Anne With an E - Kingston

Cidade antiga, novos sentimentos


Nenhum dos dois imaginaram que seriam desta forma.

Passaram a viagem inteira conversando sobre a faculdade, estudos e amizades. E em grande parte, sobre o futuro juntos. Anne sentia confiança em Gilbert para que pudesse compartilhar seus sonhos, e Gilbert, além de sentir o mesmo, sentia-se honrado por conquistar a confiança dela.

Obviamente a cumplicidade deles foi construída com o tempo. Várias semanas de cartas trocadas mostraram que não só o sentimento crescia a cada dia, mas que o caráter dos dois permanecia o mesmo. Os dois se conheciam a mais de dois anos, e desde então sabiam que poderiam confiar um no outro, mesmo com todas as idas e vindas. Em uma das conversas que tiveram, Anne mencionou para ele, apaixonada:

— Que clichê! Me apaixonei pelo meu melhor amigo.

Gilbert ficou confuso por achar que Cole era o melhor amigo de Anne, mas chegou a sábia conclusão de que para sua ruiva, amizades não tinham tamanho. Amava todas suas almas afins igualmente, exceto Diana, que tinha uma conexão que ia além do entendimento do rapaz. Até mesmo ele aprendeu a admirar Diana de uma forma diferente, por saber que foi ela que indagou sobre o que Anne sentia por ele, por ajudá-los a ficarem juntos, além de ter ajudado ela a ficar em Kingston para encontrá-lo. A amizade entre ele e Bash era muito parecida, mesmo com tão pouco tempo de convívio.

Os dois ficaram o tempo todo com suas mãos entrelaçadas, soltando de tempos em tempos para que Anne afagasse os cabelos de Gilbert, ou para que ele a abraçasse. Alguns beijos foram secretamente trocados entre os dois, não tão intensos quando tinham sido em Kingston, mas partilhando todo o sentimento que havia entre eles. Em cada um deles, Anne anotava mentalmente que estava melhorando cada vez mais nisso, satisfeita com seu desempenho. A experiência que ela tinha nos livros a fazia fantasiar com esses momentos, mas a prática é muito diferente da teoria. Não que encarasse como uma competição, de jeito nenhum! Mas queria ficar cada vez melhor, assim como parecia que ele ficava quando a deixava sem ar.

Já Gilbert, mesmo aparentando ser tão bom ser se esforçar, estava muito concentrado em Anne. Não queria decepcionar sua amada com nada, e já tinham perdido muito tempo com suas indecisões e conflitos internos. Não queria tratá-la mal nunca, mas sim como uma mulher linda, sensível, forte e inteligente, assim como ela era. As conversas de Anne eram apaixonantes e facilmente podia vislumbrar um futuro ao lado dela. Sabia no que isso implicava: casamento, ter uma casa juntos, filhos. Não sabia se Anne estava ciente de todos os passos que teriam que tomar juntos, já que lembrou da conversa que ela teve com ele na frente da igreja, com todas as garotas a pressionando a fim de saber se mulheres com a imaginação fértil poderiam não ter filhos. Deu um pequeno sorriso lembrando daquele dia, olhando o rosto de sua amada. Cada descoberta no seu tempo, e teriam muito tempo para viver tudo o que tinham direito.

Era perto das seis da noite quando chegaram à Avonlea. O sol já estava se pondo quando os dois se olharam e compartilharam o último beijo antes de descerem do trem. Gilbert levou sua mão direita, segurou gentilmente o queixo de Anne e a puxou para o beijo suave e lento.

— O primeiro beijo em Avonlea. Com certeza, não será o último. - Disse Gilbert, quando seus rostos se separaram.

— Para um homem centrado e focado sempre nos estudos, parece-me que você teve muito tempo para aprender a ser galanteador, senhor Blythe.

Gilbert sorriu, admirando sua amada. Logo levantou-se e pegou a sua mala e a de Anne, recusando que ela a carregasse, e saíram do trem.

Sebastian estava lá fora aguardando os dois chegarem. Sabia que Gilbert chegava hoje, e depois soube através de Marilla que Anne chegaria mais tarde por um contratempo. Logo deduziu que os dois se encontrariam. Se ofereceu para buscá-la na ferroviária, se recusando a ouvir um não como resposta, sem falar para Marilla que também iria buscar Gilbert no mesmo horário. Delphine era sua fiel ouvinte de seus comentários sobre a vida quando a senhorita Stacy não estava visitando-o. Enquanto ainda estava em casa, comentou com sua filha, que estava na cadeirinha:

— Contratempo nada. Tenho certeza de que Anne fez isso de propósito para os dois ficarem juntos sozinhos. Ah, esses jovens apaixonados. - Bash chegou perto de Delphine, que o olhava atentamente. Ele apertou levemente sua bochecha enquanto voltou a falar - Deixo você seguir os passos de Anne um dia, mas pelo bem do coração de seu pai, espere os seus trinta anos. Por favor.

Logo viu o casal descer do trem, próximos e sorrindo aos quatro ventos. Não chegaram a procurar por sua carona, pois logo ouviram Bash falando:

— Olha esse casal apaixonado lindo! - Bash falou alto o suficiente para que todos que desceram do trem e os que estavam já na ferroviária o olhassem - Gilbert, eu sabia! Ah eu sabia!

Bash abriu os braços, e logo Gilbert andou até ele, soltou as malas e deu um abraço no seu amigo, rindo de como ele reagiu. Anne parou um pouco atrás, rindo, porém corada com os comentários do amigo.

Os irmãos se soltaram dando tapas nas costas um do outro. Bash logo olhou para a Anne, e sussurrou intencionalmente alto para que Gilbert também pudesse ouvir:

— Eu já sabia desde o navio que vocês um dia ficariam juntos, mas você escolheu um homem muito teimoso, fique sabendo. Olhava sempre sua carta com cara de bobo.

— Bash!

Sebastian conseguiu fazer Gilbert corar, rindo. Anne admirava ele com vergonha, coçando a nuca e baixando a cabeça. Descobriu uma nova versão de Gilbert Blythe.

— Anne, falei com Marilla e Matthew que vinha te buscar, então você irá vir conosco. Não avisei que Gilbert viria no mesmo horário para não causar problemas para você. - Disse Bash, piscando no final - Peguei a carruagem dos Barry emprestada, amanhã o Gilbert agradece à eles quando ir te visitar, o que imagino que vai acontecer. Três pessoas e duas malas seriam muito para dois pobres cavalos. Apesar de imaginar que Gilbert não reclamaria nada de andar a cavalo com você.

— Bash, vamos para a carruagem. Leve uma das malas, por favor! - Disse Gilbert, com a voz levemente alterada e andando rápido para onde viu que estava a carruagem estava. Bash ria, e Anne se surpreendia cada vez mais com Gilbert envergonhado. Aparentemente, ele tinha muita coragem quando estavam a sós, mas quando tinham companhia, não tanto.

Gilbert colocou a mala que carregava no compartimento da carruagem enquanto Sebastian chegava com a outra mala, e Anne ficou parada na frente dele, observando-o. O rubor na sua face e o acanhamento pareciam deixá-lo mais vulnerável, o que sabia que não era verdade. Logo que Gilbert parou para olhá-la, o rubor saiu, deixando no lugar o seu sorriso de lado e a cumplicidade no olhar.

— Vamos entrando! E por favor, não quero ficar entre vocês, então podem sentar um do lado do outro. Nada de formalidades pro meu lado.

Gilbert assentiu, e logo ofereceu a mão para ajudar Anne a subir e sentar-se na carruagem. Logo sentou-se ao lado dela, e Bash na frente dos dois.

A carruagem saiu do lugar, sendo conduzida por um dos empregados dos Barry.

— Vamos deixar você primeiro em Green Gables, e depois seguimos viagem para a fazenda - Bash disse para Anne, que consentiu.

Logo, Bash parou para observá-los. Anne estava sentada com os braços descansando no seu colo, com alguns centímetros a separando de Gilbert, que estava de braços cruzados. Levantou as sobrancelhas e sorriu, zombeteiro.

— Olha, vocês não precisam agir como se conhecessem, ou que não trocam beijos por aí. Sei que vocês estão se cortejando, mas também sei que na primeira oportunidade Gilbert iria até você e já te beijaria, o que imagino que aconteceu. - Anne sorriu, e Gilbert riu do amigo - Então, se quiserem se abraçar ou qualquer coisa assim, podem fazer que daqui não sai. Talvez Delphine saiba, mas ela não tem muita capacidade de falar para a senhora Lynde, então vocês estão seguros! - Bash levou a mão ao peito, completando a promessa. Pensou que talvez falaria para a senhorita Stacy, mas disso o casal não precisava saber.

Gilbert olhou para Anne, como se pedisse permissão, que logo foi concedida pelo olhar. Ele passou o braço por cima dela, a abraçando, e Anne se ajeitou encostando nele, e ela levou sua mão até a mão que estava no ombro dela, entrelaçando-as. Ele deu um beijo na testa de Anne, que sorriu, olhando em seus olhos.

— Mas por favor, não se beijem na minha frente. Seria embaraçoso e não quero ter sonhos com isso - Disse Bash, pigarreando, soltando risada de seus amigos.

Sebastian e Gilbert começaram a conversar sobre como estava a fazenda, enquanto Anne via o caminho de volta à Green Gables. A carruagem se movia rapidamente, assim como a imaginação de Anne, pensando no momento que chegaria em casa. Logo passaram pela Estrada Branca do Deleite. Ela olhava admirada para fora, observando que ela ainda não poderia ser melhorada pela imaginação. Estava perfeita. Apertou a mão de Gilbert, que apertou em resposta e começou a fazer carinho na mão dela com os dedos.

Em seguida, passaram pelo Lago das Águas Brilhantes. Gilbert sabia do nome também por um poema que Anne tinha recitado nos primeiros meses de aula, e enquanto conversava com Bash, sutilmente observava-a. Ela olhava encantada o lago, pensando em todos os momentos que teve com Diana brincando ao redor dele, e quantas lembranças novas poderia formar. Sua imaginação trabalhava rapidamente, até que ouviu seu nome sendo mencionado, e virou-se para Sebastian.

— Perdão, Bash? Estava distraída.

— Ah sim. Estava falando como a notícia do relacionamento de vocês se espalhou por Avonlea. Não poderia ser diferente, já que Marilla é próxima da senhora Lynde. Várias mães ficaram decepcionadas de não ter você como genro, Blythe! E algumas mães reclamaram para a senhora Lynde que seus filhos não teriam chance contra o Gilbert.

— De reclamar de não ter o Gilbert como genro eu entendo, mas eu, como nora? Ninguém tinha mostrado interesse em mim!

— A Rachel falou de um caso. Conhece os Sloane?

— Claro! - Disse Anne, rindo - Sei que o filho deles tinha uma queda por mim. Infelizmente a classe inteira sabia.

— Ele que ouse chegar perto da minha Anne - Gilbert disse enquanto tentava esconder o ciúme, porém, estava rígido. Anne olhava para ele com curiosidade.

— Não me diga que está com ciúmes, senhor Blythe. Eu que deveria estar, mas não estou.

— E por que não?

— Porque relacionamentos são solidificados através da confiança mútua, e assim como eu confio em você, espero que você confie em mim. Você sabe que meu coração é seu, assim como seu coração agora é meu.

Gilbert relaxou a postura, e Anne se esticou para dar um beijo na bochecha dele, que passou a sorrir. Os dois ficaram se olhando por alguns segundos, até que Bash se manifestou, assobiando.

— Que clima, em? Qualquer coisa, posso descer rapidinho da carruagem e ir a pé para a fazenda, para deixar vocês a sós.

— Bash!

Gilbert voltou a ficar envergonhado, enquanto os outros dois riram. Anne normalmente ficaria envergonhada, mas sabia que era o jeito de Bash de lidar com os dois, e não poderia desejar que fosse de outra forma. Poderia facilmente se imaginar no futuro, com a família se reunindo na fazenda e os dois contando piadas, como dois velhos amigos. O futuro lhe deu uma bela família.

Logo chegaram a Green Gables. Gilbert desceu primeiro da carruagem, oferecendo a mão para que Anne descesse. Foi até a parte detrás da carruagem para pegar sua mala, enquanto Bash descia para acompanhar os dois até a casa.

Marilla, Matthew e Jerry estavam na sala, em frente a lareira acesa. Fazia uma noite fria, mas dentro da casa mal podiam notar o clima, pois Marilla estava tão ansiosa pela chegada de sua filha e fez vários bolos e tortas, separando algumas para que Jerry levasse no fim de semana para sua família e para que Sebastian levasse para a fazenda, como fruto do agradecimento que tinha por ele se oferecer para pegar Anne na ferroviária. O calor da cozinha emanava pela casa, assim como os vários cheiros de doces. Matthew e Jerry não conseguiam mais comer tamanha a fartura, mesmo que Marilla insistisse em oferecer outros pedaços.

Anne chegou até a porta e bateu, sendo recebida rapidamente pelo abraço de Marilla.

— Anne, você chegou! Que linda você está! - Disse Marilla, soltando-a enquanto segurava os dois braços de sua filha e a olhava da cabeça aos pés - Você está bem?

— Sim, estou! Que saudade de você, Marilla!

Matthew e Jerry chegaram até a porta, também abraçando Anne. Estavam todos felizes, porém, como passava das oito da noite, o frio de fora penetrou a casa, pedindo para que Anne entrasse. Ela olhou para fora, e os moradores perceberam a presença de Gilbert.

— Eu e Anne ficamos um tempo na ferroviária, porque eu soube que Gilbert voltava hoje, porém mais tarde. Por isso a demora, perdão! - Disse Bash, piscando para Anne. Logo ela entendeu o que ele estava fazendo.

— Sim! Conversamos bastante na ferroviária enquanto Gilbert não chegava. Nem vimos o tempo passar até que o trem dele chegasse.

— E agradeço muito por você ter me esperado, Anne. Não poderia ter recepção melhor. Bash é uma ótima companhia, mas nada comparado a você.

Gilbert pegou as mãos frias de Anne e deu um beijo nelas, fazendo Marilla e Bash sorrirem. Ele poderia ser envergonhado, mas não na frente da família de Anne. Manteria a compostura dos Blythe.

— É.. vou entrando. Preciso de mais uma fatia de bolo - Disse Matthew, entrando rapidamente em casa.

— Eu também Matthew, espere por mim! - Jerry entrou logo após Matthew na casa, embaraçado com a cena.

— Os dois estão cada vez mais parecidos com a convivência. Duvido que comam algo. - Disse Marilla, com um sorriso e braços cruzados, tremendo por causa do frio - Gilbert e Sebastian, querem vir jantar amanhã? Podem trazer Hazel e Delphine.

Gilbert olhou para Sebastian, que assentiu.

— Claro que viremos. Temos que trazer algo para o jantar?

— Não precisa trazer nada, Gilbert. Já fiz comida o suficiente. Aliás, esperem aqui que vou trazer uma cesta de doces para vocês levarem para casa.

Assim que Marilla entrou na casa, Gilbert e Anne se abraçaram, em uma despedida. Se separaram rapidamente, antes que Marilla chegasse. Sebastian olhava curioso o casal, já preparando os comentários para quando ele e seu irmão chegassem em casa.

Marilla chegou e entregou a cesta para Gilbert, que agradeceu. Logo, ele e Sebastian se despediram para voltar até a carruagem, indo até a fazenda.