Antes Que Seja Tarde

Crises e revelações.


Em pleno final de semana tive que acordar cedo e enfrentar uma longa reunião com toda a diretoria da empresa. Quando voltei para casa, recebi uma ligação de Malu me pedindo para passar a tarde com ela em sua casa.

Não demorou muito, eu já estava lá beijando seus lábios e tocando aquele corpo cheio de perfeitas curvas.

— Opa! – ele disse meio desajeitado. — Olá, Daniel. Como vai? – um jovem alto, magro e ainda vestido com as mesmas roupas de marcas surgiu.

— Tudo ótimo – disse soltando Malu e tentando sorrir para ele.

Sua presença, pelo menos para mim, era indesejável. Como quem percebeu que atrapalhava, ele foi para outro cômodo.

— Eu posso explicar – disse ela quando entrávamos em seu quarto.

— Não precisa – disse sentando em sua cama, cruzando os braços.

— Daniel – ela chamou pedindo atenção. — Ele é o meu primo acima de tudo. Faz parte da minha família.

— Está certo. Você tem razão, mas isso não significa que eu tenha esquecido toda aquela história.

— Tudo bem. Eu te entendo. Mas não precisa dessa ciumeira toda – ela brincou. — Ele só veio pedir uma ajuda ao meu pai com alguns papéis. Não vai passar muito tempo aqui em casa. Logo ele voltará de onde saiu, certo?

— Certo – beijei sua testa. — Mas, por favor, prometa que não vai ficar muito perto dele durante esse tempo. Eu sei que ele é seu primo e tudo mais, mas não suportaria imaginar que enquanto eu não estiver por perto, ele aproveitara a situação para se reaproximar de você.

— Está bem. Eu prometo. Mas não fiquei com ciúmes. Eu te amo. Você me ama. E agora estamos juntos, lembra?

— Eu sei – desviei o olhar. — Mas você também disse que me amava quando... - Daniel pausou pensando melhor do que estava prestes a dizer. — Ah... Deixa pra lá.

— Quando? – ela voltou ao assunto. Pude sentir seu corpo recuar do meu.

— Não! Esqueça o que eu disse – sorri. — Eu sou um tolo mesmo! Você não iria me deixar dessa vez, não dessa vez.

— Sim – ela levantou-se. — Mas não posso esquecer o que você acaba de quase me dizer – ela pareceu fria demais enquanto me olhava — Você iria dizer que eu também disse que te amava quando preferi as minhas particularidades a você, não foi? Foi isso o que você pensou em dizer? – o seu tom de voz se elevou.

— Maria, não vai querer brigar logo agora, não é? Logo agora que está indo tudo bem entre nós. Logo agora que seu priminho querido voltou de Paris, Roma, Londres, sei lá de onde! Logo agora que ele me causa náuseas só por ter a oportunidade de ficar bem pertinho de você outra vez.

— Não estou brincando contigo. Só fiz uma pergunta – ela pousou as mãos na cintura.

— Certo – bufei. — Foi exatamente isso o que pensei. Porque foi o que você disse, e mesmo assim... – não sabia se devia continuar.

— E mesmo assim... Abri mão de você – ela completou dando-me as costas. — Não acredito que você vai jogar isso na minha cara por toda a minha vida! É isso mesmo?

— Não! Pare – tentei me aproximar, mas ela recuou. — Por favor. Não vamos brigar.

— Você quem começou! – ela gritou. — Vem com essa que eu sou a única culpada por tudo. Vem com esse papo furado de que eu sou a monstra da história. Quantas vezes você disse: “Ah, tudo bem. Já passou”? Quantas vezes você disse: “Ah, você não é esse monstro todo”? Sabe, eu acreditei que estava sendo sincero comigo e que tudo já tinha sido resolvido. Eu me reconfortei nos seus braços ao ouvir suas palavras de carinho, amor...

— Chega! – bati o pé. — Eu fui sincero. Para mim estava tudo bem. O que importava é que eu queria você em meus braços mesmo assim. Eu sempre amei você acima de tudo. Não pense que é tão fácil assim, lembrar que você beijou outro enquanto eu sofria por você ter pedido que eu saísse da sua vida.

— Cala essa boca agora! – ela berrou. — E você por acaso ficou choramingando todo esse tempo pelos cantos? Não ficou com mais ninguém? Não transou com nenhuma outra? Ah, eu duvido! – ela ironizou.

— Certo – abri a porta pronto para ir embora e não ouvir mais nenhuma palavra. — Eu não fiquei mesmo chupando o dedo todo aquele tempo. Eu merecia aproveitar cada minuto, assim como você deve ter aproveitando também. Depois conversamos, está bem? Estamos de cabeça quente - bati a porta.

Parti para evitar o pior, mas não parti para sempre. Sei que nos amávamos e, como todo casal, brigaríamos pelo resto de nossas vidas. Quando estivéssemos de cabeça fria, voltaríamos a conversar e nos desculpar.

Já fazia quatro dias desde o ocorrido. Desde então, eu rolava na cama pensando o que ela fazia no momento ou quando me procuraria para conversamos. Como ela estava no mesmo ambiente que o ex-namorado?

De novo eu estava abalado. Perguntando-me o porquê dela não me procurar. Senti como se estivéssemos distantes outra vez. A sensação ruim de um coração destruído era exatamente o que eu voltara a sentir.

— Por que você não a procura? – sugeriu Júlia durante a aula.

— Não! Júlia, você não entende. Não fui eu quem insistiu naquela briga. Foi ela! Será que toda vez vai ser assim? Ela vai esperar que eu me desculpe? Que eu sinta sua falta? Que eu a procure feito um cãozinho que acaba de apanhar do dono?

Sexta-feira era meu dia de folga. Estava ajeitando a bagunça no meu quarto.

— Daniel? – berrou Júlia entrando em meu quarto sem antes bater na porta. — Ah. Você está ai!

— O que foi? – perguntei sentando ao seu lado em minha cama.

— Acabo de ter uma briga horrível com Miguel – ela revirou os olhos. — Você não acredita no que ele me disse! - ela bufou irada. — Estava eu deitada em seu colo quando ele pousou sua mão sobre a minha barriga que ainda digeria um saco de salgadinho. Você sabe que quando se come qualquer coisa em excesso, a barriga fica um tanto volumosa, certo? Então, ele disse que eu estava ficando gordinha e sorriu feito um bobo tirando uma com a minha cara.

— Vocês mulheres são tão exageradas! Foi só uma brincadeira. Ele não disse que está gorda – comentei sorrindo. Júlia estava sendo tão dramática. Miguel com certeza não teve a intensão de deixa-lá nervosa. Talvez ele tenha feito só um comentário desnecessário no momento errado. Acontece com todo mundo.

— Cale a boca! – ela me fuzilou com os olhos. — Não venha defendê-lo! Pois você é o meu amigo e tem que concordar comigo. O comentário foi completamente desnecessário.

— Ok. Foi desnecessário – não conseguia esconder o riso.

— Palhaço! – ela deu-me uma tapa e riu também. — Mas então, e você e a patricinha?

— Na mesma. Nenhum sinal de vida dela – comentei aborrecido. — Quem sabe até ela já tenha se cansado de mim outra vez e voltado para os braços daquele magrelo.

— Eu mataria aquela loura burra – ela brincou. — Não. Ela não seria capaz, Daniel. Ela te ama, sem dúvidas. Só deve estar demorando porque está pensando em uma forma coerente de pedir desculpas.

— Pode ser – deitei-me na cama ao lado dela. — Mas está demorando demais. Estou com muita saudade daquela loura linda, maravilhosa, perfeita, gosto...

— Já entendi! – ela riu interrompendo-me. — Andei pensando muito em algo esses dias, Daniel. Algo bem importante para mim e eu deveria te dizer.

— Então diga. Diga logo de uma vez! Vamos!

— É uma quase confissão – ela enrolava, mas então percebeu a minha impaciência. — Ok. Vou dizer de uma só vez. Lembra quando eu te beijei naquele barzinho só para fazer ciúmes para aquele estúpido de quem eu gostava? Pois bem, prepare-se para o que vem a seguir: Eu pensei naquele beijo durante noites. Pensava em você, como seria sentir o seu lábio junto aos meus mais uma vez e como foi bom te conhecer – ela corou voltando a me olhar com um sorriso torto.

— Você... Bom... Não sei – tentei dizer, meio que gaguejando. Sentindo a pele arder e o coração palpitar.

— Espere – ela advertiu. — Deixe que eu continue, antes que eu desista. Bom, ai eu pensei que não poderia me apaixonar por você porque você amava outraela pareceu pensar por um instante procurando por palavras. — Conforme o tempo foi passando, eu resolvi deixar para lá essa minha fase estúpida. Loucura! Imagine! Onde é que eu estava com a cabeça?

Em mim – sussurrei aproximando-me dela mais que o necessário. Surpreso com o meu próprio impulso. — Você pensava em mim – olhava para seus olhos e para sua boca. — Mas eu também pensei em você e como você é diferente de todas as outras. Porque é mesmo, sempre será. Pensei tanto, mas cheguei a não saber ao certo no que pensava e desisti – finalizei.

— Desistimos – ela balançou a cabeça, fechou os olhos e respirou fundo. Bem pertinho de mim. Eu podendo sentir a nossa aproximação, podendo observar seus traços mais de perto. — Imagine se eu e você não tivéssemos desistido. Imagine se você tivesse deixado para lá a patricinha e tivesse, por exemplo, se envolvido comigo – ela abriu os olhos negros de repente, surpreendendo-me com um largo sorriso. — Seriamos um casal bem exótico, não acha?

— Talvez – sorri sentindo um calor diferente dentro de mim, uma pulsação acelerada, o estômago revirado, os pensamentos altos e confusos.

Quando me dei conta, já estava fechando os olhos devagar e esperando para o que estava por vir... Meus lábios delicadamente encostando-se aos seus. Uma de minhas mãos procurando por seu rosto, ajeitando os fios de cabelos atrás da orelha, acariciando as bochechas coradas, sentindo seu perfume em minhas narinas.

Beijávamos. Não era um beijo qualquer, não era um beijo roubado, nem por pressão e tão pouco apaixonado. Apenas um beijo cheio de carinho e conforto. Um beijo surpreendente e inesperado. Um beijo leve, um beijo até que romântico.

Sabíamos que não era nada além de um beijo. Tínhamos nossos amores nos esperando, mas tínhamos carinho um pelo outro. O tipo de carinho que eu nunca vi entre um homem e uma mulher. Um sentimento inexplicável. Algo que eu jamais pensei que pudesse existir. Estávamos apenas confundindo o que sentíamos um pelo outro no momento errado, e aconteceu o que teve que acontecer. Não foi proposital. Sempre considerei Júlia uma irmã mais nova. Uma amiga sem segundas intensões que eu nunca tive.

Por fim, ela sorriu. Não pediu outro beijo e não disse que estávamos errados. Apenas sorriu para reconfortar o nosso erro. De alguma forma, aquele beijo foi um erro, mas nada que eu me arrependesse por ter descoberto um sentimento incompreensível.

Sorri para ela e beijei sua testa com carinho. Sabíamos do nosso erro, sabíamos dos nossos sentimentos e também sabíamos da loucura que aconteceu ali. Mas nada disso estragaria aquele momento que eu carregaria em segredo por toda a minha vida em meu coração. Era desnecessário alguém saber naquilo, pois ninguém entenderia que foi um beijo puro e sem qualquer tipo de envolvimento.

— Obrigada por ser quem é. Obrigada por ser o meu melhor amigo, meu irmão – ela disse. — Obrigada por tudo.

— Obrigado você. Saiba que não há nada que eu faria diferente.

— Nem eu – ela soltou um riso. — É uma pena que a nossa história não tenha dado tão certo em alguns aspectos, mas já estávamos destinados para outras pessoas. Eu preciso de você, não importa como.

— Ah, vem cá, princesa – puxei-a de volta para os meus braços apertando-a forte até ela gritar para que eu a soltasse.

— Boboca – ela me beliscou.

E lá estava a irritante Júlia de antes.

— Bom, eu vou indo... Antes que... Ah você sabe. Qualquer coisa, me liga.

Concordei despedindo-me dela. Quando Júlia saiu do meu quarto, tranquei-me ali certo de que não iria continuar com aquela arrumação. Deixaria para mais tarde, quem sabe eu teria mais coragem.

Fiquei jogado sobre a cama, vendo pelas janelas o céu escurecer, ainda pensando no que acabara de acontecer com a minha melhor amiga. Independente do que aconteceu, ela ainda era a minha melhor amiga. Aquele beijo, como também nosso primeiro beijo no barzinho, seria um dos nossos segredos. Algo particular. Mas que jamais voltaria a acontecer. Não seria justo com ela, nem comigo e muito menos com os nossos companheiros.

Claro que para algumas pessoas era um erro, para mim mesmo soava como tal. Para outros, eu estava enganando Malu em esconder dela algo assim. Depois daquele beijo eu tinha certeza de uma única coisa: amava Maria Luiza e tinha uma amizade inconfundível por Júlia.

Acordei no meio da noite ouvindo o meu celular tocar. Quando olhei no identificador de chamadas, vi seu nome. Maria Luiza chamando.

— Malu? – meu coração quase pulou pela boca.

— Amor? Estou indo ai agora mesmo. Precisamos conversar – ela desligou. Deixei o celular de lado e fui me arrumar.

Se fossem em outros tempos eu me preocuparia com o tom que ela usou ao dizer que precisávamos conversar. Como quem está decidida no que dizer. Mas não havia com o que me preocupar, afinal, ela acabara de me chamar de amor. Eu ainda era o seu amor, sim, eu sou o seu amor. E sempre serei.