Anti-hero

Anti-Hero (Único)


I should not be left to my own devices,

(Eu não deveria ser deixada sozinha)

They come with prices and vices

(Essas situações vêm com preços e vícios)

I end up in crisis

(E eu acabo em crise)

Anti-Hero — Taylor Swift

(…)

WANDA MAXIMOFF TINHA UM PROBLEMA: embora estivesse ficando mais velha, não se sentia nem um pouco mais sábia. Nem mesmo a marca dos vinte e nove anos traziam a sabedoria desejada. Estava encolhida e assustada na cama como uma garotinha com medo da chuva. Sentia tanto asco de si mesma que todos os espelhos da cabana estavam cobertos.

Tudo porque temia encontrar aquela versão pavorosa de si refletida — e, honestamente, olhar diretamente para o sol parecia uma opção mais agradável no momento.

O som das corujas lá fora indicava que um novo dia ainda não havia chegado, mas não era como se importasse com isso, já que seu espírito depressivo trabalhava melhor de madrugada, apontando cada um de seus erros. Não eram poucos.

Além disso, ela odiava dormir. Porque dormir implicava sonhar; sonhar implicava em vê-los, e Wanda não queria vê-los. Wanda não queria ver aqueles passaram por sua vida e desapareceram bem diante de seus olhos.

Seus pais. Pietro. Steve e Natasha. Seus meninos e… Visão. Em seus sonhos, todos eles ficavam parados olhando no meio da sala, como se estivessem julgando sua conduta deplorável — ele, principalmente.

Mas não podia condená-los por isso. Ela também se julgava, afinal, havia feito (muitas) coisas das quais não se orgulhava nem um pouco e, mesmo que o Darkhold a tivesse corrompido, sabia que tinha sua parcela de culpa naquilo. A pior parte era saber que não se arrependia totalmente.

Claro, as faces aterrorizadas de Billy e Tommy foram o gatilho que precisava para perceber que fora longe demais. O poder do livro dos condenados era perigoso, tentador e não estava seguro em suas mãos. Nas mãos de ninguém. Destruí-lo foi sua decisão mais sensata em meses.

Mesmo assim, uma vozinha em sua cabeça ainda se perguntava “e se houvesse outra maneira de trazer meus meninos de volta?” “Qual seria o custo?” “Estaria disposta a cruzar a linha novamente?” Ela sacudiu a cabeça. Aquela obsessão estava mais uma vez se tornando um vício perigoso. E destrutivo, assim como ela era.

Mas Wanda estava tão cansada de ficar sozinha de novo e de novo. Era incrivelmente poderosa. A Feiticeira Escarlate, como Agatha mencionara e, mesmo que ainda não tivesse alcançado todo seu potencial, sentia seu poder crescendo mais e mais por suas veias na mesma proporção em que seu coração endurecia como pedra a cada perda. Talvez a solidão fosse o preço a se pagar por tanto poder, como uma forma de equilibrar o universo.

Mesmo que não fosse justo. Wanda nunca desejou nada daquilo.

— Do que adianta todo esse poder se nunca consigo proteger aqueles que estão ao meu redor — resmungou sozinha com amargura ao se levantar da cama. Não dormiria, de qualquer maneira.

Casualmente, ela conjurou um cardigã sob seus ombros, mesmo com a temperatura perfeitamente agradável da cabana. Wanda agora compreendia a extensão de suas habilidades, seus limites e conjurar um feitiço de proteção na cabana era natural como respirar. Além disso, não temia mais a si mesma, como se fosse uma bomba relógio. Um alento e um alívio. Dessa forma, podia continuar onde estava sem ser incomodada e se defender, caso necessário.

E não corria o risco de destruir nada acidentalmente, pensou.

Ela respirou fundo e cruzou as pernas. Meditar era uma boa maneira de clarear a mente tempestuosa e redirecionar suas energias, um pequeno truque ensinado por Strange, quando ainda estavam em paz. Ela contraiu o rosto, não valia a pena remoer aquilo.

Porque, na verdade, ela era o problema.

Apenas ela.

Wanda controlou uma cidade sozinha.

Wanda se deixou corromper pelo Darkhold, mesmo ao ver o que o maldito livro havia feito com Agatha.

Wanda tentou absorver os poderes de uma criança, ciente de que ela morreria no processo.

Não era mais uma heroína e provavelmente todos concordariam se dissesse que nunca havia sido uma, não de verdade. Estava longe de possuir um terço da nobreza de Steve, a coragem de Natasha ou mesmo a bondade de Visão. No fundo, tudo o que Wanda queria era se proteger. Enquanto expirava o ar dos pulmões, pensou se algum dia teve boas intenções ou se seus atos altruístas eram apenas uma maneira de encobrir o próprio narcisismo, como um maldito congressista. Ela riu.

Seria pedir demais uma vida tranquila com aqueles que amava? Por que isso a tornava a vilã da história?

— Você não é a vilã, Wanda.

De novo, não.

— Não é real. Não é real.

Era mais um sonho ou apenas um delírio? Wanda não sabia dizer.

— De fato, não sou real — Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto dela. Ainda era doloroso ouvir a voz de Visão — mas ainda estou aqui. E você não é a vilã.

— Os magos de Kamar Taj discordariam de você — Além de América, Strange, os Illuminati… A lista era enorme — você veio da minha cabeça, não veio? Vai dizer que eu estava certa? Que fiz o que fiz por influência do Darkhold? Que qualquer um faria o mesmo em meu lugar?

— Não — disse ele simplesmente — sou uma parte do Visão projetada a partir de suas lembranças. Isso não quer dizer que concordo com o que aconteceu.

Wanda abriu os olhos quando sentiu os dedos gelados dele tocando em seu rosto. Ele era exatamente como se lembrava e, provavelmente, mais uma maneira de seu inconsciente puni-la. Talvez ele estivesse ali apenas para deixá-la sozinha, cansado de suas intrigas. E então sua vida perderia o sentido de vez.

Mas ele não fez isso. Visão apenas a olhou da mesma maneira de sempre, como se ainda estivessem no complexo dos Vingadores anos antes, cozinhando enquanto ele docemente tentava convencê-la de que ninguém a odiava.

— Não posso mais sair desta maldita cabana — ela confessou — É como se eu fosse o monstro da montanha: grande demais para me arrastar pela cidade, assustadora demais para ser vista pelas pessoas.

Ele inclinou a cabeça.

— Está com medo das pessoas? De rejeitarem você? Ou está com medo de si mesma e do que pode fazer?

Ela ficou em silêncio por um momento. Então:

— Não tenho medo, não mais. Eu só… estou cansada. Cansada de ser o problema. Cansada de perder. E cansada desse vazio.

Visão segurou a mão dela. Ele não podia dizer que estava ali. Porque, tecnicamente, ele não estava. Seu toque, no entanto, ainda trazia certo conforto.

— Queria poder dizer a você que faria diferente — Wanda continuou — que se eu pudesse, mudaria tudo, mas não vou. Porque sei que é mentira. Só que… mesmo assim, sinto que preciso continuar, de alguma maneira. Mesmo que agora eu seja a vilã da história.

— Você não é a vilã.

— Também não sou a heroína.

— Não, não é — concordou ele, rápido demais.

Wanda levantou uma sobrancelha. Era o primeiro traço de divertimento genuíno em seu rosto em muito tempo, ainda que levemente amargo.

— De que lado você está, afinal?

— Nenhum. Quero que tire suas próprias conclusões, Wanda — Visão apertou um pouco mais sua mão — Mas saiba que no fim você fez a escolha certa, mesmo com o Darkhold sussurrando no seu ouvido.

Ela piscou, atordoada.

— Acha que tenho salvação?

— Isso é algo que só você pode responder. Seja como for, continuo aqui — disse ele apontando para sua testa — torcendo, como sempre.

Eles ficaram em silêncio por um tempo. Wanda ainda não sabia se aquela projeção era um sonho, um delírio, ou se havia dobrado a realidade involuntariamente outra vez. Fosse como fosse, ele ainda estava ali, fazendo-a se sentir menos miserável, como sempre fazia, e aquilo deu-lhe um fio de esperança. Talvez ela pudesse ser algo diferente.

— Preciso ir agora — ele sussurrou — sabe disso, não sabe?

Wanda acenou com a cabeça.

— Vis?

— Diga, Wanda.

— Não é exaustivo demais sempre torcer pela anti-heroína?

Ele sorriu. Ela também, afinal, sabia a resposta.

— Adeus, querida.

Mais uma vez ela fechou os olhos. Era uma sensação agridoce vê-lo partindo de novo. Daquela vez, no entanto, seu coração estava quilos mais leve. Enquanto sentia os lábios frios de Visão tocando suavemente sua testa e a presença dele esvanecia, Wanda concluiu que um dia se olharia novamente no espelho. Não hoje e provavelmente não amanhã, mas um dia, quando ela estivesse pronta deixar aquela cabana, disposta a tentar de novo.

Mas por enquanto, Wanda continuaria sendo o problema, a anti-heroína de sua própria história.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.