O natal chegou em Green Gables. Um grande pinheiro, ainda não enfeitado, estava na sala de estar da família Cuthbert, assim como alguns enfeites vermelhos e verdes. Anne acordou alegre, abrindo sua janela e vendo a camada de neve que estava sob os campos. A Rainha de Neve combinava com o ambiente, deixando a imaginação da ruiva fluir enquanto ela colocava o casaco e corria para as árvores.

Chegando próxima ao riacho, olhou para o chão, procurando por algumas pinhas e galhos secos para enfeitar a sala. Não, ela não queria arrancar as flores de seus ramos nem novas folhas de suas árvores. Quando criança ela fazia isso, mas hoje, ela achava ruim tirar a vida de uma planta para dar beleza por algumas horas a um ambiente. Seus chapéus hoje tinham trouxinhas de malha costuradas para simular suas amadas flores, como uma boa homenagem a sua imaginação.

Terminando de recolher, colocou todos os enfeites no pano de seu vestido em seu colo, levantou-se e inalou o ar gélido. Seu nariz estava com a ponta vermelha, e sua pele estava extremamente branca, ressaltando seus cabelos vermelhos soltos. Ouvia atentamente a orquestra dos animais a sua volta, assim como o vento contra as folhas e sua respiração. Olhou para cima, e lembrou da sua primeira oração com Marilla, onde falou como imaginava que seria.

Eu iria a um campo aberto enorme,

completamente sozinha,

ou a uma floresta bem fechada,

e olharia para o céu, bem para cima,

para aquele adorável céu azul infinito,

e simplesmente sentiria a prece.

Olhou para cima e, sorrindo, fechou os olhos.

Marilla estava na cozinha quando viu Anne entrar. Estava com pequenos galhos nos cabelos, e com a barra de seu vestido molhada por causa da neve. Logo olhou para seu colo, que estava cheio galhos e pinhas para enfeitar a casa. Deu um sorriso, que logo se desfez quando viu que Anne usava o próprio tecido do vestido para carregá-los. Estava terrivelmente enlameado.

— Anne, olhe seu vestido! Que sujeira! Vai tomar um banho, por favor. Você irá me ajudar a fazer as tortas e bolos, não se esqueça.

— E também a enfeitar a sala, Marilla. O natal é tão belo! - Anne rodopiava até Marilla, até chegar perto dela e depositar um beijo em sua bochecha - Alegria, Marilla!

— Vou ficar muito alegre quando te ver limpa, mocinha.

Anne deu a volta na cozinha e subiu as escadas correndo. Marilla sorria, secando a louça e balançando a cabeça, lembrando de sua menina quando pequena e comparando com a de agora. A aparência pode ter mudado, mas a essência é a mesma.

Com Anne já arrumada, ela e Marilla estavam de volta à cozinha. Enquanto Marilla preparava o almoço, Anne preparava a massa duas tortas que serviriam de sobremesa, além de seus recheios. O cheiro emanava na casa, e Matthew estava sentado na sua cadeira favorita em frente a casa, sorrindo. Ele amava ter sua pequena ruiva em casa novamente, porém sabia que logo era teria que voltar à Kingston. Não se incomodou com isso, pois sabe que é para o bem dela, e só quer que ela seja mais feliz.

— Marilla, quem irá vir para nosso jantar hoje? - Disse Anne, enquanto fazia pequenas tira de massa para colocar em cima das tortas.

— Convidei Sebastian e Hazel ontem, antes de você e Gilbert chegarem. Também convidei a senhorita Stacy. - Anne lançou um olhar inquisitivo para Marilla, que logo respondeu - A encontrei no centro ontem, enquanto comprava os detalhes finais para nosso jantar. Ela ia comemorar sozinha, então convidei ela para vir jantar conosco. Você não acha uma boa ideia?

— Não acho boa. Acho ótima! Ou melhor, tenho certeza de que é uma boa ideia, Marilla. Ela irá amar passar a noite conosco. Ah, se você tivesse me avisado, teria comprado um bom presente para ela!

— Não se incomode com isso, Anne. Ela já vai estar muito feliz de passar o natal aqui.

— E como estão os Lynde?

Marilla parou de mexer na panela e olhou para Anne. Sabia que ela tinha notado que algo aconteceu com eles. Ficou séria, e começou a falar com pesar em suas palavras.

— Thomas está piorando, Anne. Mal consegue comer sozinho, e praticamente nunca sai da cama. Rachel está conseguindo lidar com isso, mas tem que cuidar dele, da casa, fazer comida, lavar as roupas, além de cuidar dos negócios. Não aceita nenhuma ajuda, então estou procurando fazer o que posso sem que ela perceba, como ontem, ajudando ela a comprar algumas coisas para o natal.

— E os filhos dela, não podem ajudar?

— A maioria está casado e moram longe. A única que pode ajudar é a Emily, que mora na cidade, mas ela não quer voltar a morar em Avonlea para ajudar os pais. Porém, pelo que conversei com a Rachel, provavelmente ela virá ficar aqui por um tempo.

— Pobre senhora Lynde! Gostaria de ajudar de alguma forma.

— Na situação que os Lynde estão, suas orações serão de bom grado.

Anne sorriu levemente e continuou fazendo as tiras, até que ouviu a porta abrir. Se esticou pra ver a porta, e viu Gilbert entrando, sendo recebido por Matthew.

— Gilbert, o que faz aqui tão cedo? - Disse Anne, enquanto ia até ele.

Gilbert pegou as mãos de Anne e deu um beijo, deixando Anne corada. Marilla assistia a cena com um sorriso, lembrando dela com John.

Os Blythe são tão parecidos.

Vim ajudar no que for preciso.

— Que bom que veio! - Disse Marilla, com as mãos na cintura, parada ao lado da porta - Você pode ajudar Anne a decorar a sala, já que ela saiu tão cedo na floresta para pegar alguns enfeites. Acabou se sujando inteira.

Gilbert ergueu uma das sobrancelhas para Anne, que deu de ombros, envergonhada.

— Mas antes, vamos almoçar. Anne, arrume a mesa!

Anne tinha espalhado pratos com pinhas, galhos secos e folhas por toda a sala de jantar e a sala de estar, com ajuda de Gilbert. Enquanto ela montava as decorações, que Marilla já tinha desistido de tentar convencer Anne a não fazer, seu amado a admirava. Via a forma que ela abria a boca quando arrumava as decorações, como olhava ao redor imaginando onde seria o melhor lugar para colocar. Conseguia fazer objetos que separados não eram interessantes se tornarem algo agradável aos olhos. Anne logo parou, olhando para ele.

Ah, aqueles olhares. Demorados e amorosos, que transmitiram muito mais do que simples palavras. Gilbert deu um sorriso de lado, sentando mais perto de Anne.

— O que vamos fazer agora?

— Vamos colocar as velas na árvore.

Foram até ela, que já estava com vários presentes embaixo dela. Enquanto acendiam as velas, Gilbert lembrou de outro natal que estava em Green Gables junto com Bash, recém chegado do navio. Anne estava com os cabelos curtos, mas tão bela quanto agora.

Quando acabaram de acendê-las, Gilbert retirou um pequeno pacote de seu bolso.

— Anne, acho que aqui é o lugar perfeito para te dar seu presente de natal. Lembra que aqui foi onde dei seu primeiro presente?

— Sim! - Anne disse, sorrindo - Só que desta vez, tenho um presente para dar a você também.

Anne pegou um pacote que estava embaixo da árvore e se levantou. Os dois trocaram os presentes, mas Gilbert não abriu o seu enquanto Anne abria o pequeno pacote que tinha lhe dado. Assim que abriu, Anne segurou a pequena caixa de veludo preto em suas mãos, retirando um anel de dentro.

Era um anel de ouro fino, com uma pequena pedra em formato de coração. Uma pedra tão vermelha quanto seus cabelos ficavam ao sol. Foi assim que Gilbert descobriu que era o presente perfeito.

— Qual é o nome dessa pedra, Gilbert?

— É chamada de rubi.

Assim como imaginou, Anne andou até a janela, colocando a pequena pedra contra a luz. Seus olhos brilhavam tanto quanto seu sorriso.

— É perfeito, Gilbert! Não sei o que dizer.

— Você ter gostado já é o suficiente. Posso fazer as honras?

Gilbert foi até a Anne, pegou o anel e colocou-o na sua mão direita, no dedo anelar. Anne levantou sua mão, olhando o anel, enquanto Gilbert abria seu pacote.

— Gilbert, você sabe que eu não tinha muito dinheiro para comprar seu presente, certo? Tive que usar a imaginação para fazer muito com pouco. Tinham tantos outros presentes pra comprar, e céus, se eu soubesse, tinha que comprar até para a senhorita Stacy, que virá hoje! Mas apesar de tudo, espero que você goste. É muito especial.

Dentro do pacote tinha um vidro circular, com a tampa preta. Dentro, tinham vários tsurus dobrados, todos de cores diferentes, e alguns pequenos papéis enrolados como pergaminhos amarrados com barbante.

— Não é para você abrir nenhum desses hoje, Gilbert. Só a partir do momento que você estiver novamente em Toronto! Parei de contar quantos são a partir do vigésimo, mas são muitos. Cada um tem uma mensagem dentro, que fiz pensando em você longe de mim enquanto estava na pensão. É um para cada dia que você estiver lá! Se sentir minha falta, se não sentir, antes de uma prova, em qualquer momento. Para você saber que eu amo você todos os dias que você estiver longe de mim! Se você não gostou - Gilbert a interrompeu com um abraço, beijando sua bochecha, já que em qualquer momento Marilla poderia aparecer.

— É perfeito, Anne. Não esperaria algo tão único vindo de outra pessoa que não seja você.

Bash caminhava com Delphine nos seus braços, enquanto ao seu lado a sua mãe, Hazel, caminhava com o cesta de sua neta e outra com doces. Mesmo Marilla falando que não precisava levar nada para o jantar, seu senso de responsabilidade lhe dizia exatamente o contrário. Ora, não iria chegar de mãos vazias onde era uma convidada. Era totalmente contra seus princípios.

Delphine estava maior, e gesticulava enquanto queria falar. Ao menos era o que Sebastian se gabava dizendo para quem ouvisse enquanto sua filha balançada seus bracinhos cheio de dobras, murmurando alto. Enquanto ninguém estava perto, ele chegava perto dela, e falava:

— Quem sou eu? Papai. Fala! Pa-pai.

Toda vez que isso acontecia, a pequena sorria, dando uma risada gostosa, com os olhos apertados formando linhas. Suas encantadoras covinhas eram objeto de desejo para todas suas titias admiradoras, que logo chegavam com suas mãos apertando suas bochechas.

Logo chegaram em Green Gables, sendo recebidos por Matthew. Sebastian notou que ele estava bem mais receptivo, já que normalmente ele não o via até mesmo dentro de sua casa durante suas visitas.

Hazel logo acompanhou Marilla na cozinha, mesmo a mesma recusando a ajuda. A mãe de Sebastian se sentia bem entre as panelas e temperos de uma cozinha aconchegante, pois foi ali que viveu sua vida inteira, onde esteve boa parte de seu casamento e que criou seu filho, além dos filhos se seus patrões. Além disso, ela e Marilla estavam virando boas amigas, comentando sobre temperos e chegando até sobre a vida de seus filhos.

Sebastian foi até a sala de estar dos Cuthbert, colocando Delphine no seu colo, brincando com suas mãos. Notou as decorações bem colocadas e, olhando pela janela, Anne e Gilbert andando de braços dados pela fazenda. Deu um sorriso por ver a alegria que seu irmão sentia por estar com a sua amada. Logo seu sorriso se desfez, lembrando da última vez que já se sentiu dessa forma.

Mary.

Já tinha se conformado que não esqueceria dela, pois não fazia sentido procurar por isso após um relacionamento maravilhoso como o dos dois. Até mesmo tinha um lembrete diário para lembrar de como sua esposa era, através dos belos sorrisos e risadas de sua pequena. Além disso, Elijah, o filho de Mary, o fazia lembrar de quão esperançosa e persistente sua mulher era. Afinal, até mesmo depois de sua morte conseguiu a redenção de seu primogênito. Tinha liberado ele de suas funções na fazenda por algumas semanas no final do ano, e logo no começo de janeiro ele iria voltar à fazenda para ajudar-lhe na colheita das maçãs.

Já não há dor quando mencionam Mary nas conversas, ou raiva pela sua morte. O sentimento que predomina é a saudades. Não só dela, mas de se sentir amado da mesma forma que ela o amava.

Ouviu passos, e voltou seus olhos a direção do som. Lá estava Muriel, segurando uma bolsa de pano com as duas mãos na frente do corpo. Estava sorrindo para Delphine, que já tinha notado sua presença e estendia seus bracinhos em sua direção.

— Olá Muriel! Veio passar o natal? - Disse Sebastian, voltando a sorrir sem perceber. Pegou Delphine nos braços e a levou para sua madrinha.

— Sim! A Marilla me convidou ontem, fiquei muito feliz por passar essa data com pessoas especiais. - Muriel falou enquanto acomodava a menina em seus braços.

Sebastian e Muriel não sabiam explicar, mas se sentiam extremamente a vontade um ao lado do outro, mesmo não confessando isso. Poderiam falar sobre qualquer coisa, ou até mesmo ficar em silêncio sem soar estranho. E aquele momento, onde estavam juntos com Delphine, acalmou o coração dos dois diante de todo o ruído das dúvidas que assolavam suas mentes.

Gilbert e Anne andavam de braços dados pela Alameda dos Amantes, já que Marilla recusou a ajuda dos dois na cozinha e já tinham enfeitado todo o ambiente para o jantar. Pararam embaixo de um pinheiro, compartilhando um abraço para se esquentar no frio de dezembro.

— É incrível como a imaginação não nos leva a alguns lugares, não é Gilbert?

— Como assim, Anne?

— Já imaginei príncipes e princesas, cavaleiros e vários cenários românticos, mas nunca me imaginei com o meu companheiro, com um simples abraço. Também nunca imaginei que algo tão simples fosse tão especial. - Anne entrelaçou suas mãos nas mãos de Gilbert, através das luvas. Olhou nos olhos dele, admirando - Também não imaginava que me apaixonaria por você. Muito menos ser correspondida.

Gilbert se curvou, alcançando os lábios de Anne. Beijou-a brevemente, envolvendo ela com seus braços. Quando se separaram, ela encostou sua cabeça no seu peito.

— Sabe o quanto quero ser professora, certo?

— Com certeza. Você será uma ótima professora.

— Obrigada. Então, existe uma possibilidade de eu conseguir uma bolsa para Redmond, não é incrível? Basta eu ser uma das melhores alunas. São dois anos de curso, e posso ingressar em Literatura! - Os olhos de Anne brilhavam quando ela falava, e Gilbert a ouvia atentamente - São apenas dois anos de curso, assim voltaremos no mesmo ano para Avonlea. E também não precisarei usar as economias de Matthew e Marilla para estudar. Você sabe, eles pagam minha pensão e meus estudos, mas não teriam dinheiro o suficiente para pagar Redmond.

— Isso é ótimo Anne! Porém, não conseguirei te visitar muito. É muito mais longe do que Queens ou Avonlea.

— Você não acha que podemos passar por isso? - Anne questionou, recebendo um olhar intenso de Gilbert, com as sobrancelhas curvadas. Ele apertou mais seu abraço, como se não quisesse ver ela partir.

— Podemos. Com certeza podemos.

A hora do jantar chegou. A sala de jantar estava iluminada pelas velas, e a lareira acesa trazia conforto aos que ali estavam. Gilbert e Anne estavam sentados lado frente a frente, assim como Muriel e Sebastian, Matthew e Hazel, com Marilla na ponta da mesa. Delphine estava sentada na outra ponta da mesa, apoiada em uma pequena cadeirinha que Marilla guardava especialmente para a pequena.

Enquanto se serviam, as conversas ocorriam naturalmente. Falavam sobre as novas descobertas de Gilbert, sobre a faculdade de Anne, sobre os plantios e colheitas, costuras e receitas de comida. Sorrisos eram trocados enquanto a família relembrava o passado, como as peripécias da ruiva pela fazenda ou a primeira papinha de Delphine.

Até que ouviram um barulho vindo da ponta da mesa. Lentamente ficaram em silêncio, sem perceber que era uma atitude conjunta. Olharam para o barulho, e Delphine balançava os bracinhos, rindo, em direção de seu pai.

— Pa… pai? Papai?

Sebastian levantou rapidamente indo em direção da sua amada filha, segurando-a em seus braços.

— Eu?

— Papai!

Lágrimas surgiram nos rostos de Sebastian, quando brincava com a filha em seu colo. Todos olhavam admirados a cena, felizes por ter mais uma memória para ser compartilhada. Logo depois, se levantaram para irem até a sala de estar para trocar os presentes, mas não sem antes Matthew perceber o olhar que a senhorita Stacy direcionava ao Sebastian. Ela passou logo ao lado dele para ir em direção à sala quando Matthew sussurrou, com sorriso maroto:

— Acho que você não irá mais precisar da minha ajuda com a senhora Lynde, não é?

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.