora longe daqui. Ela se chama Sthefanni e eu só a amo por causa do meu irmão. Digamos basicamente que ele é o mais popular da escola e nós tivemos uma briga por ela. Acabou que eu tive que me mudar para cá porque perdi.

Fiquei assustada e pensando se poderia ser a Sthefanni que eu conheço.

— Sthefanni? Que Sthefanni? Conte-me sobre ela, como ela é... E conte-me sobre seu irmão também, estou curiosa.

Ele suspirou e tomou um copo d’água que estava ao seu lado.

— Sthefanni é uma ruiva de olhos verdes. É uma garota gentil e alegre. E meu irmão se chama Finn, somos gêmeosfraternos. Tudo começou quando eu revelei a ele que amava a ruivinha de olhos verdes, a mais popular da escola. Ele não fez nada, nem falou nada nesse dia, mas depois de algumas semanas ele também se abriu comigo e fizemos uma aposta. A aposta dizia o seguinte: quem conseguir namorar primeiro, com a Sthefanni, ficaria na cidade, e o outro iria morar com o pai nessa cidadezinha que estamos. Ele ganhou e hoje estou aqui.

Respirei fundo e vi que todas as características batiam com as de Finn e Sthefanni, exceto que os dois namoraram e que Finn tinha um gêmeo fraterno. Não sei se o mundo é tão hipócrita a ponto de dar-me esse enorme desgosto, mas nada que eu fizer vai mudar essa situação. O jeito é acreditar que tudo que foi dito naquela sala era verdadeiro e aceitar os fatos.

— Ken, vou te falar uma coisa e você vai ficar surpreso.

— Pode falar Luna. — suspirou — desde que isso aconteceu, nada mais me abala de uma maneira verdadeira.

— Eu sei de quem você está falando e agora está na hora de eu me abrir com você. Bem, Sthefanni é a minha melhor amiga e Finn é o garoto que amo.

— Do que você ta falando? Do Finn, meu irmão? — perguntou e tomou outro copo d’água. Seus nervos e pensamentos estavam borbulhando.

— Sim, dele mesmo. Continua o mesmo garoto popular de sempre, porém não está namorando a Sthefanni. Acredite, eu estou mais surpresa do que você. Nada mais me choca tanto quanto isso me chocou. E bem, eu vou ligar para ela para ouvir da boca dela tudo o que você me disse. — falei e ele limpou a lágrima que estava a ponto de percorrer meu rosto.

— Não chore. A vida não é fácil para ninguém. Não pense que depois que me mudei para cá muita coisa mudou, porque não mudou nada. Eu continuo tendo os mesmos sentimentos. Mas, o que é a vida, não acha? Muito irônico para meu gosto você vir parar aqui e chegarmos nesse tipo de conversa... Talvez seja o...

— Destino? É eu sei. — interrompi-o e ele concordou. — Bom, agora eu vou ligar para Sthefanni, você vai querer ficar aqui para ver inúmeras lágrimas caindo? Se quiser não tem problema algum, acredite.

— Não, vou deixar você conversar sozinha com sua amiga. Eu sei o quanto vai doer e por mais que eu seja muito chato, eu estarei sempre aqui para te ajudar nos momentos mais difíceis, e até te darei um ombro para desabafar, se precisar.

— Ok, Ken. Qualquer coisa eu te chamo, afinal somos vizinhos, não é? — falei e a sensação chorosa no meu rosto se transformou em uma gargalhada simples e sincera.

Ele saiu da sala onde estávamos e foi embora. Peguei meu celular já tremendo de ódio e liguei para Sthefanni.

— Alô, Luna? Cara, você sumiu, o que aconteceu? — foi sua primeira e única fala antes da tormenta.

— Sthefanni, eu sei de tudo. Eu sei que você já namorou o Finn e que agora deve estar nos braços dele, enquanto eu estou aqui sofrendo de amor por ele. Você não tem decência na vida, não? Cara, todo mundo te ama, você deveria pelo menos saber a intensidade disso. Acabei de falar com mais um sofredor e ele te ama. E não é Gerald, é outro.

— Outro? Quem?

— Sim, é ele mesmo. — respondi.

— Ele quem?

— Cara, você ta surda, ou o que? Você me perguntou se era o Ken e eu disse que era, acorda para vida garota.

— Eu não perguntei se era o “Ken”. Perguntei quem era. — falou e eu não continuei a risada, mesmo estando muito brava com ela.

— Mas agora você já sabe que é o Ken. Você me deve explicações, começando agora.

— Tá bom, Luna. Eu já namorei, sim, o Finn, mas já faz muito tempo e tudo já é passado para mim. Tudo começou quando eu cheguei à escola, mas precisamente em dois mil e nove, quando ainda não nos conhecíamos. Sentei-me ao lado de Finn e ele não parava de olhar para mim. Até que certo dia ele decidiu tomar atitude e pediu para ficar comigo. Eu aceitei, pois achava ele bonitinho. O irmão dele, o Ken, também pediu para ficar comigo e eu também aceitei.

— Pera aí, você nunca me disse que ficava com qualquer um, sempre achei você tão santinha e comportadinha.

— Para, Luna. Eu não fico com qualquer um como você disse, eu primeiramente vejo se é um bom pretendente e depois eu dou minha resposta. Mas enfim, posso continuar?

— Pode. — respondi e ela fez o famoso “tsc”.

— Pois bem. Então, eu fiquei com os dois. Eu era a garota mais popular naquela época, mas nunca fui nojenta como as outras garotas, por isso os garotos sempre me queriam. Passado mais ou menos dois meses disso, Finn me pediu em namoro, e eu aceitei.

— Viu, você não é a santinha da vida. — interrompi-a e ela fez novamente aquele barulhinho insuportável.

— Luna, não me interrompa mais, eu não gosto. Continuando, eu só aceitei porque os garotos estavam me perturbando muito, e eu não gosto disso. Como nenhum deles tinha me pedido em namoro, eu aceitei, pois assim, ninguém mais iria me infernizar. Então, minha fama foi acabando e eu fui ficando cada vez mais impopular, foi quando soube que Ken se mudou da cidade por uma aposta com seu irmão, uma aposta boba que falava o seguinte: o irmão que conseguisse namorar comigo primeiro, ficaria na cidade, e o outro iria embora morar com o pai. Como não gosto de coisas do tipo, eu terminei com Finn e tudo acabou por aí. Satisfeita agora? — falou e eu pude sentir um pouco de deboche no seu tom de voz.

— Não, ainda não. Primeiramente, eu gostaria de saber o porquê de você nunca ter me contado isso. Cara, se eu te falei que amo o Finn e blá blá blá quando começamos a ser amigas, você deveria ter falado que já ficou com ele e blábláblábláblá, entende?

— Mas se eu falasse, nossa amizade iria acabar.

— Claro que não, afinal você não estaria mais gostando dele e não teria problema nenhum. Ou será que você ainda gosta?

— Claro que não, Luna. Finn para mim é passado e eu não quero revivê-lo. Agora eu estou vivendo feliz com Gerald e pronto. — afirmou e eu fiquei boquiaberta.

— Com Gerald? Mas nenhum dos dois me contou nada, por que vocês fazem isso comigo? Não é justo.

— Sim, você não acredita no que ele fez para mim.

— O que ele fez para você? — perguntei cruzando os dedos torcendo para que fosse algo bom.

— Muitas coisas. Primeiro, ele trouxe-me provas de que Wellington me traiu com Carolyn. Segundo, ele fez uma grande declaração para mim. E terceiro me pediu em namoro. — falou seguidamente, sem parar uma vez sequer para respirar.

— Meu Deus, que lindo. Mas agora me conte: como foi essa tal declaração? — perguntei curiosa e ela suspirou.

— Foi lindíssima. Ele estava me esperando em frente a minha casa, com um buquê de rosas vermelhas e bem cuidadas, ao som de um violinista e uma mulher de meia idade tocando harpa. Ele recitou versos e entregou o buquê e foi quando percebi que também havia rosas brancas formando letras e afastando o buquê de mim, pude ver o dizer: “Namora comigo?”. — falou, com o tom de voz apaixonado e calmo.

— Deve ter sido mágico. Sabia que Gerald sempre foi romântico, eu sinto. E como tem sido a relação de vocês dois? Não que eu seja intrometida, mas é que você sabe, meus dois melhores amigos juntos... Só tenho medo que agora vocês me deixem jogada para os cantos sem atenção e amor... Seria algo muito ruim. — argumentei e ela deu uma breve risadinha.

—Sim, foi mágico. Ele é muito romântico mesmo, e nossa relação tem sido o máximo. Já chegaram vários presentes fofos como ursos e caixas de bombons aqui na minha casa. Não estou com ele pelos presentes e sim pelo seu jeito meigo de ser que me encanta. Mas enfim, pode ficar tranquila que a gente nunca vai deixar você largada pra canto, pode acreditar. — afirmou e deu um longo e leve suspiro.

— Espero mesmo que isso nunca aconteça, viu? E agora eu quero que você venha me visitar e traga Gerald. Não sei se você ta sabendo, mas agora eu não estou morando mais aí. Minha mãe deu uma de louca e falou que a gente tinha que se mudar o mais rápido possível e que era um caso de vida ou morte... Vai entender né? — falei e ela gargalhou.

— Pode deixar que em breve eu vou aí e levo o Gerald. E tenta voltar para cá, estamos morrendo de saudade.

— Tá bom, eu vou fazer o possível e o impossível para voltar para minha querida zona rural. E estou te esperando então. Até mais. — respondi calmamente e desliguei o telefone.

De tudo o que foi dito, posso dizer que aprendi duas coisas: não posso confiar totalmente em uma pessoa porque uma hora ela acaba te dando uma facada nas costas com uma notícia como essa e Sthefanni ganhou novamente meu respeito, porque pelo menos falou a verdade. Está aí mais uma prova que eu não sou mais totalmente dependente de Finn.

O relógio a essa altura já marcavam vinte e uma horas, mas Ken não resistiu e veio falar comigo.

— Desculpe, “gorda”, mas eu escutei tudo. E eu não gostei quando você falou de mim. Cara, ela não pode ficar sabendo, como eu vou conquistá-la, agora? Eu ainda a amo, você não devia ter feito isso.

— Cara, escapou. Eu achei que ela tinha falado “Ken”, quando na verdade estava perguntando quem era. Mas ela não falou mal de você, prova de que você ainda tem uma chance.

— E como ela está? Tudo bem com ela? — perguntou e eu hesitei em contar sobre seu namoro com Gerald.

— Ela está ótima. Qualquer dia vai vir me visitar e quem sabe vocês não se falam? Seria ótimo, não acha? — tentei consolá-lo, mas uma expressão raivosa dominava sua face.

— Eu sei que ela está namorando um tal de Gerald, esqueceu que eu ouvi a conversa toda? Bem, espero que ele e faça feliz. E que dia ela vem?

— Não sei, mas acho que vai ser breve. Ela está muito ansiosa para me ver e eu também pedi bastante para que ela viesse. Lamento em questão de Gerald, mas sim, ela está namorando.

— Tudo bem, já estou acostumado. Lembre-se que eu já a perdi para meu irmão, e isso dói muito mais do que perdê-la para um desconhecido. Mas enfim, estou ansioso.

— Também estou ansiosa. Que ela venha logo para que possamos resolver todo esse assunto logo, não gosto de deixar nada pendente.

Ele se despediu e saiu. Deitei-me na minha cama, que já estava velha e acabada. Fechei os olhos e por fim veio a escuridão, seguida da imagem que já vem me atormentando há algum tempo: a de um homem com uma faca em mãos, ameaçando se suicidar. Não consegui pensar em nada. Senti medo e frio. Pensei que algo poderia estar acontecendo com a minha família, ou com meus amigos. Acordei no meio da noite e peguei um dos famosos remédios da minha mãe, dessa vez numa estante que ficava na mesa do jantar. Ninguém percebeu nada, por isso, consegui dormir sem arrependimentos.

Amanheci e fui para a aula, acompanhada do babaca do Ken. Ele estava mais feliz, talvez porque descobriu que Sthefanni iria vê-lo novamente. A aula passou mágica e rapidamente. A sensação foi a de estar sonhando, sem destino algum, sem noção do tempo. Quando estava chegando em casa, deparei-me com Sthefanni, Gerald, Finn e também Mary.

Fui recebida carinhosamente por Sthefanni e Gerald. Finn e Luna olhavam-me cautelosamente. A reação de Ken ao ver Finn não foi muito boa, mas foi compensada ao ver Sthefanni. Tudo se passou muito rápido, e as atitudes foram impensadas.

Tudo isso explodiu quando Finn beijou Mary na minha frente e eu os interrompi, dizendo:

—Conheçam meu namorado, Ken.