Toda manhã Marina acordava e morria um pouco, mal conseguia ficar sobre seus pés. As olheiras sob seus olhos só cresciam, ainda que nem assim ela perdesse sua beleza tão natural e irresistível. Ela sentia falta de acordar ao lado de alguém, poder beijar e abraçar, e poder ver todos os dias uma mulher que não Vanessa ou Giselle, que a seguiam para todo lado a trabalho.

Marina sentia falta de alguém, uma mulher que balançasse suas estruturas e tirasse seus pés do chão, alguém que a fizesse sentir como há muito tempo já não se sentia. Ela se levantava da cama, se olhava no espelho, e por vezes caía no choro, de tão insuportável que era aquela solidão.

— Eu trouxe seu... De novo isso, Marina? — perguntou Vanessa, pela porta do banheiro que estava entreaberta.

— Sai daqui, Van. Não quero que me vejam assim — ela respondeu, orgulhosa — Daqui a pouco passa, você sabe.

— Sim, passa. Para daqui a alguns dias eu te ver chorando pelos cantos outra vez — a assistente disse, num misto de ironia e preocupação.

— Pedi sua opinião, Vanessa?

— Não, mas... Bem, eu vim trazer seu café. Está em cima da cama, então eu já vou indo — ela começou a se retirar, afetada pelas grosserias de Marina.

— Van — a fotógrafa chamou — Espera. Entra aqui.

Vanessa entrou no banheiro, e encontrou Marina completamente nua, encolhida num canto ao lado do espelho. Marina estendeu a mão para que a ruiva a ajudasse a se levantar, e ela assim o fez.

— Me abraça — Marina pediu, e Vanessa obedeceu, tentando ignorar que sua ex-namorada a abraçava nua.

Vanessa era assistente de Marina fazia tempo, e mesmo que esta abusasse dela como bem entendia e brincasse com ela sempre que queria, ela simplesmente não conseguia se zangar. Nunca havia superado o término com a garota. E mesmo que soubesse que o amor que tinha a lhe oferecer não era suficiente para Marina, ela odiava ver sua menina sofrendo de dor no coração.

— Obrigada — Marina quebrou o silêncio após alguns minutos, se separando do abraço — Me perdoa, tá? Hoje só não é um dia muito bom.

— Claro, está tudo bem — ela respondeu, compreensiva.

— Vou tomar um banho frio, ver se isso me relaxa.

— Certo, hm, com licença — Vanessa disse, se retirando.

Marina esperou mais um instante, ligou o chuveiro e entrou no box, sentindo a água percorrer seu corpo. Ela viajava em seus pensamentos, até chegar na parte mais obscura de sua mente. Seu maior medo era aquele... “Será que alguém consegue me achar alguém para amar?

Antes que sua tristeza pudesse se aprofundar ainda mais, o toque de seu telefone a despertou de seus pensamentos. Era Giselle, mandando mensagens do estúdio, avisando que as modelos chegariam em cerca de vinte minutos.

Ela soltou um suspiro, e desligou o celular, se enrolando em uma toalha em seguida. Ela se lembrava com clareza da animação que sentia quando recebia mensagens do trabalho como aquela, no passado. Era uma pressa, uma vontade de fotografar, que a fazia se sentir indomável. Marina sentia paixão pelo que fazia, e queria sentir aquela paixão de novo.

Ela se lembrava de como voltava para casa, toda animada, e contava tudo sobre seu dia para a mulher sobre sua cama. Vanessa, Flavinha, Bruna, Tânia, Mara, Linda, Gabriela, Aline, Bianca, Beatriz, Carolina. Marina tinha muitas mulheres. Vivia procurando pela mulher perfeita quase com a mesma ânsia com a qual procurava pela foto perfeita, a luz perfeita, a modelo perfeita.

Marina procurava sempre a perfeição. Queria encontrar paixão, e isso ela podia ver através dos olhos da mulher. O problema é que essa mulher em especial, aquela que é certa para ela, estava dando trabalho para ser encontrada. Era quase como... uma caça ao tesouro.

— Já acabou aí? — Vanessa perguntou, do lado de fora do banheiro, após contemplar o longo período de silêncio que as reflexões de Marina produziram depois que esta desligou o chuveiro — Giselle disse que quase todas as modelos já estão esperando lá no estúdio.

— Sim, sim, já estou indo. Traz aqui a roupa que está em cima da cama e me espera lá embaixo que assim que eu vestir eu desço pro estúdio.

O estúdio de Marina era como sua segunda casa. Suas coisas estavam lá, suas fotos estavam lá, então era quase como se sua alma estivesse lá também.

— Muito bem, gente, quero todas ali perto daquelas fruteiras — Marina coordenava as modelos, com a câmera na mão — Isso. Você, você aí, vem mais para cá. Isso, isso mesmo.

A fotógrafa trabalhava duro, todos os dias da sua vida. Em alguns dias, quando subia à sua casa, seus joelhos até doíam, de tanto se abaixar e levantar, apoiar e andar para tirar tantas fotos. Às vezes ela ria, pensando “devo estar ficando velha”, e então se sentava no sofá para relaxar um pouco.

Naquela tarde, no entanto, Marina havia sido tomada por uma tristeza absurda, que a assolava já fazia alguns dias. De roupão e pijama, em pleno fim de tarde na primavera, com as cortinas pesadas da sala fechadas para impedir a entrada do sol no cômodo, ela já estava praticamente com o traseiro quadrado, após passar tantas horas sentadas no sofá assistindo a filmes de romance; estava naquela posição desde que terminou a sessão com as modelos pela manhã.

Marina observava os comerciais enquanto enchia a boca de salgadinhos, esperando que o filme de romance voltasse a passar, assim ela podia chorar mais e mais alto contemplando beijos e trocas de carícias entre os protagonistas, coisas que ela havia muito tempo já não fazia.

— Olha aí, ó — Vanessa entrou na sala de televisão e viu o estado de Marina — Falei que logo, logo eu achava você desse jeito outra vez.

— Não enche, Van — Marina resmungou, secando as lágrimas com as costas da mão — Vai lá pagar as contas, vai.

— Ui — a ruiva exclamou, irônica — Vou sim, mas antes eu vou ficar aqui e cuidar de você, está entendendo? Você não está bem desse jeito e cada vez fica pior.

Marina levantou o olhar para a ruiva e a viu de braços cruzados apoiada no batente da porta.

— Vem cá, Van — a fotógrafa chamou, e Vanessa caminhou até o sofá onde a morena se encontrava — Senta aqui.

A assistente se sentou na ponta no sofá e Marina abriu as pernas dela com jeito, se deitando entre elas em seguida, apoiada no corpo de Vanessa, como elas costumavam fazer nos bons tempos. Era aconchegante, quentinho, e fofo. E Vanessa sempre a enchia de cafunés quando elas ficavam daquele jeito no escuro.

E não demorou muito. Vanessa se derretia por dentro com as memórias daquele amor tão distante, e ver Marina tão linda em seu colo acabou com ela. Acariciava os longos cabelos da amada, depois seu rosto, e Marina ia se aconchegando mais e mais sobre ela.

Marina então se ajoelhou e se virou de frente para Vanessa. Olhou-a nos olhos como já não olhava havia tempo, segurou-a pelo rosto com carinho, e a puxou para um beijo. Vanessa vinha esperando por aquele momento havia eras, e mal podia acreditar que aquilo estava acontecendo.

Do lado de fora da porta da sala, Giselle passava e ouviu os ruídos que as duas começaram a provocar mais tarde, e soube que não era boa ideia entrar no cômodo. Marina estava em seus momentos de carência. E quando está assim, se ela vir algo se movendo um pouquinho, ela parte para cima.

Pobre Marina...” Giselle pensava “Uma predadora...”. Mas ela sabia que o que a amiga realmente precisava era algo simples, e que embora já tivesse tido muitas mulheres, apenas não conseguia encontrar em nenhuma delas: apenas alguém para amar.