Anjo da Noite

Capítulo 32. Ciúme


Pra ser sincero
Não espero de você
Mais do que educação
Beijo sem paixão
Crime sem castigo
Aperto de mãos
Apenas bons amigos...

Pra ser sincero
Não espero que você
Minta!
Não se sinta capaz
De enganar
Quem não engana
A si mesmo...

Quando Celas voltou de sua ronda noturna, foi para encontrar Vlad sentado no sofá, uma garrafa de vodca pela metade no chão, ao seu lado (que Celas tinha certeza que viu lacrada antes da ronda), observando seu copo também pela metade, antes de beber o conteúdo.

Sentiu ao mesmo tempo alívio em vê-lo novamente e preocupação ao vê-lo naquele estado. O que tinha acontecido na Romênia?

Foi desperta de seus pensamentos ao ouvir o som do fax recebendo alguns documentos. Fixou os olhos vermelhos no aparelho, até perceber que um par de olhos amarelos e cortantes a observavam.

– Quando... Quando voltou, Vlad-san?

– Ontem à noite.

– Como... Como foi a viagem?

Vlad olhou para o papel saído do aparelho do fax, caído no chão. Levantou-se e foi até lá, recolhendo-o e lendo seu conteúdo sem muita emoção. Celas se aproximou, tentando ler o documento sobre o ombro dele (apesar de ser muito mais baixa que o rapaz), apenas para descobrir que estava em romeno. Mas em linhas gerais, aquilo parecia muito com...

– Vlad-san... Isso é...

– Exames.

Celas preferiu não se aprofundar no assunto com Vlad provavelmente bêbado. Apenas ficou ali, ao lado dele, enquanto ele lia mais e mais uma vez o papel a sua frente.

Quando Integra acordou, assustou-se por estar em sua própria cama. Se tivesse acordado no escritório tudo bem mas... ela não se lembrava de ter ido até sua cama. Lembrava-se da maldita carta da Rainha, lembrava-se de Alucard... Não, Alucard foi parte do sonho... Alucard estava morto... VLAD!

Pulou da cama, descendo as escadas com pressa, apenas para parar no meio dos degraus para observar Vlad segurando um pedaço de papel e um copo vazio.

Quando o rapaz a percebeu, virando a cabeça para olhá-la, seus olhos frios e vazios eram capazes de lhe cortar a alma. Não revelavam medo, não revelavam amor, não revelavam dor, expectativa, esperança, nada. Nem ao menos pareciam reconhecer sua presença.

Integra ponderou aquilo por alguns minutos, recompondo-se e finalmente, com uma expressão quase tão dura quanto a do rapaz, perguntou:

– Encontrou o que queria na Romênia?

Vlad maneou um não suave com a cabeça.

– Vai ficar aqui?

Vlad olhou da Hellsing para o papel em sua mão, ficando em silêncio. Integra respirou fundo e se virou, para ir novamente até seu quarto. Enquanto subia as escadas, murmurou lá de cima:

– Tenho que ir falar com a Rainha. Se tiver a decência de me acompanhar, sairemos em três horas.

Duas horas depois, Vlad estava sentado novamente no sofá, relativamente sóbrio após o banho ridiculamente gelado que tomou, com as roupas completamente desalinhadas e os cabelos ainda pingando no móvel. Os olhos apenas vagavam pela sala, geralmente repousando novamente na garrafa de vodca, foi o toque macio de uma toalha no topo de sua cabeça que o trouxe de volta à realidade.

– O que aconteceu Vlad-san? – Celas perguntava, enquanto enxugava os cabelos negros do rapaz. Vlad tentou se livrar do toque, levantar-se, mas um empurrão mais forte da vampira o fincou novamente em seu assento e ele acabou desistindo.

– Nada, por enquanto.

– Como foi a viagem?

Vlad ficou em silêncio. A viagem em si tinha sido... ele nem sabia mais se tinha sido o que ele esperava ou não. Não tinha sido propriamente boa ou ruim, tinha sido só...

– Foi necessária. – Ele murmurou, fechando os olhos numa tentativa de assim calar a vampira, como se o fato dele não poder ver quisesse dizer que ele também não ouviria.

– O que aconteceu com a sua mão?

– Bati na porta.

Celas ponderou aquilo, resolvendo que era melhor deixar pra lá. Puxou os cabelos ainda úmidos dele para trás, com as pontas dos dedos, ao mesmo tempo arrumando-os e massageando o couro cabeludo dele. Irritantes como eram os fios, por mais que ela os arrumasse, eles assumiriam o mesmo aspecto no final então nem era tão importante assim arrumar.

Ajoelhando-se de frente a ele, Celas fechou os últimos dois botões da camisa e ajeitou o nó da gravata.

– Você sabe que pode contar comigo, não sabe?

Vlad fez um sim singelo com a cabeça, repousando-a no encosto do sofá após o movimento. Celas sentou-se ao lado dele, segurando da forma mais gentil que podia uma mão enfaixada que ela podia jurar que estava quebrada. E estava mesmo. Vlad não reagiu, apenas ficou ali, quieto, de olhos fechados.

– Vlad-san? – A voz da vampira soou novamente em seus ouvidos, levando-o a abrir um olho cujo brilho há muito estava desfocado.

Encaram-se por alguns minutos, até que Vlad quebrou o silêncio, percebendo a preocupação nos olhos vermelhos da vampira:

– Eu estou bem Victoria. Não precisa se preocupar.

– Não está. E preciso.

– Não, não precisa não.

– Preciso.

– Não precisa.

–Preciso.

–Não precisa.

–Preciso.

Vlad levou as mãos aos olhos, cansado do rumo que aquela conversa estava tomando.

– Vejo que já está... Pronto... – A voz de Integra ecoou no espaço da sala.

Vlad aproveitou a brecha para se levantar do sofá, com o firme intuito de chegar até a porta, mas acabou caindo sentado outra vez no móvel. Mais devagar dessa vez, recusando a ajuda de Celas, conseguiu se colocar sobre os próprios pés, seguindo Integra até o carro.

Rodaram por alguns minutos em silêncio, até que Integra o quebrou:

– Estamos indo falar com a Rainha.

– Algo importante?

– O prazo acabou.

– Prazo?

– Joseph vai pedir minha mão em casamento. Tenho ordens expressas para aceitar.

– Hoje?

– Sim.

Vlad passou as mãos pelos cabelos ainda úmidos. Mal havia se encontrado e já estava se perdendo outra vez, em um turbilhão de novas emoções que não sabia interpretar, que não conseguia assimilar com propriedade.

Mas ele precisava reagir, o mundo não ia parar para que ele pudesse colocar seus pensamentos em ordem, para que ele pudesse determinar o melhor caminho a seguir.

Mas, como ele poderia tomar qualquer atitude que fosse se nem pensar ele conseguia? Ele que havia se feito quebrado, vazio e novamente inteiro, por ela, só por ela, agora era feito em pedaços outra vez pelo que acontecia a sua volta.

– Vai aceitar? – A pergunta fugiu por entre seus lábios antes que ele pudesse contê-la.

Integra o olhou curiosa, parando o carro nos jardins do palácio real. Foi quando Vlad percebeu que já devia fazer muitos minutos, quase uma hora em que havia sucumbido a seus próprios pensamentos. Integra retirou o cinto e saindo do carro murmurou:

– Sairei daqui noiva de alguém, aceitando ou não.

Vlad ficou no carro, parado, por mais dez minutos no mínimo, quando com o vagar de uma semente que brota ele saiu atrás da mulher que sabia amar, mas sabia estar cada segundo mais distante de seu alcance. O tempo era precioso, mas não havia muito o que ele pudesse fazer, além de continuar andando.

– Já faz tempo, conde. – A rainha lhe dirigiu a palavra, tirando-lhe do nada que estavam seus pensamentos.

– De fato, majestade.

Vlad estava sentado a mesa, rodeado de pessoas que ele não conhecia. A alta corte da Inglaterra até onde ele tinha entendido. Integra estava sentada ao seu lado, ao mesmo tempo entediada com as bobagens que se falavam ali e nervosa com o tema central daquela reunião. Ela.

Já haviam comentado sobre o casamento da filha mais velha do conde Marshall, dos avanços militares do coronel Fisher, sobre mudanças políticas, das novas descobertas do Painel Internacional de Mudanças Climáticas, de tudo, até do cavalo novo que a rainha comprou que Joseph estava tentando domar, sem sucesso.

Integra sabia que apenas depois de muita bobagem, de assistirem uma sessão do exibido montando os cavalos reais e de um jantar do qual ela não alimentava expectativas de manter a comida no estomago algo sobre seu casamento seria dito. Um pedido arrogante feito durante um brinde, a entrega de um anel caro que ela seria obrigada a usar, um aceno com a cabeça, um beijo que ela seria obrigada a aceitar e a ânsia de vômito que ela não poderia demonstrar em público. Simples assim, sua vida acabaria naquele dia. E era só isso.

Sua única esperança? Que o mundo acabasse em algum momento entre o dia e a noite, ou algo do gênero. Qualquer coisa que lhe tirasse dali e fosse drástico o suficiente para que esquecessem aquele assunto por....mais uns 30 anos?

Ou que certo conde romeno que tinha acabado de virar o assunto da reunião contestasse a opinião da rainha e... bom, se Vlad quisesse, já o teria feito. E depois, perder a vida por perder a vida, não era justo meter Vlad nisso.

– Soube que esteve na Romênia recentemente. – E a rainha continuava a tagarelar sobre coisa nenhuma, atirando pra qualquer lado tentando instigar a corte a falar antes de irem ver a porcaria do Joseph tentando domar de novo a porcaria do cavalo. O que deveria ser um programa interessante pras filhas dos condes e cavaleiros, uma vez que Joseph era um dos homens mais cobiçados da Europa, e de fato era bom naquilo. Mas de novo, o problema de Integra era outro.

– De fato.

Um silêncio estranho perpetuou a mesa, até que alguém do outro lado disse um “elabore” meio sussurrado, como se fosse óbvio o que a rainha queria. Mas o problema de Vlad também era outro.

– Foi a negócios? – A rainha continuava. Integra percebeu Joseph revirar os olhos com desdém, mas não deu bola.

– Visitar algumas propriedades, na verdade.

– Algo que conheçamos?

Vlad ficou em silêncio por alguns segundos, olhando bem dentro dos olhos da rainha. Um olhar penetrante e intimidador que fizeram com que aqueles sentados mais próximos a ela se encolhessem sutilmente em seus assentos. A rainha sustentou o olhar com seus olhos pequenos, certamente se julgando acima de qualquer possível ameaça vinda de onde quer que fosse. Um tipo de desafio parecia ter sido instalado naquele momento e Vlad o aceitou. Se o ganhasse, talvez impusesse respeito o suficiente para contrariar o rumo que as coisas estavam tomando.

– O castelo de Bran.

Um burburinho correu a mesa, enquanto a rainha repetia silenciosamente o que tinha acabado de ouvir. O castelo de Bran era uma das últimas e mais valiosas obras da Europa que ainda possuíam dono legítimo. Por sua história e valor tanto simbólico quanto real, era objeto de desejo de muitos nobres da corte, inclusive da família real. Acontece que ninguém sabia quem era o dono, só que a organização Hellsing estava por trás daquilo, e com os segredos da Hellsing, ninguém queria se meter.

A rainha, de olhos fechados, respirou fundo enquanto a torrente de fatos lhe invadia a mente: herdeiro direto da Ordem do Dragão. Não um conde, não um duque. Membro da família real, um arquiduque no mínimo, senão um príncipe pouco conhecido.

Depois daquilo, ela começaria a sentir um pouco mais de vulnerabilidade ao encarar os olhos âmbares.

– A aquisição recente de vossa majestade foi muito inspirada, se me atrevo a dizer. – Joseph começou, cansado do assunto e querendo mudar o rumo da conversa. – Que desafio interessante treinar um Akhal-Teké, ao contrário dos magníficos Thoroughbreds, o puro-sangue inglês, para os leigos. Um animal de temperamento calmo de baixa estatura, mas belíssimo, sem dúvidas.

Joseph olhava para Vlad enquanto falava a parte dos leigos. Os demais nobres, preocupados com a tensão crescente que se dava no salão, rapidamente começaram a comentar sobres os cavalos e os prêmios que Joseph tinha, perguntando se ele já havia pensado em concorrer nas Olimpíadas e blá blá blá.

A conversa seguiu seu rumo, com a rainha jamais encarando os olhos de Vlad outra vez e Integra sem levantar o olhar de suas mãos entrelaçadas sobre a mesa, ou perceber que os olhos de Vlad também se mantiveram naquele ponto específico.

No final da tarde, estavam todos sentados ao lado do cercado, onde Joseph trotava com um de seus treinados Thoroughbreds, fazendo truques bobos e arrancando suspiros das moças mais jovens.

Integra e Vlad estavam lado a lado em um canto da cerca, mas o silêncio entre os dois eram insuportável.

De um lado, Vlad estava começando a sentir os efeitos da quantidade de vodca que havia bebido, com uma dor de cabeça irritante e a dificuldade em raciocinar.

Do outro, Integra se perguntava o que havia acontecido entre eles. Aquele homem a sua frente não revelava nada do que ela esperaria do Vlad que conhecia, do Vlad que daria a vida por ela, do Vlad que havia deixado claro em uma carta escrita durante as trevas da noite que se desfaria e se faria novo por ela. Não parecia alguém que a amava.

O que tinha acontecido na Romênia? O que ele tinha visto? O que ele tinha descoberto? O que ele tinha entendido? E mais importante, se ele não queria mais aquilo, não a queria por perto, por que ele ainda estava lá? Por que esperavam que ele ficasse? Por algum acordo mal feito que ele seria obrigado a cumprir? Por educação? Era isso que partilhariam... Conversas sem paixão, sem intenção. Eram estranhos.

Integra foi desperta de seus pensamentos quando percebeu o olhar de Vlad se direcionar a um cavalo trancado ao longe. Ela apenas podiam ver os olhos caramelo do animal brilharem no escuro de sua baia, correspondendo ao olhar do conde. Uma voz acima dela a fez desviar o olhar:

– Não vai querer se meter com aquilo “conde”. – Joseph falava, de cima do puro-sangue cor de areia que montava, a última palavra dita com desprezo. – nada como o desafio de domar um animal temperamental como um puro-sangue inglês, mas aquele em especial é grande demais para a espécie, além de muito selvagem e teimoso. Não basta força para dominá-lo.

Vlad olhou para cima, por um momento reparando no nariz de Joseph e pensando se conseguia se lembrar de como era antes. Mas logo seus pensamentos se voltaram para os olhos sem brilho do cavalo que o outro montava.

– Aposto que seria divertido ver. Todo bom nobre deve saber montar um cavalo. – Uma senhora de uns quarenta anos, vestida em um extravagante vestido amarelo, disse ao longe, enquanto tomava seu chá, sentada em uma cadeira. Lady Catharine, esposa do conde Willians, que aliás, estava dormindo (e babando) em uma cadeira ao seu lado, no alto de seus noventa e tantos anos. – Talvez um mais dócil, certamente, mas como ficam encantadores os jovens quando montam...

Integra revirou os olhos. Vulgar e indiscreta. Dando em cima de Joseph na frente de toda a corte. Dessa Integra quase riu. Não é que estava com ciúmes do paspalho do seu noivo, mas tolerar aquilo durante o resto de sua vida seria o inferno. Certamente. Se bem que... quanto mais admiradoras e amantes Joseph tivesse melhor... Desde que ele não deixasse ninguém ficar sabendo, já que ela tinha uma pose pra manter.

– Quem sabe não poderíamos arranjar um pônei?

Vlad deu um sorriso fraco diante do comentário. Um legítimo Akhal-Teké... Há quantos séculos aquele animal de temperamento aparentemente dócil o havia surpreendido? Pequeno e desproporcional, aguentava meses de caminhadas pelo deserto, brilhando como ouro na areia. Impossíveis de serem adestrados por força bruta, não lidam bem com agressão. Ele tentou ter um quando jovem, acabou aceitando que este era um capricho concedido apenas a um outro povo. Retirou a parte de cima do terno que usava, mantendo o colete negro e a gravata azul clara firmes no lugar. Fez menção de entregar a peça de roupa para Integra, quando desistiu no meio do caminho, não sabendo se podia tomar essa liberdade. Integra esticou a mão e pegou o terno, de qualquer forma.

O rapaz dirigiu-se à baia enquanto dobrava as mangas de sua camisa. Joseph ria enquanto sussurrava para alguém “ele espera não sujar a roupa? Que ridículo...”

Mas não era nada disso. O que Vlad queria era mais de sua pele, mais de seu cheiro.

O animal, que nunca realmente perdeu o rapaz de vista, aproximou-se naturalmente quando Vlad encostou-se na baia, revelando sua crina e pelos negros. Era um animal grande, corpulento. De fato um cavalo magnífico.

Vlad ergueu uma das mãos para tocar o animal, mas este ameaçou mordê-lo, escondendo-se nas sombras de sua baia outra vez.

– Selvagem. – Vlad murmurou, em meio a sua respiração. – Você não deveria jamais ser aprisionado, jamais domesticado.

O animal relinchou em sua prisão, deixando claro seu desespero e sua vontade em sair dali.

Vlad lembrou-se então de seu sequestro, da dor que sentiu, de sua captura. E depois, da primeira batalha que lutou, do primeiro homem que matou e do ódio que viu naquele dia em que também recebeu sua primeira cicatriz de batalha, que quase lhe custou um braço. No dia em que foi, definitivamente, domesticado.

– Não somos tão diferentes, você e eu.

O cavalo se aproximou outra vez, dessa vez aproximando o focinho da mão de Vlad, apoiada na madeira da baia, aproveitando para cheirar a extensão do punho, entender o defeito escondido nas bandagens, até que seus olhos se voltaram para os do homem a sua frente mais uma vez.

– Quem foi você em outra vida? Antes dessa prisão de madeira e ceticismo? Um garanhão, senhor de sua tropa?

Aos poucos o animal aceitou a presença de Vlad, conhecendo seu cheiro, aceitando seu toque entre seus olhos cor de caramelo queimado. Onde não podia ver, não sabia o que aconteceria, apenas confiava.

Aos poucos a porta da baia foi aberta, e o cavalo seguiu a mão de Vlad, mantendo-se sempre a mais ou menos um centímetro do toque, como que com medo de perder o calor que irradiava da palma quebrada.

Vlad não desviou os olhos do animal por um instante sequer, conduzindo o ao centro do cercado. Se o tivesse feito, veria o queixo caído da corte em contraposição ao cerrado de Joseph, a surpresa e o ódio nascendo simultaneamente de uma forma perigosa, como um vulcão que dava os primeiros indícios de uma erupção.

Dez minutos depois, o animal aceitou o toque na orelha, aceitou a mão do conde em seu pescoço. Daí para subir no cavalo, sem sela ou arreio, foi simples. Vlad não ia precisar de nenhum dos dois agora, e era disso que o cavalo tinha medo.

– Como você vai comandá-lo sem o arreio? – Joseph perguntou, rindo-se. Metade da corte riu também, da ingenuidade do rapaz, a outra metade achou mais sensato ficar em silêncio.

– Não preciso comandá-lo. Iremos aonde quisermos ir. – Vlad disse de um jeito quieto, contemplativo. Sabia algo que Joseph jamais imaginaria. O certo não era domar o cavalo, tirar a vida de seus olhos. E sim tornar-se um com o animal, aproveitar-se de sua força e instinto. Iriam aonde quisessem, porque iriam querer a mesma coisa. Afinal, era só aquele o desafio, montar um corcel indomável.

Vlad sussurrou alguma coisa em romeno na orelha do cavalo. Não porque o cavalo entenderia romeno, mas porque ele conseguiria por sentimento no que diria. Era quase como se estivesse novamente nos campos de batalha, lendo para seu cavalo, só porque o animal parecia gostar do som de sua voz.

E o animal, simples assim, aceitou toques suaves como indícios de direção, andando com graça e calma, mas mantendo toda a postura de um garanhão confiante, e não a cabeça baixa de um animal domado.

Vlad estava tão perdido em montar novamente que não percebeu a fúria que brotava dos olhos de Joseph.

Pra ser sincero
Não espero que você
Me perdoe
Por ter perdido a calma
Por ter vendido a alma
Ao diabo...

Um dia desse
Num desses
Encontros casuais
Talvez a gente
Se encontre
Talvez a gente
Encontre explicação...

Um dia desses
Num desses
Encontros casuais
Talvez eu diga:
–Minha amiga
Pra ser sincero
Prazer em vê-la!
Até mais!...

Nós dois temos
Os mesmos defeitos
Sabemos tudo
A nosso respeito
Somos suspeitos
De um crime perfeito
Mas crimes perfeitos
Nunca deixam suspeitos...