Jake havia batido o carro.

Era a primeira vez em meses que saia com o maldito meio de transporte.

Ele estava indo pra faculdade, só isso.
Não era para estar com pressa. Eles tinham aula de cálculo e desenho naquele dia.

Mas o absurdo acidente não impediu a figura que surgiu no hospital tão rápido quanto Carolyn.

Nada impediria.

Como não impediu que ela se responsabilizasse por ele, e que dormisse lá. Queria poupar dona Carolyn de ficar doente. Jake não gostaria que a mãe ficasse ali. Ela sabia disso.

Mas durante o dia ela tinha responsabilidades. Que incluíam deixar o caderno do melhor amigo em dia. Ela ainda acreditava que Jake logo acordaria, e que iria gostar de continuar sendo um excelente aluno. Ainda estavam longe das provas, ela podia ajudá-lo a recuperar as matérias perdidas.

Carolyn estava com o filho naquela manhã. Era quase hora do almoço quando o monitor de batimentos se alterou um pouco, e ela viu Jake franzir a sobrancelha, como se tivesse um sonho muito estranho.

—Amelyne?-A voz estava rouca, não havia sido usada durante aquela semana.-Amelyne, o que está fazendo? Amelyne...

—Amelyne não está aqui, filho.-Murmurou a mulher, enquanto acariciava os cabelos negros.-Ela chegará mais tarde. Volte a dormir.

Aos poucos, o rapaz voltou para a inconsciência, ficando quieto. Esses episódios seguiram até o final da tarde, quando ele despertou.

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Era tudo muito confuso. Ele não conhecia o lugar onde havia acordado. A iluminação era escassa, e o quarto era todo branco. O cheiro de éter e o bip da máquina o ambientaram. Estava no hospital. E era o paciente.

—Boa tarde, meu amor.

— Mãe?-Carolyn estava ao seu lado, e agora lhe acariciava o rosto. O corpo estava um pouco dolorido, mas não parecia ter quebrado nada.-O que houve?

—Você bateu o carro, amor. Um caminhão desgovernado te pegou na avenida. Foi um golpe de muita sorte. Você ficou inconsciente por culpa do estado de choque. O que está sentindo?

—Um pouco de tontura... E minha cabeça dói...

—Logo o médico vai vir aqui.-A mulher se inclinou, deixando um beijinho delicado na testa do filho.-Mamãe precisa ir até a lanchonete. Amelyne deve chegar logo para ficar com você durante a noite. Trago roupas limpas amanhã cedo.

Depois daquele estranho nome, tudo não passou de um zumbido.

—Quem?

—Amelyne, filho. Sonhou com ela o dia todo. Está tudo bem, vai ver.

Jake permanecia com o rosto franzido, e concentrado na mãe. A porta abriu de forma silenciosa, então ele não percebeu que havia mais alguém no quarto. Mas dona Carolyn viu, e até sorriu para as duas moças.

—Mãe, quem é Amelyne?

Carolyn arregalou os olhos. Sarah gelou no batente. E a terceira moça apenas deu as costas, e sumiu pelo longo corredor do hospital.

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Carolyn deixou os filhos conversarem no quarto, indo para a cafeteria do hospital. Encontrou quem queria lá, sentada com seu tópico copo de chá gelado. Jake havia aprendido a gostar daquilo com ela, quando ainda eram adolescentes.

—Boa noite, querida.-Cumprimentou, se sentando com seu café e a cestinha de pães recheados.-Amelyne... Eu sinto muito.

—Está tudo bem, tia Carolyn. O médico disse que, apesar de nenhuma fratura ou luxação, a pancada na cabeça foi forte. E isso pode ser apenas confusão mental. Talvez... Ele se lembre de mim amanhã.-A moça pegou o fichário de couro negro de dentro da própria mochila e entregou à mulher.-Esse aqui é o do Jake. Se ele não tiver alta até segunda eu venho buscar.

—Não vai nos visitar no fim de semana?

—Acho que vai ser melhor... Ele vai receber muitas visitas de colegas de faculdade. E nem deveria passar por tanto estresse agora. Eu... Se ele quiser me ver... Bem, se ele quiser me ver, pode me ligar. Mas eu vou pra casa agora. Não consegui aceitar que ele me esqueceu... Mesmo que temporariamente. Até segunda, tia Carolyn.

—Até, meu amor.

A ruivinha se levantou, deixou um beijo no rosto da mulher e se foi, sumindo naquela multidão de visitantes e enfermeiras daquela sexta a noite.

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Tinha alguma coisa faltando. Ele tinha perdido alguma coisa. Ou alguém. E sabia disso.

Além de tudo ainda tinha aquele nome.

Amelyne.

Aquele nome não era estranho. Mas porque não conseguia associa-lo a rosto nenhum? Se pudesse pegar seu celular... Se pudesse ver a foto...

Se era tão importante que ele lembrasse da figura, por que ninguém o deixava ver a foto? Aquilo não fazia sentido.

Ao menos teria aula naquela noite. E veria seus colegas de turma. Talvez ele pudesse encontrar a dona do nome, e da letra que habitava seu caderno, em diversas páginas e situações.

Até mesmo algumas composições, que os meninos gostariam de gravar, tinham aquela letra. Quase como se ela tivesse lhe dado luz sempre que sua criatividade o deixava na mão. Como alguém de quem ele não se lembrava o conhecia bem ao ponto de completar seus pensamentos numa letra de música?

Agora ele teria seu celular de volta. E poderia ver a foto do contato. Iria esperar sua mãe e sua irmã o deixarem sozinho no quarto para se arrumar pra aula. Elas não queriam que ele visse. Mas era uma parte da vida dele que não estava completa.

Mexendo no fichário, nas últimas folhas, ele viu alguns desenhos e algumas folhas que mais pareciam conversas.

Coisas eram contadas ali.

E em suas próprias frases, Jake viu a si mesmo apaixonado pela dona do nome. Será que ela também sabia? Ou será que ela o via apenas como um amigo. Talvez melhor amigo, levando em conta o tipo de segredo que eles trocavam.

Finalmente só, tomou um banho quente, colocou uma roupa casual e se sentou na cama para esperar a irmã. Ela lhe daria carona até a Universidade.

Recuperou seu aparelho telefônico, e foi diretamente para seus contatos.

"Amelyne "

Não sabia porque havia colocado o pote de mel ao lado do nome dela. Talvez fosse alguma brincadeira interna... Será que a chamava de Honey? Por que faria isso?

Bom, não importava, agora ele precisava da foto.

Não havia.

O número em que ligava era inexistente.

Não havia ninguém em suas redes sociais que tivesse aquele nome.

Era como se ela não existisse.

Acabou perguntando aos meninos, mas eles lhe disseram não conhecer aquela moça.

Com isso martelando na cabeça, ele foi para a aula. Muitas mulheres o cunprimentaram, mas não conseguiu associar nenhuma delas ao nome, tudo o que restara da desconhecida.

—Olá.-A voz repentina lhe pregou um susto. Era de uma mulher morena, muito bonita. Ele a conhecia de algum lugar.-Ella Cole, prazer.

—Jake Pitts. O prazer é todo meu.