Marina pedira que Vanessa fosse ao mercado; a comida da casa estava acabando, depois de quatro dias sem nenhuma das duas sequer sair do estúdio.

A ruiva não aguentava mais ouvir aquele nome, “Clara”. Estava em todo lugar! Na boca de Marina, na tela do computador que ficara frente à ela por dias. Não aguentava mais, precisava de um tempo, de forma que até ir ao mercado servia de descanso.

O carrinho já estava quase cheio, quando, além das prateleiras de cereais, ela ouviu a seguinte reprimenda:

– Cadu, deixa isso aí, meu. É por isso que eu nunca te deixo vir ao mercado comigo, você compra três vezes mais comida do que a gente precisa! Caramba, nós somos em três: eu, você e o Ivan, para quê levar comida para um batalhão?

– Amor – ele se defendia – Como chef, eu preciso experimentar novos sabores, testar novas tendências. Fora que esses pimentões estão com uma cara ótima, olha isso – ele mostrou – E se o problema é que somos três, eu resolvo: é só levar o Fernando para jantar em casa.

– Você e o Fernando de novo, mas que coisa chata! Na sua cabeça só tem comida, Fernando, comida, Fernando, bistrô, comida, comida, comida. Poxa, Cadu, eu queria um pouco de atenção também, né?

– Está certo, amor, me desculpa. Eu deixo os pimentões aqui.

Vanessa reconheceu o discurso. Uma mulher chamada Clara, com um marido cozinheiro Cadu. “Isso não pode estar acontecendo”, ela pensava. A ruiva se abaixou um pouco e olhou através da prateleira, os cereais bloqueando seu rosto para que o casal não pudesse vê-la. Então ela teve certeza, reconheceu com precisão aquele rosto da outra noite.

Ela ponderou um instante entre o certo e o confortável: fazer alguma coisa agora ou voltar para casa com as compras e nunca avisar Marina daquilo.

Novamente, ela odiou a decisão que tomou, mas andou em direção à mulher para falar com ela, enquanto o marido estava longe, escolhendo vegetais.

– Oi, com licença – a ruiva abordou – Você é Clara?

– Hã... Sim, sou, porquê? – a morena estranhou. Será que eles estavam fazendo tanto escândalo assim?

– Já explico. Meu nome é Vanessa, eu sou assistente da fotógrafa Marina Meirelles e...

– Ai meu Deus – Clara interrompeu-a sem querer – Ai, meu Deus. Aquele dia na galeria, quando roubaram o restaurante... Nossa, saí sem nem me despedir que coisa mais rude, nossa, que vergonha! Me desculpe, viu, pode dizer a ela que eu sinto muito?

– Porque você mesma não diz? – a ruiva sorriu – A verdade é que Marina está doida para trocar mais ideias com você e te conhecer um pouquinho melhor. O que acha de conhecer nosso estúdio hoje à tarde?

– Mesmo? – os olhos de Clara até brilharam – Ai, quer dizer... Vocês têm muito trabalho lá, eu não quero atrapalhar.

– Imagina... Marina está louca para te ver, por favor, eu insisto.

Clara ponderou um pouco. Também estava louca para ver Marina novamente. Havia algo tão... Único naquela mulher e sua arte. Seria a maior honra de sua vida conhecer seu estúdio, seu trabalho, sua inspiração.

– Ok, porque não? – Clara concordou.

Vanessa sorriu e passou o endereço para ela, com todas as informações.



– Marina... – Vanessa cantarolou, entrando no quarto onde a fotógrafa vinha mofando em frente ao computador por dias.

– Que foi? – ela perguntou, sem tirar os olhos da tela. Não pretendia ser rude, mas estava acordada havia tanto tempo que mal conseguia pensar direito.

– Adivinha o que eu consegui?

– Cereal de aveia?

– Melhor.

– Pizza.

– Maior.

– Ah, sei lá, Van, não tenho tempo para brincadeiras, estou tentando acha-la.

– Não precisa.

– Como não preciso? – ela tirou os olhos da tela, preparando-se para ficar brava – Vou ter que te convencer de que a amo outra vez, Vanessa?

– Não, tonta, não é isso. Não precisa mais procura-la porque ela está vindo aí hoje à tarde.

– Oi? – o olhar de Marina imediatamente se relaxou, enquanto uma expressão incrédula invadiu seu rosto.

Vanessa contou toda a trajetória do mercado, e Marina não pode conter sua empolgação. Encheu a ruiva de abraços e beijos novamente, e correu para tomar um banho e se arrumar.



Quando Clara chegou à residência, Flavinha já estava avisada de sua visita, e a levou à sala de estar enquanto Marina terminava de se aprontar.

A morena não conseguia parar de olhar para todos os lados, demorando-se em suas visões. Nunca vira uma casa tão grande e linda, nem nas revistas de decoração. Havia fotos de Marina aqui e ali, e ela não se conformava com o quão bela era aquela mulher. Parecia um anjo, ou uma deusa, não sabia dizer.

Clara sentou-se no sofá, e esperou mais alguns minutos.

– Ai, Van, ela está ali – dizia Marina, mais nervosa que o noivo às vésperas do casamento – Estou bonita? Estou legal? Sei lá, a maquiagem está borrada?

– Não, Ma, você... Você está perfeita.

– Olha só para ela ali, Van. Olha como ela olha em volta, olha essa boca, esses olhos.

– Só... Pega leve ok? Ela tem marido, estava com ele de novo hoje...

– Van... Eu sei que outro cara também gosta dela, mas eu prometo que vamos superar isso. Nós fomos feitas para estarmos juntas – ela fez uma pausa – Sente meu coração – pegou a mão da ruiva e pôs sobre seu lado esquerdo do peito – Sente como ele bate forte? Só ela faz isso. Estou apaixonada, Van. Não dá para expressar como me sinto.

Vanessa revirou os olhos e fez sinal para que ela seguisse em frente.

Marina descia as escadas, e aquela visão era estonteante. Para Clara, era como se de repente tudo começasse a passar em câmera lenta. Mesmo em um vestido branco casual, Marina parecia estar preparada para uma sessão de fotos de revista.

– Você está linda – ela deixou escapar.

– Obrigada – Marina não conteve um sorriso bobo – Mas você está mais.

Marina juntou-se a ela, e Clara se inclinou para cumprimenta-la com um beijo na bochecha. A fotógrafa não se conteve, e prolongou um pouco mais aquele momento, queria memorizar aquele cheiro delicioso que a outra emanava.

– Você não tem ideia de como é bom te ver de novo – a dona da casa disse – Senta, pode ficar à vontade. Aceita um chá, café?

A conversa com Clara foi o momento mais glorioso de sua existência. Falavam sobre tudo, música, arte, política, economia, livros. E nada perdia a graça. Marina mostrou a casa à outra, mostrou o estúdio, e soube que nunca havia visto um sorriso maior de alguém entrando naquele cômodo. Clara estava encantada, nunca havia visto um estúdio de fotografia na vida, e era mais incrível do que qualquer coisa que ela podia imaginar.

– Posa para mim – Marina propôs, no meio da conversa.

A tinha convencido, pela intimidade que criaram naquelas horas de conversa. Mas já era tarde, e Marina queria 100% do que podia tirar daquela mulher. Sugeriu que ela voltasse outro dia naquela semana, precisava vê-la novamente.

– Seria lindo, mas não sei... Tenho algumas entrevistas para marcar durante a semana, não sei se tenho tempo – Clara disse, meio sem graça por precisar recusar a proposta.

– Entrevistas? – Marina perguntou, curiosa.

– É, eu... Perdi o emprego faz um tempo, pensei que o Cadu daria conta, mas ele está afogando a gente em dívidas. Preciso de um trabalho, e rápido. Então enquanto o Ivan está na escola, eu procuro um emprego ali perto.

Marina pensou um instante, e um sorriso se formou no canto de sua boca.

– Porque não volta, e começa a trabalhar aqui, amanhã mesmo?

Clara ficou perplexa. Não podia aceitar a oferta, sentia que havia levado Marina a oferecer aquilo, e ficou super sem graça.

– Não, Ma, eu... Não posso aceitar isso – risinhos nervosos saiam da boca dela.

– Claro que pode. Olha, a Van e as meninas estão atoladas de tarefas, eu sei que um pouco de ajuda não lhes cairia mal.

Com um pouco de insistência da fotógrafa, Clara foi convencida a aceitar a proposta. Agradeceu-a imensamente por tudo. Pelo trabalho, pela tarde maravilhosa que passaram, pela comida, por absolutamente tudo. Então se deu conta do horário. Precisava ir para casa, jantar com o marido e o filho, e Marina deixou-a ir, com um peso no coração pelo adeus, mas a tranquilidade de saber que a veria no dia seguinte, e no dia após aquele, e no dia após aquele.

– Van, ela é tudo! – exclamou Marina, jogando-se na cama king size, parecendo uma adolescente apaixonada – Ela é claramente a estrela do lugar, ela faz os momentos bons durarem e os maus passarem, ela é tudo...

– Não exagera, Marina, você mal a conhece. Não vai dar um passo maior que a perna, ok? – Vanessa avisava, de braços cruzados encostada na parede.

– Ai, Van, não corta meu barato. Claro que a conheço, a conheço dos meus sonhos, a conheço da minha imaginação. Ela é tudo o que eu sempre quis, aquela voz rouca, o jeito como ela está sempre feliz, se o céu está cinza, ela o torna azul – Marina tinha um sorriso do tamanho do universo estampado em seu rosto – Quando ela perceber, eu vou estar de joelhos, implorando para que ela diga “aceito”.

– Está certo – Vanessa resmungava, enquanto saía do quarto – Mas por enquanto durma, está bem? Boa noite – disse, e apagou a luz.

– Boa noite, mãe – Marina zombou, e tratou de dormir. Amanhã seria um grande dia.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.