MAITE

Maite dançou durante muito tempo, ignorando o pedido de socorro de seus pés exaustos, não queria se sentar para beber, temia que sua disposição fosse embora, iria até seu limite, até seu corpo não aguentar mais.

Não importava que seus movimentos fossem esquisitos, ninguém devia estar olhando para ela e mesmo que olhasse, não era como se ela pudesse fazer algo a respeito.

Algumas pessoas a abordaram enquanto dançava, algumas já a tocando e inclinando a cabeça para beijá-la, mas ela não estava ali para isso e rejeitou todos eles. Alguns homens eram extremamente atraentes e ela se sentiu tentada, mas sabia que se arrependeria depois. Estava ousando ao ir sozinha para uma boate e sabia que não havia problemas em apenas beijar alguém sem saber seu nome ou vê-lo outra vez na vida, não julgava quem fazia isso, na verdade, até os invejava por serem tão livres e desinibidos, mas ela não conseguia ser assim. Não havia batom vermelho capaz de fazê-la libertar-se dos seus ideais românticos.

Depois de aproximadamente duas horas ela parou e foi até o bar, escolheu um banco no canto do balcão e sentou-se, pediu uma caipirinha e a bebeu depressa como costumava fazer quando tinha chance de beber sua bebida preferida.

Antes que pudesse relaxar demais e perder o pique para dançar, levantou-se e voltou para a pista. Depois disso, fazia pausas para voltar ao bar e beber novamente. Já estava prestes a pedir outra caipirinha, quando percebeu que ao invés da sexta caipirinha talvez fosse hora de beber água e pedir algo para comer.

Sentou-se ao canto de sempre e pediu ao bartender – que agora era outro – uma garrafa de água. Ele a olhou como se água fosse um item raro e proibido, mas logo a serviu. Pedir água não devia ser algo tão incomum assim, devia?

Pensou no que poderia comer, alternando o olhar entre a pista de dança e o cardápio, nada parecia convidativo.

— Ei, moço – falou alto por cima da música, chamando o bartender -, o que você me recomenda experimentar desse cardápio?

Enquanto preparava a bebida de outro cliente ele a olhou e fez sinal para que aguardasse. Poucos minutos depois ele se virou para ela e sorriu. Sua atenção seria dela, finalmente.

— Quero comer algo, mas tudo parece grande demais, não há nada em porção individual?

— Sim, todas as porções podem ser servidas em porções menores, na verdade. É o primeiro preço que consta na frente do nome delas, o menor.

Maite sentiu-se um tanto burra com a obviedade daquela informação e deve ter esboçado isso de alguma forma, pois o bartender fez questão de tentar reconfortá-la em seguida.

— Esse cardápio é uma zona e ninguém é capaz de enxergá-lo nessa luz – disse ele, sorrindo.

Maite era conhecidamente lerda para reparar nessas coisas, mas notou a gentileza que ia além do profissional naquelas palavras e naquele sorriso. Sentiu-se grata e sorriu de volta.

— Me vê uma porção de fritas, então, não estou conseguindo decidir por algo menos comum.

— Fritas é sempre uma boa pedida.

Ele gritou o pedido dela para alguém que ela não conseguiu especificar quem era e voltou a atender todo o resto dos clientes, na verdade, mesmo enquanto a atendia e lhe lançava sorrisos reconfortantes, ele parecia nunca estar desocupado, as mãos sempre em movimento.

Ela jamais seria capaz de trabalhar naquele lugar e daquela forma. Gostava da tranquilidade que havia em seu estágio de veterinária, mesmo que alguns casos a deixassem extremamente sensível, lidar com animais lhe parecia sempre mais fácil do que lidar com humanos.

Quando estivesse com seu diploma em mãos, dali dois anos, iria atrás de trabalho em alguma fazenda ou zoológico, queria trabalhar com animais grandes e mais complexos do que animais de estimação. Gostava do desafio que seria. Aceitaria até mesmo mudar-se de cidade em prol da realização deste sonho, iria para onde o emprego de seus sonhos exigisse que fosse.

Sua porção de batatas fritas não tardou a chegar, mas não foi seu bartender preferido que a serviu.

Tirou o celular da bolsa, o ligou e foi ver se Dulce havia lhe respondido.

Dulce às 20:34:

Mas está ousadia pura essa minha amiga, foi com quem?

Dulce ás 20:52:

Nossa, deve estar bom aí, já que fui ignorada haha

Divirta-se, dona da noite, depois me conta tudo.

Beijo.

Ficar com raiva de Dulce era sempre muito difícil, não durava muito. Enquanto lia aquelas mensagens, percebeu que foi injusta e acabou sorrindo.

Queria ter algo realmente empolgante para contar, mas tudo que fizera foi dançar, beber a bebida de sempre e comer uma previsível porção de fritas. Dulce perguntaria sobre caras bonitos e interessantes, ela diria sobre os que tentaram algo, mas sem a empolgação que a amiga espera e ouvirá ela dizendo o quanto ela precisa se arriscar mais e dar chance ao destino de lhe apresentar o homem da sua vida. O discurso de sempre.

Dulce era tão diferente de Maite, que ela não entendia como aquela amizade durava e funcionava tão bem. Aquele lugar combinava muito mais com a amiga e ela só não foi, pois tem se dedicado a estar na cola de um colega de turma que odeia sair à noite e prefere programas mais culturais e caseiros, coisas que Dulce está se empenhando em achar legal.

Mesmo não concordando com a atitude de Dulce de tentar mudar quem é para agradar alguém por quem está apaixonada, no fundo, sentia inveja da amiga. Porque ela tinha alguém por quem lutar, enquanto ela mesma, em determinado momento, começou a questionar a veracidade do amor que disse sentir por todos aqueles garotos na adolescência e pelo único namorado que tivera. O amor parecia algo maior, algo mais intenso e mais duradouro, algo que ela parecia nunca ter conhecido.

Terminou um relacionamento de dois anos com uma facilidade tremenda e quando achava que estava sentindo falta dele, percebia que só queria o amigo que perdeu e não o namorado. Desde então, e isso fora há dois anos, sentia o coração vazio, como se o amor fosse algo que existisse para todos, mas não para ela.

Ela podia se orgulhar disso, talvez não ser capaz de amar fosse algo grandioso, evitava dores de cotovelo, sofrimento por não ser correspondida e todas aquelas inseguranças. Mas era mais como se ela tivesse sido excluída de uma brincadeira, como se todos fossem escolhidos para algo incrível e ela não.

Sofrer por estar amando era melhor do que se sentir incapaz de amar, e era horrível se dar conta disso.

Ficar pensando nessas coisas acabou a deixando triste e teve vontade de ir embora, mas àquela hora não havia ônibus circulando e estava longe demais de casa para ter condições de pagar um táxi, teria que esperar.

Mas ao contrário dela, muitas pessoas começavam a ir embora, provavelmente tinham carro ou dinheiro para o táxi. Para muitas, aquela boate tinha sido apenas o início da noite e ainda havia outros lugares para ir e outras pessoas para conhecer.

Logo o lugar foi esvaziando, até sobrar menos da metade das pessoas que há pouco estava ali. Era possível até enxergar o outro lado do salão, através das pessoas na pista de dança.

Levantou-se e surpreendeu-se com a dor que sentiu nos pés, eles pareciam não aguentar nem mais um passo. Arrastou-se até o banheiro e lá, após aliviar-se de todas aquelas caipirinhas, olhou-se no espelho buscando um vestígio da dignidade que se encontrava em seu rosto quando chegou ali. O cabelo estava um caos, a maquiagem derretendo, o batom vermelho apenas contornava seus lábios e o contorno preto dos olhos a deixaram com olheiras escuras.

Não havia mais pose a ser mantida, encheu a mãos de papel e limpou o excesso de maquiagem do rosto da melhor maneira que conseguiu, por fim, o lavou e retocou apenas o batom, que naquela cara limpa parecia não ter o menor sentido. Prendeu o cabelo em um coque, jogou os brincos e as pulseiras barulhentas na bolsa e saiu do banheiro com os sapatos nas mãos.

Ao que tudo indicava, ela fora vencida pelo cansaço, mas sua noite estava longe de acabar.

CHRISTIAN

Mais uma vez Christian se viu procurando por sua cliente preferida, imaginando que ela tinha ido embora. Mas logo a viu cruzando a pista de dança, com os sapatos nas mãos e um semblante de quem não aguentava mais nem respirar.

Ela era surpreendentemente resistente ao álcool, quando foi marcar a água em sua comanda, viu que ela bebera cinco caipirinhas com pinga e, no entanto, seus pés pisavam firmes no chão e ela parecia completamente lúcida.

Pensou que ela estava indo embora, mas ela voltou a sentar-se no banco de sempre, que parecia sempre esperar vazio que ela retornasse.

Christian aproveitou o pouco movimento no bar e foi até ela tentar saciar sua curiosidade.

— Posso lhe fazer uma pergunta? – perguntou, apoiando-se no balcão.

Distraída olhando para o nada, ela pareceu se assustar com a voz em sua direção e o olhou com os olhos arregalados. Talvez ela não fosse tão resistente assim, havia algo não muito sóbrio naqueles olhos.

— Faça. – Ela apoiava os cotovelos no balcão e segurava a cabeça como se temesse que ela caísse e saísse rolando.

— Você está sozinha? – Ele não queria ser tão direto e parecer inconveniente, mas precisava confirmar.

Pode ser que ele estivesse equivocado, que a luz o tenha confundido, mas por um instante ele julgou ter visto tristeza em seus olhos e constrangeu-se.

— Acho que é meio óbvio, não? – perguntou tentando soar irônica.

— Só quis confirmar.

— Confirmar que sou patética, solitária ou algo assim?

— Confirmar que posso conversar com você sem que alguém queira tirar satisfações.

Não era bem verdade, mas percebeu que diria qualquer coisa para fazê-la se sentir melhor. E gostou tanto do sorriso que ela lhe deu ao ouvir aquilo. Seu cabelo preso e rosto limpo lhe deixavam com uma aparência vulnerável, muito diferente da mulher que viu sentada ali anteriormente. Teve vontade de tocá-la e decidiu que tinha que arrumar o que fazer.

— Posso te servir uma bebida?

— Acho que já passei da conta hoje – ela respondeu com um sorriso amarelo. – Só estou esperando a hora em que poderei ir embora.

— Posso fazer algo sem álcool, um coquetel de frutas, pode ser?

Ela ponderou um pouco e acabou aceitando.

— Se soubesse que serviam coquetéis sem álcool eu não estaria desse jeito – comentou rindo. Christian apenas a olhou de canto, ao que ela emendou: - Certo. Talvez isso não seja verdade, nunca perco a chance de beber caipirinhas, assim, sempre no plural. – E voltou a rir.

Pensara naquela bebida a noite toda, era um de seus passatempos preferidos, elaborar a bebida perfeita para cada pessoa. Gostaria de poder adicionar vodka, mas prometera algo sem álcool, ela realmente não parecia bem para beber mais.

Queria dizer coisas que a fizessem rir mais, mas seu lado engraçado havia sido encoberto pela porcaria de dia que tivera, seu bom humor demoraria a voltar.

Enquanto preparava a bebida, observou que ela dançava sentada no banco, movimentando os braços e a cabeça, provavelmente, com vontade de voltar para pista, mas sem capacidade física para isso. Se pudesse pular o balcão, ele mesmo a arrastaria para lá e dançaria com ela até o amanhecer.

Sabia que seus pensamentos estavam seguindo por caminhos perigosos, se ela era do tipo que sempre frequentava esse tipo de lugar, ele estaria sempre do outro lado do balcão e se não fosse, eles nunca estariam juntos, devido a sua rotina corrida.

Oh, droga, ele estava mesmo considerando a possibilidade?

— Sua bebida – disse colocando o copo no balcão, lamentando interromper a dança.

— Nada de álcool mesmo, não é?

— Lhe dou minha palavra de que não, apenas frutas, energético e ingredientes secretos.

Ele a observou dar o primeiro gole e sua expressão ir de surpresa a deliciada.

— Que coisa maravilhosa! - Ele sentiu-se perturbadoramente atingido pela marca que o batom deixara no copo. – Eu poderia me afundar numa piscina disso aqui e morreria feliz. Você é muito talentoso.

Ela estava sorrindo, logo ele estava sorrindo também.

— Obrigado. - E, então, se deu conta de algo. – Qual o seu nome?

— É Maite, e o seu?

— Christian.

Os dois se olharam e sorriram.

Relacionamentos não cabiam na vida de Christian, ele estudava muito, tinha dois empregos e cuidava da mãe. A última pessoa com quem se envolveu, não aguentou sua constante ausência e todos os problemas que ele sempre parecia carregar. Uma namorada quer atenção, ele podia entender isso e jamais voltaria a exigir de alguém que o aceitasse com toda a bagagem que trazia. Quem sabe, um dia, quando terminasse os estudos, arrumasse um bom e único emprego e tivesse condições de contratar alguém que pudesse dar toda a atenção que a mãe merecia – ou ela não estivesse mais ao seu lado -, ele poderia se abrir novamente a alguém, ter tempo para dedicar a um relacionamento? Por enquanto, ele seguiria com sua vida como estava, observando as pessoas de longe, sem permitir que elas se tornassem próximas demais.

Maite era uma mulher atraente, mas quantas ali não eram? Quantas mulheres já se sentaram naqueles bancos e lhe despertaram interesse? Muitas. Ele até mesmo ficou com algumas, mas nunca abriu espaço para que passasse disso. A trataria como tratou tantas outras clientes: com respeito e atendendo-lhe os pedidos. Sua curiosidade sobre ela já havia sido saciada, talvez devesse voltar para a outra ponta do balcão.

Talvez.

Ele consultou o relógio que ficava na bancada em baixo do balcão e viu que o amanhecer estava longe, não devia e nem esperava, mas se viu agradecendo por isso.

Aquela noite seria a mais longa de sua vida.