Apenas Um Sonho

As folhas acabaram...


Olhei para baixo e me assustei com o que vi. Nunca aquilo havia acontecido comigo. E aquilo que molhava a minha calça jeans me angustiou de uma maneira vergonhosa. Sem chamar a atenção do meu irmão, que com certeza riria de mim, caminhei até o banheiro procurando andar lentamente, pois preocupada com a sujeira que aquilo poderia causar.

Assim que entrei, tranquei a porta e já fui me despindo. Ao ver aquela enorme quantidade de sangue que saia eu quase desmaiei. Eu era uma garota de 14 anos, mas eu nunca havia menstruado. Como eu já havia estudado o ciclo menstrual, ele já era familiar para mim, eu só não imaginava que isso iria acontecer naquela hora.

Sentei-me no vaso e pus as mãos na cabeça. Já havia ouvido as garotas falarem sobre o absorvente e supositórios, mas nunca, nunca havia usado um. A minha mãe deveria ter um, mas a onde?

Minha mãe, como sempre, não estava em casa. Ela havia levado os gêmeos ao parque e enquanto eu procurava desesperadamente um absorvente, ela deveria estar empurrando os dois no balanço, completamente despreocupada comigo e com meu irmão. Não achei o absorvente e então decidi tomar um banho. Mesmo assim o sangue continuava a escorrer entre as minhas coxas e decidi ligar para minha mãe. Uma, duas, três vezes e nada. Provavelmente ela deixara o celular em casa.

Eu estava perdida. Decidi colocar um short velho e me trancar no quarto. Foi horrível a sensação de virar mocinha sem a presença de minha mãe. O tempo passou e minha mãe chegou. Assim que ouvi o barulho dos meus irmãos lá embaixo eu caminhei, com cuidado, até a escada e ouvi a minha mãe gritar lá de baixo:

–Cheguei! – Por um momento achei aquilo irônico. Com a bagunça que meus irmãos faziam era perceptível a chegada dela.

–Mãe! Venha até aqui, por favor. – Chamei-a, ela me olhou franzindo o cenho e me deixando cada vez mais nervosa.

–Do que se trata? – perguntou minha mãe lá de baixo e logicamente eu não iria dizer que estava sangrando demais e até agora. Meus irmãos ririam e pior, não me compreenderiam.

–É sério mãe, venha. – Pedi com as lágrimas se aflorando nos meus olhos. Eu não havia chorado até agora, mas estava prestes a desabar.

Escutei o barulho dos passos dela na escada. Fiquei apreensiva e nervosa, pois não sabia o que ela ia pensar como ia me tratar ou o que iria falar. A cada passo meu coração batia mais rápido e forte. Eu não sabia se era o nervosismo ou o fluxo, mas achei que estava tendo um colapso.

–Filha! O que foi? – Perguntou-me assim que terminou de subir as escadas. Suspirei e analisei como iria dizer aquilo. Falei baixinho:

–Eu menstruei. – Bem, saiu mais alto do que eu gostaria, ela me olhou franzindo o cenho e viu uma pequena mancha vermelha no meu short velho.

–Mas quando aconteceu?– Ela estava um pouco vermelha com a pergunta, mas com certeza eu estava mais vermelha ainda.

–Quando eu cheguei em casa. – Disse. Ela me olhou e acho que agradeceu a Deus por não ter sido na escola. Eu também havia agradecido por isso. Segurou a minha mão e me levou até o seu quarto.

Ela me olhou um pouco diferente. Pensei ter visto um brilho nos olhos dela, acho que imaginei. Assim que ela abriu a porta da instante eu a vi tirando de uma caixinha uns sete pacotes, deixou-os ali em cima da cama e desceu novamente. Mas foi só isso.

Minha mãe praticamente havia me ignorado, havia ignorado a minha menstruação, ela havia ignorado a minha preocupação. Sinceramente, às vezes, eu achava que a minha mãe não me queria. Que mãe faria isso com a sua filha? E aquele papo de “vamos sentar e conversar sobre o que foi isso e...”. Segurei as minhas lágrimas e cheguei à conclusão de que ela realmente não se importava comigo.

Acho que aquela foi a pior sensação que tive na minha vida. De ser ignorada e botada de lado. Depois daquilo eu fui ao banheiro. Tomei mais um banho e coloquei uma nova roupa. Com muita dificuldade coloquei o absorvente. Para completar minha noite ainda tive que passar por dolorosos e tensos minutos de cólicas e dores de cabeça. Fui até a cômoda da minha mãe vagarosamente, sem fazer barulho e peguei três comprimidos para dormir, que ela guarda quando tem insônia. Fui até a cozinha e peguei um copo com água. Sem medo e sem piedade coloquei os três comprimidos em sequência, e depois a água. Sei que pode me fazer mal, mas hoje não quero mais pensar em nada, quero apenas dormir.

Depois daquilo eu me dirigi até o meu quarto, fechei a porta e me deitei na minha cama. Fechei os olhos, mas não conseguia dormir, não sabia o motivo. De repente, ao abrir os olhos o dia já havia amanhecido. Estranhei, mas rapidamente me levantei. Ia ser bom ver a Sthefanni mais uma vez.

Depois de tomar café e me arrumar eu fui para frente de casa e fiquei esperando o ônibus. É claro que eu poderia até correr à casa de Sthefanni, mas fiquei preocupada com o tempo, como sempre, eu estava atrasada e o ônibus também.

Minha mãe gritava um pouco pela bagunça que os gêmeos estavam fazendo já cedo e eu sorri. Ainda sorrindo avistei o ônibus e esperei ele parar. Dei um bom-dia ao motorista que não me respondeu e fui me sentar no último banco esperando ansiosamente por Sthefanni.

Assim que vi sua imagem no ônibus, eu fiz um sinal para ela indicando que eu estava no último banco. Senti-me um pouco constrangida depois disso, mas nem liguei, pois o importante era chamar a sua atenção. Achei que ela fosse me ignorar, mas ao contrário, se sentou ao me lado e foi logo puxando assunto.

– Como você está? Você viu a nova música da Katy Perry? – Perguntou-me sorrindo e eu respondi sorrindo, dando continuidade ao assunto.

Enquanto conversávamos, nem percebemos que o tempo havia passado ou que a chuva havia caído e que a metade dos alunos da zona rural não estava no ônibus. Quando o ônibus parou a gente desceu e fomos a uma área coberta. Era incrível como aquela garota havia me conquistado em tão pouco tempo.

Assim que nos sentamos no banco começamos a fazer as lições, que eram muitas. Diferente de mim, Sthefanni era muito inteligente e enquanto resolvia os deveres de matemática, me explicava o que era aquilo e como funcionava. Para não nos perdemos em meio a tantas lições, disse:

– Você é muito boa na escola, se tudo der certo, poderemos fazer nossos trabalhos juntas.

–Claro, é o que pretendo. – Respondeu-me sorrindo.

No entanto, mesmo com minhas tentativas, acabamos nos perdendo.

Havíamos resolvido grande parte dos exercícios, mas o sinal havia batido indicando a primeira aula. Nesse turno, a aula seria com a professora Yuna. Era uma senhora de uns cinquenta e poucos anos com cabelos grisalhos e a pele áspera.

Assim que eu e Sthefanni entramos na sala, a professora também chegou fechando a porta e colocando suas coisas em cima da sua mesa. Abriu a boca e falou com a sua voz um tanto estridente:

Alunos, hoje nós teremos uma aula diferente. Vou pegar na lista de chamada os nomes e irei distribuir da seguinte forma - meus olhos brilharam na esperança de sair com Finn - Irei pegar o primeiro nome da chamada com o último, o segundo com o penúltimo e assim por diante.

Aquela era a minha chance. Fiz alguns cálculos rápidos e vi que tinha muitas chances de sair com o Finn.

Wuny com Ana, Victoria com Angel, Tina com Albert [...] – continuou dizendo os nomes das duplas formadas e cada vez mais meu nome ia chegando mais perto. Petter com Edward. - o próximo era Finn. Restava saber se eu era a próxima. Analisei e conclui que tinha boas chances. - Mary com Finn – Esqueci-me de Mary, vamos ver com quem eu vou ficar. - Luna com Gerald [...].

Por que eu tinha de sair com o Gerald? Por quê? Aquele nerd não havia simpatizado comigo desde a primeira vez, agora mesmo ele iria me odiar. Para piorar ainda mais a minha situação, Sthefanni havia ficado com Carolyn, conhecida como a mais amigável da classe e... E se ela roubasse Sthefanni de mim? E se ela me tirasse a minha única e melhor amiga? Decidi fortificar meus laços com Sthefanni e apelei para o ciúme.

–Espero que você não me troque por ela!

–Claro que não, é só um trabalho. – Respondeu-me Sthefanni sorrindo.

Fiquei muito aliviada. Depois de todas as duplas formadas, Srta. Yuna explicou o que iríamos fazer: buscar nossas origens e descendência, perguntando para nossos pais e fazer uma espécie de documento com essas informações.

Minha mente parou de funcionar o resto da aula, o que considero o maior motivo para eu não ter notado a chegada do recreio. Sai da sala muito cabisbaixa, rolando os olhos entre os alunos e sentei-me no mesmo banco frio daquela manhã chuvosa. Depois de míseros segundos, senti um calor ao meu lado, era Sthefanni:

– O que foi? - Perguntou-me assim que chegou mais perto. Eu não sabia como responder, achava aquele motivo idiota, mas me preocupava, apesar de tudo, não queria dar razão ao Gerald e o fazer ter certeza de que eu era incompetente para fazer os trabalhos.

– Nada. É só o trabalho das origens... Bem, eu não sei como fazer uma pesquisa com minha mãe, nós não mantemos uma boa relação. – Havia também o fato de a minha mãe ter que se sentar ao meu lado e me ajudar. Eu não queria muita atenção, apenas um pouco. Só para me fazer sentir como se eu também fosse sua filha.

Sthefanni percebeu que eu não queria falar sobre o assunto e então apenas resmungou meia dúzia de palavras. Começou a falar de doces e eu fui respondendo não muito animada. Eu queria poder desabafar com ela, mas eu estava com medo do que ela poderia achar de mim.

As aulas passaram mais rápidas depois do intervalo e eu fiquei calada o tempo todo. Como Gerald não havia vindo falar comigo, eu também não ia falar com ele. Assim que o último sinal tocou indicando que estaríamos liberados, eu fui para o ônibus ao lado de Sthefanni.

No ônibus, disse apenas algumas palavras que se aglomeravam em frases sem sentido. Sthefanni percebendo a minha situação parou de falar e se despediu de mim com um beijo na face.

Minha casa era um pouco mais a frente, mas logo fui me levantando e mais uma vez me senti perseguida por aqueles olhares fixos em mim. Escutava todos os tipos de comentários, que eu não sabia me vestir, que me faltava amor próprio. Suspirei e desci na frente da minha casa, na frente do meu tosco portão amarelo.

Entrei em casa sem esboçar nenhuma reação estranha, ou sentimento. Fui até a cozinha, onde encontrei Rowley em um dos seus atos nojentos, comendo uma maçã com a boca aberta. Peguei um pouco de cereal e subi para meu quarto, mas antes dei uma breve explicação:

–Tenho um trabalho pra fazer, e não quero ser incomodada. Já estou levando o lanche, então não se preocupem.

Foi muito fútil de a minha parte gastar minha saliva falando aquilo, eu havia me esquecido da parte que ninguém daquela casa se importa comigo.

Entrei no meu quarto e coloquei uma música no meu mp3 para me acalmar. Eu já estava "morta" de preocupação, então não demorou muito para eu começar a dormir. Fechei os olhos e não vi mais nada naquele dia.

Fui acordada pela minha mãe, com olhares nem um pouco preocupados:

–Acorda lerdeza, já está na hora de ir pra aula - enquanto falava isso, colocava meus materiais na minha mochila.

Rapidamente raciocinei a situação e falei que estava com cólica e muita dor de cabeça, com aquele drama para faltar à aula. Ela nem teve tempo de me perguntar “como você está” ou “tudo bem”, atitudes de uma mãe normal, apenas saiu e foi ver seus queridos filhos.

*'*

Rowley saiu para encontrar aqueles amigos que disse, e minha mãe saiu para passear no parque com os gêmeos. Eu estava sozinha em casa. Liguei a tevê, peguei os salgadinhos de presunto e o refrigerante, e o tempo parou. Parece que não teve efeito todo meu esforço. Para completar, a chuva danificou meus ouvidos, com sua chata melodia, me levando a mais alta irritação.

Tentei outra estratégia: peguei um papel, uma caneta e comecei a embaralhar letras e formar desenhos. Na medida em que eu amassava os papéis usados, fui jogando-os pela janela. Escrevi tudo o que eu estava sentindo. Esta técnica sempre passa na tevê, e realmente funciona. Mas as folhas acabaram, o que me levou ao tédio novamente. Peguei um filme do meu irmão e comecei a ver. Pena, que não era de meu interesse. O dia foi escurecendo e minha mãe chegou, com os dois pequeninos. Dois minutos depois chegou também Rowley, todo sorridente. Nem um deles me disse "oi", e eu também não dei esse prazer a eles. Estava um pouco ansiosa pela chegada dela, mas decidi esperar ela descer. Como ela não vinha, decidi subir as escadas e ir até o seu quarto. Fui determinada para perguntar a minha mãe sobre nossas origens, mas Rowley subiu correndo as escadas e disse:

– Espere um pouco lá embaixo, eu tenho que falar umas paradas aí e você e a mamãe precisam ouvir. – Então tá né, eu achei aquilo um pouco estranho e quando cheguei lá embaixo ouvi minha mãe gritando do banheiro de cima:

–Espere um pouco, vou dar banho nos bebês e depois de tomar um banho e depois converso com você.

E assim fez. Deu banho nos gêmeos e tomou um banho. A demora me angustiava.

Depois de longos minutos ela desceu com os nenês todos arrumados e perfumados. Olhou para mim que estava sentada no sofá e depois olhou para Rowley questionando-o:

–O que aconteceu, Rowley? - seu olhar estava um pouco mais apagado, talvez era o pressentimento que nada de bom estava vindo.

Rowley estava muito nervoso, isso era bem perceptível. Eu estava imaginando o que ele havia feito e já não aguentava mais de tanta curiosidade. Então ele começou a respirar fundo e tomou coragem para iniciar seu pronunciamento:

– O que eu tenho para dizer é algo muito sério...