MAITE

Um dia frio estava se formando, o vento gelado batia no rosto de Maite e quase o machucava. Por dentro, as lembranças da noite longa que havia tido lhe aqueciam.

Nunca imaginou que seria capaz de viver tudo aquilo.

Não conseguia parar de pensar na forma como Christian a envolveu nos braços após a segunda vez e todas as coisas que eles nem precisaram dizer.

Aquilo tudo acabava ali.

Mas não havia arrependimentos. Fazer algo que nunca fora corajosa o suficiente para fazer foi o que a tirou de casa no dia anterior. Seu plano envolvia dançar, beber e, talvez, encontrar alguém para beijar. E, embora, tenha ido um pouco mais além de alguns beijos, nada mudara de verdade, ela continuava voltando para casa sozinha e feliz com o que havia conseguido.

Christian havia insistido na carona, mas sabia que tudo precisava acabar ali. Queria mesmo um tempo sozinha e precisava de um banho.

Sabia que nem todas as vezes que se arriscasse nessa coisa de sexo sem compromisso, teria como parceiro alguém obstinado em ser incrível como Christian fora. E não estava falando de sexo. Mas estava sim cogitando a hipótese de fazer isso mais vezes.

Entretanto, quanto mais tempo passava pensando em tudo aquilo, mais se dava conta de que não fora a noite de aventura que a deixou naquele estado de êxtase, mas, sim, Christian.

Viu o ônibus que precisava para ir para casa passar algumas vezes, mas não conseguia sair do estado de letargia em que se encontrava.

Quando a verdade a invadiu centímetro por centímetro, seu corpo pareceu pesar uma tonelada e seus pés grudaram no chão. Não conseguia se mover.

Tentava concentrar-se na lembrança de seus pés doendo na pista de dança, mas logo a imagem do rosto de Christian entre as pessoas, lhe olhando do bar preenchia tudo. Pensou em todas as vezes que sentou no bar e pediu mais uma caipirinha e tudo que via era Christian na outra ponta do balcão servindo alguém que não era ela. Visualizou nitidamente a expressão desacreditada dele ao dizer que não havia mérito algum no que fazia diariamente. Sentiu a pele arder nos lugares onde ele a havia tocado há quase uma hora.

Sentiu um aperto sufocante no peito quando a lembrança dos últimos minutos ao lado de Christian lhe tomou por inteiro.

Seus corpos ainda estavam quentes, quando ele a envolveu em seus braços e ela repousou a cabeça no peito dele. Esperaram suas respirações normalizarem até que pudessem dizer qualquer coisa. Foi Christian quem teve coragem primeiro.

— Isso foi... bom.

— É. – Concordar foi tudo que ela conseguiu fazer.

Após um longo silêncio, Christian colocou em palavras o que eles já sabiam muito bem.

— Nós precisamos ir.

Não era pelo horário do quarto, não era pela mãe dele que o esperava – não diretamente -, também não era por qualquer outro compromisso.

Eles só tinham que ir embora. Cada um de volta para a sua vida onde o outro não existia.

— Eu sei, mas pode ir na frente, preciso de um banho. – Intimamente ela desejou que ele dissesse que também precisava e que eles fariam daquilo algo incrível mais uma vez.

— Não quer mesmo que a deixe em casa?

— Não, vou ficar bem.

Com a cabeça apoiada sobre ele, cabia a ela levantar-se primeiro e poupá-lo de ter que pedir licença, mas fazer isso foi mais difícil do que imaginara.

Ele voltou a se vestir e ela enrolou-se em um lençol, sem mais tentar disfarçar o que estava fazendo, mas não ficou parada na cama vendo-o preparar-se para partir. Levantou-se e parou em frente à janela. Ver o mundo lá fora a despertou como nada mais faria. Aparentemente, enquanto ela estava ali o tempo não parara e tudo seguia igual.

Assustou-se quando Christian se aproximou e tocou-lhe o ombro.

— Por que será que não consigo me livrar da sensação de que estou fazendo tudo errado? – ele perguntou.

— Fique tranquilo – ela respondeu, mantendo os olhos presos no que acontecia do lado de fora, sem conseguir olhar para ele. – Você foi incrível em todos os sentidos, eu sou apenas mais uma e não estou dizendo isso de um jeito ruim.

— Não, você não é apenas mais uma, definitivamente, não.

Não conseguia acreditar que teria que ser ela aquela pessoa, teve que virar-se para olhar para ele.

— Olha, não vamos entrar nessa, certo? Você não me quer na sua vida e não estou te criticando por isso, porque eu também... – dizer não quero que eram as palavras que tinha na mente parecia mentira – eu não preciso disso.

— Não é questão de querer, Maite.

— Seja o que for. – Ela voltou-se para a janela novamente. – Não precisamos de todo esse drama agora. Viva a sua vida até o dia em que você possa encontrar alguém e ir para a próxima fase e eu vou vivendo a minha até... – ela queria dizer até ser capaz de amar alguém, mas isso exigiria explicações demais – até onde a vida me levar.

— Isso parece um acordo – disse Christian, colocando-se ao lado dela.

— Mas não é. Este alguém do seu futuro não sou eu.

— Mas poderia ser.

— E acha justo que eu espere por você todo esse tempo que nem você sabe quanto será?

Ela sabia que estava sendo horrível antes mesmo de ver nos olhos dele o quanto a pergunta o machucou.

— Você está certa. É melhor eu ir embora.

Ficou na janela ouvindo ele movendo-se pelo quarto, quando ouviu o barulho dele pegando as chaves do carro que deviam ter caído do bolso em algum momento, ela se preparou para ouvir a porta batendo, mas acabou assustando-se com Christian parando atrás dela.

— Maite – ele chamou.

— Oi – ela respondeu sem se virar.

— Olhe para mim – ele pediu, gentilmente.

Quando estava de frente para ele, sequer teve tempo de hesitar, quando ele inclinou-se e tocou os lábios dela com os seus da forma mais doce que ela conseguia se lembrar. Parecia mais uma caricia do que um beijo.

— Espero que encontre o que está buscando tanto – ele disse, enquanto encaminhava-se para a porta.

Antes de fechá-la ele a encarou por alguns segundos como se esperasse que ela dissesse alguma coisa, mas é claro que ela não disse.

O som da porta se fechando, agora a agredia como um soco no estômago. Agradeceu mentalmente por não haver ninguém naquele ponto de ônibus.

Sentia em cada célula de seu corpo aquilo a devorando. Sentia o peito queimar, ao mesmo tempo que um frio lhe percorria a espinha. As pontas dos dedos formigavam e a cabeça latejava parecendo prestes a explodir.

Seus olhos ardiam e percebeu que estava prestes a chorar.

É claro que ela ia chorar.

E enquanto lágrimas grossas escorriam por seu rosto, todas as sensações que invadiram seu corpo foram se aliviando. Tudo parecia mais calmo.

Ela sabia o que estava acontecendo. Nunca havia sentido aquilo, mas era como se seu corpo estivesse esperando e soubesse todas as respostas.

Ela estava apaixonada.

Ridícula e perdidamente.

E como se todo aquele turbilhão de sentimentos fosse pouco, de repente, ela estava rindo. Havia expulsado da sua vida o responsável por aquilo, mas sentia uma felicidade esquisita com aquela descoberta. Como se agora fosse igual aos outros e pertencesse ao mundo pela primeira vez.

Mal podia esperar para sofrer por amor. Para ouvir todas aquelas músicas tristes e chorar, para suspirar dolorosamente por causa de lembranças ou todos os “e se...” possíveis e para ter vontade de escrever poesias.

O que rima com Christian?

CHRISTIAN

Enquanto empurrava a cadeira de rodas da mãe pelo parque, Christian mantinha o pensamento longe, mais especificamente dentro de um certo quarto de motel há poucos quilômetros dali.

Não conseguia acreditar que teve que se despedir da mulher mais singular que conhecera. Apesar das palavras dela sabia que não fora rejeitado. Os dois estavam dispostos a seguir em frente sem o outro na sua vida, seja por que motivo fosse. Ele só não conseguia parar de se perguntar se não havia nada mesmo que poderiam ter feito para evitar que aquilo tivesse acontecido.

Talvez se ele não fosse sempre tão curioso e não tivesse insistido em saber se ela estava sozinha ou não. Afinal de contas, era direito dela estar sozinha e ele não tinha nada a ver com isso, certo?

Mas talvez a atração por ela tenha vindo antes da curiosidade, ela parecia extraordinária naquela pista de dança, e saber se ela estava sozinha era apenas uma questão de necessidade, para saber se podia investir nela ou não.

Ela era uma cliente.

Ele devia ter ficado na dele.

Embora não tenha ficado muitas vezes antes. Já houve muitas Anas, Marias, Julianas... Mas nenhuma Maite.

Assim como nenhuma Bianca, Jessica e Letícia, mas...

Bom, não era como se ele tivesse uma lista em ordem alfabética.

Nunca quis tanto alguém, como quis Maite e isso o atingia mais do que estava preparado.

Sabia que o sexo tinha intensificado tudo, mas ele já estava ferrado antes mesmo de tê-la sentada ao seu lado no carro.

Parou a cadeira de rodas no lugar preferido de sua mãe que ficava em frente a um lago e sentou-se no banco ao lado dela.

Enquanto olhavam ao redor, Christian se viu imaginando como seria ter Maite ali com eles, sentado ao seu lado, segurando sua mão, enquanto ele via sua mãe partir um pouco mais a cada segundo. O que será que sua mãe acharia dela? Ele mesmo não a conhecia tão bem, embora sentisse tanto a sua falta.

Eram pensamento perigosos, quase venenosos, tinha que afastá-los.

— O que você tem, meu filho? – perguntou sua mãe com a dificuldade recorrente dos últimos dias, como se lesse seus pensamentos.

— Nada.

— Você me parece triste. Não é por minha causa, é?

Aquela seria a desculpa perfeita para evitar ter que tocar no assunto, mas sabia que deixaria sua mãe triste com essa resposta.

— Não, mãe. Eu conheci uma pessoa e tive que deixá-la ir, sem lutar por ela.

— Por minha causa, não é?

— Não, por minha causa mesmo

Christian sabia que ela tinha mais coisas a dizer, mas preferiu se calar. A vida amorosa dele era algo em que ela não se envolvia, pois sempre gerava discussão.

Uma vez ela lhe pediu para deixá-la de lado e viver a vida dele e isso o revoltou tanto, que a discussão terminou com ela no hospital por vários dias. Não gostava quando ela tratava a si mesma como se fosse um fardo para ele, porque não era. Ele cuidaria da mãe quantas vezes fosse preciso, viveria para isso se fosse o caso. Ela seria sempre prioridade. Não se sentia preso a ela. Sua vida era corrida, porque tinha que ser e pronto.

É claro que lamentava que aquilo tivesse acontecido com sua mãe, mas não lamentava ter que cuidar dela. Não fora para isso que foi criado? A mãe fez tudo por ele desde que nascera, era hora dele retribuir.

Odiava quando se via traído por sua mente e se via pensando em coisas como “Quando minha mãe morrer...”, “Enquanto minha mãe não morrer..”. Não devia ficar fazendo planos contando com o dia em que sua mãe não estivesse mais ali.

Por isso, fora melhor mesmo que Maite tenha sido clara quanto ao futuro dos dois. Ele não existia.

Por enquanto, só havia o presente e neste ela não se encaixava.

Depois que saiu do parque, foi para casa e passou o dia cuidando da mãe e estudando nos intervalos, até chegar a hora de ir trabalhar.

Quando chegou na boate percebeu que, a partir daquele dia, trabalhar ali seria um suplício. Maite estava em cada pedaço daquele lugar. Ele, provavelmente, enlouqueceria.

Enquanto ajeitava as bebidas, Carlos apareceu.

— Deixou a garota em casa? – ele perguntou à Christian.

— Sim, claro – respondeu rápido antes que o gerente pudesse reparar qualquer coisa.

— Ela vomitou no seu carro?

— Não. Foi tudo tranquilo.

— Que bom.

Carlos estava de saída quando parou no meio do caminho e encarou Christian.

— Mais alguma coisa, Carlos?

— É que fiquei pensando que se ela não fosse tão esquisitinha, você teria se divertido com ela como vocês costumam fazer com as outras.

Havia um sorriso jocoso no rosto de Carlos e somado a forma como ele se referiu a Maite, Christian teve vontade de socá-lo, mas limitou-se a continuar seu serviço.

Quando os clientes começaram a chegar, foi inevitável procurar Maite entre eles, mas ela não estava ali e provavelmente nunca mais estaria.

Enquanto preparava bebidas, servia e observava as pessoas na pista de dança, Maite continuava aparecendo em sua mente, mas cada vez menos. A boate estava cheia e não havia tempo para devaneios. Esta noite a casa permaneceu cheia até o fim do expediente, foi quase preciso empurrar os clientes para fora.

Ajudou os colegas a arrumar o bar e pegou suas coisas para ir embora.

O relógio em seu pulso marcava cinco e meia da manhã.

Hesitou um pouco olhando para o interior da boate, com Maite voltando a aparecer em todos os seus pensamentos. Aquilo tinha que parar. Na próxima noite que estivesse ali, encontraria alguém e faria sua vida voltar ao que era antes.

Dentro do carro o ar parecia denso e pesava-lhe no peito. Doía respirar.

Olhou para o banco do passageiro e sem muito esforço ainda conseguia ver Maite sentada ali, olhando para o lado de fora lutando contra coisas que ele daria tudo para entender.

Abriu os vidros do carro e colocou a cabeça para fora como se pudesse buscar mais ar para respirar. Não adiantou.

Com a cabeça e as mãos apoiadas no volante, enquanto sua respiração ia voltando ao normal, foi se dando conta, tardiamente, do que estava acontecendo.

Não esqueceria Maite ficando com outras mulheres vezes e vezes seguidas. Não esqueceria ela com o passar dos dias, nem não a vendo nunca mais. Simplesmente porque não queria esquecer. Não fez nenhum esforço durante todo aquele dia para esquecê-la, muito pelo contrário, tudo que fez foi pensar nela a todo instante.

Ele estava apaixonado.

E tudo que fez e sabia que continuaria fazendo seria pensar nela, alimentar-se dela como se fosse uma comida ruim que sua mãe lhe empurraria garganta a dentro, mas só querendo lhe fazer bem.

Já havia experimentado alguns tipos de paixão, mas nenhuma lhe parecia tão vital.

Começava a crer no discurso tolo de alguns apaixonados de que sofrer por amor era melhor do que não amar.

Estava atropelando seus sentimentos e pensando em amor.

Estava perdido e, provavelmente, enlouquecendo.

E estava pronto pra isso.