Algumas horas antes...

(Chaerin's POV)


Minha respiração era a mais tensa e descompassada possível. O medo transpirava em minha pele, o medo e o receio, mas eu não podia desistir sem ao menos tentar, era o meu futuro, o meu grande sonho que estava em jogo. Com a mão trêmula, tomei o telefone e disquei o singelo número que estava escrito no pequeno pedaço de papel. A cada toque meu coração se desesperava mais ainda e sem delongas, me atenderam.

– SM Entertainment boa tarde – disse a jovem atendente do outro lado da linha, fazendo meu coração pulsar mais forte do que já estava.

Antes de qualquer resposta, fui obrigada a sorver o ar fortemente para os pulmões e soltar bem lentamente, para me dar um pouco mais de calma e confiança. Como eu queria entrar para a SM e me tornar uma cantora k-pop famosa com aquele comportamento ridículo e infantil? Aquele era o momento ideal e necessário para crescer.

– Boa tarde – disse em um fôlego só, rápido o suficiente para perder todo o ar e me obrigar a fazer uma pequena pausa – Eu gostaria de marcar uma audição para trainee – informei a mulher do modo mais gentil e simpático que minha voz conseguia soar.

Com o horário marcado, ou melhor, com meu nome na lista dos que tentaria uma vaga, era só ir atrás do meu sonho. Ao fim da ligação, atravessei o espaço entre a sala e o meu quarto - que eu dividia com minha irmã - em tempo recorde e peguei minha mochila creme com diversos detalhes em rosa, inclusive um par de orelhas de urso que havia no topo da mesma. Aquela era minha mochila preferida. Minha emoção e alegria eram tamanhas, que nem notei quando começou a chover. Ignorando o mundo a minha volta, peguei algumas peças de roupas, quebrei meu cofrinho e peguei pilhas de caixas de pepero. Ficar sem um deles na boca me deixava extremamente ansiosa e a propósito, porque eu não estava com um?

Abri uma das caixas vermelhas do pepero tradicional e depois o pacote plástico. O cheiro doce do chocolate envolto do delicioso biscoite em palito logo invadiu minhas narinas e saboreei uma das delícias com muito prazer. Eu fazia caretas e mais caretas me aproveitando do doce salgado, olha o paradoxo, quando me recordei da minha fuga, de modo algum eu podia me esquecer dela. Quando eu me tornasse uma cantora de pop famosa, eu faria sem dúvidas um agradecimento especial para aquela cidade em que fui criada, talvez, tudo bem, desisti daquele pensamento, antes que chegasse a conclusão que aquela cidade não havia trazido beneficio algum a mim e por isso eu estava a deixando.

Antes que deixasse minha casa, minha família e amigos para trás, lembrei em especial de alguém que surtaria ao perceber meu desaparecimento, por isso, tratei de escrever um curto bilhete para minha irmã gêmea Nuri e prender a geladeira. Quem sabe assim, ela não ficasse preocupada comigo, o que era extremamente raro, já que na condição de ser dez minutos mais velha do que eu, ela sentia-se na obrigação de cuidar de mim. Eu sentiria sua falta, mas ia à batalha.

Assim que abri a porta, dei de cara com aquela chuva irritante. Tantos dias para chover e tinha que chover logo no dia que eu decidia viajar? Muito contragosto, voltei para pegar minha capa de chuva amarela e minha sombrinha creme com orelhas do urso marrom. Se era para sair na chuva, que pelo menos fosse com estilo. Assim que cheguei à rodoviária, fui direto onde vendia as passagens.

– Uma passagem para o próximo ônibus que partir para Seoul, por favor – pedi calmamente tirando algumas notas de wons do meu bolso.

A mulher perguntou se eu não queria saber o horário, mas insiste que fosse o próximo ônibus, independente dele estar no terminal de embarque ou não. Ela acabou me vendendo a passagem sem mais perguntas e com um leve bico repleto de aegyo, contei meu dinheiro enquanto seguia para o terminal. Ainda tinha o suficiente para que eu me alimentasse por um, quem sabe dois dias, dependeria muito do que eu escolhesse comer, de qualquer forma, eu estava certa que seria aceita na SM, onde eu ganharia um dormitório quentinho e comida na mesa todos os dias, então eu não precisava me preocupar com nada daquilo.

O ônibus logo parou no terminal e embarquei no mesmo sem complicações, mas aquela chuva forte e insistente estava me deixando entediada e sem ter muitas opções dentro daquele veículo lento, mas barato, peguei minha caixa de pepero que já estava aberta e meu celular. Nunca houve distração melhor do que o twitter e quando eu me tornasse famosa... As coisas seriam tão diferentes, eu teria tão pouco tempo para ele, que me aproveitei também, para fazer um breve tweet sobre minha audição, as pessoas poderiam rir ao vê-lo, mas depois de alguns anos, quem ria seria eu.

Deixei meu celular no fundo da minha mochila e me acomodei melhor na poltrona confortável do ônibus. Minhas pálpebras pesavam diante do tédio e aos poucos eu me rendia ao sono. Quando abri os olhos, eu estava sendo sacolejada por uma mulher de meia-idade. Achei muito gentil da parte dela me acordar, mas não precisava ser tão agressiva. Esfregando meus olhos e bocejando de leve, desci do ônibus e sorri para a cidade. As pessoas apressadas e bem vestidas, o barulho dos carros, das pessoas ao celular, toda aquela atmosfera urbana me encantava. Esquecendo-me do nervosismo, do receio e até mesmo do medo, caminhei sorrindo até ao segurança do local. Um homem que não parecia assim tão gentil, mas de modo algum seria capaz de ofuscar minha alegria.

– Boa tarde moço, você sabe onde fica o prédio da SM? – perguntei com meu grandioso e simpático sorriso.

O homem me olhou por cima dos óculos escuro e moveu-se desconfortável descruzando os braços. Achei que ele correria atrás de mim ou me chamaria de caipira por causa de um sotaque que supostamente eu possuía, mas tudo o que ele fez, foi desenhar um confuso mapa. De modo algum eu contestaria a boa vontade de homem, não usando minha sapatilha rosa bebê e meu vestido branco com detalhes em rosa. Até mesmo minha fita rosa na cabeça inspirava fofura, então eu seria o mais gentil possível. Fui até a estação do metrô, como o segurança havia me indicado, e quase fui pisoteada por uma multidão de coreanos apressados. Onde estava a boa educação? Pelo menos consegui chegar a SM inteira e bonita. Um luxo a futura empresa onde eu trabalharia, digna de dorama. Entrei no prédio apresentando minha identidade e sem dificuldades, encontrei a sala onde era feita as audições, obviamente tive que esperar meu nome ser chamado. O mais frustrante era ver a quantidade exorbitante de Kim’s e Lee’s que havia por ali. Chamaram três Lee’s antes que chamassem meu nome, mas quando assim o fizeram, eu estava calma e confiante. Nenhum daqueles jovens e até mesmo crianças, era páreo para mim e olha que eu nem estava sendo convencida.

Entrei na sala com as mãos cruzadas sob a barriga e cumprimentei aos três avaliadores com pequenas reverências. Boa impressão, eu não podia me esquecer disso. Embora meu sorriso fosse o mais encantador de todos, eles nem ameaçaram sorrir, me deixando momentaneamente nervosa. Por que tão sérios? Pensei em perguntar, mas a voz estava presa na garganta.

– O que a senhorita sabe fazer? – perguntou o do meio que usava óculos de grau quadrado e tinha metade da cabeça calva. Pensei em elogiar sua quase careca brilhante, mas seu tom era tão frio, que desisti no mesmo instante.

– Cantar – respondi em um fôlego só esfregando as mãos discretamente.

Eu estava me sentindo linda, ainda mais porque meu cabelo estava perfeitamente ondulado e minha roupa estava super perfeita, seca e combinando, mas a insegurança tomava conta de mim. “Você consegue Chaerin! Você consegue Chaerin!” repeti em um mantra silencioso tentando trazer um pouco de segurança a mim mesma.

– Então cante – pediu o homem revirando os olhos entediado.

Puxando o ar com força para os pulmões, assenti com a cabeça e soltei o ar tranquilamente de volta ao ambiente. Eu precisava apenas de calma para que minha voz soasse o mais bela possível. Toda minha vida eu havia sonhado com aquilo, eu não morreria na praia, jamais. Levantando um pouco as mãos, tomei fôlego mais uma vez e comecei o refrão de uma música muito conhecida, em uma versão mais lenta, mas sem deixar é claro, de ser bela e harmônica.

– Neomu banjjak banjjak nooni booshuh, no, no, no, no, no. Neomu kkamjjak kkamjjak nollan naneun, oh, oh, oh, oh, oh. Neomu jjarit jjarit momi ddeullyuh, gee, gee, gee, gee, gee... – faltavam apenas duas frases para que eu terminasse, mas o homem do meio fez sinal para que eu parasse.

– Você chama isso de cantar? – perguntou ele assim que fiz silêncio - Sua voz é uma das piores que eu já escutei na minha vida, vá ser cozinheira, garçonete, mãe de família, mas não volte mais aqui – ordenou o homem com a voz tão áspera, que sentia minhas bochechas cortarem, mas não era necessariamente por suas palavras e sim pelas lágrimas que rompiam minha face.

Deixei a sala aos prantos, eu nunca havia sido tão humilhada em minha vida, não bastava ele dizer que eu não havia sido aceita? Talvez ele até tenha dito apenas isso, mas na minha imaginação fértil e decepcionada, um simples ‘não’ soava como uma humilhação terrível.

Correr e chorar com a face imersa nas mãos, não era a coisa mais fácil e recomendável do mundo, mas enquanto percorria o caminho de volta para a portaria, tomei meu celular em mãos e disquei o número de Nuri. Minha amiga, meu consolo, meu apoio, minha irmã. Tudo que eu mais precisava era de seus braços finos para me acolher, o que no caso seria impossível, mas ouvir sua voz, já seria um bom começo.

Coloquei o aparelho rente ao ouvido enquanto chamava. Sem perceber eu chegava mais e mais perto da portaria e foi então que escutei um barulho mais a frente e o fim da ligação. Não pensei na coincidência daquilo, simplesmente apressei meus passos para longe daquele lugar.

– Chaerin? – escutei uma voz masculina dizer mais a frente, mas ao invés de olhar para mim, a pessoa estava focada em outro ponto. Por segundos, eu havia me esquecido que eu era coreana, onde nomes se repetiam com facilidade, mas a outra voz me fez paralisar por completo.

– Quantas vezes eu vou ter que dizer que sou a Nu... – dizia aquela voz tão conhecida, que mesmo resfriada seria impossível não reconhecê-la. Pelo seu tom, vibrei imaginando que a pessoa me conhecia e que bem, minha irmã estava ali, mas então sua fala me fez entrar em desespero total – Kai! – exclamou ela como quem descobre uma mina de ouro.

– Nuri? O que faz aqui? – perguntou aquele jovem de voz doce e impactante se levantando sozinho. Não era possível, não tinha como ser o meu Kai... Quer dizer, o meu amigo de tantos anos atrás. E porque logo ali? Por que logo na SM?

Kai esticou a mão gentilmente para Nuri, que embora não estivesse com uma expressão nada amigável, aceitou a ajuda.

– Eu vim procurar a... – a unnie começou sua explicação, mas então passou os olhos de relance por cima dos ombros do oppa e me encontrou abrindo um ligeiro e enorme sorriso – Chaerin! – exclamou ela sorrindo aliviada e empurrou Kai do caminho para que chegasse mais rapidamente a mim – Por que você fugiu? – esbravejou ela parando irritada defronte comigo.

Onde estava o abraço que eu precisava?

– Eu precisava fazer isso, mas eu não passei Nuri, eu não entrei para a SM – disse em meio a soluços e cobri a face com as mãos, voltando a chorar.

– Chaerin... – disse minha irmã contornando meu tronco com seus braços – Você não devia ter vindo para Seoul dessa forma, aqui não é o nosso lugar. Vamos voltar para casa – pediu ela tentando me consolar, enquanto eu me aninhava em seus braços.

A dor de fracassar em minha tentativa era tamanha, que minha garganta se fechou com um enorme nó. Por que as coisas conspiravam contra mim? Eu já havia me esquecido da presença de Kai, quando ele voltou a falar.

– Mas como você não passou Chaerin? Você tem uma voz tão... – fitei sua face no mesmo instante em que minha irmã o fez. As lágrimas vertiam por minhas bochechas e embaçavam minha visão, mas consegui ver Nuri espreitar os olhos semicerrados para o oppa, fazendo-o se calar no mesmo instante, e fazer uma breve pausa antes de continuar – Oh! Desculpe-me, eu havia me esquecido que a Nuri que canta bem... – completou o oppa passando os olhos desconfortavelmente pelo chão.

Aquilo foi o estopim. Eu estava triste, magoada e desesperada, mas ele não precisava jogar na minha cara que a Nuri cantava melhor do que eu. Desde pequena, esse sonho era meu, apenas meu. Tornar-me uma cantora mundialmente famosa de pop, Nuri queria ser guitarrista, mas por pura ironia, a primeira vez que eu havia tocado em um violão, havia tocado melhor que muitos aprendizes. E essa era a minha vida fracassada, habilidade incrível com instrumentos musicais, quaisquer que fosse, mas no vocal eu era... ruim e olha que eu havia feito aulas e mais aulas de canto.

– Isso não é da sua conta Kai! – esbravejei para o oppa que há muito tempo eu não via e o empurrei deixando o local marchando.

Um fracasso, um total fracasso. Ainda escutei Nuri gritar por meu nome, mas não dei ouvidos, simplesmente joguei minha fita rosa - que adornava meus cabelos - no chão e sai correndo para longe de tudo aquilo que um dia havia sido o meu sonho, mas a quem eu queria enganar com aqueles pensamentos? Corri até que minha irmã me alcançasse e novamente me encolhesse em seus braços. Eu precisava chorar e esquecer daquilo tudo.

Embora meu coração implorasse para ficar, dizendo que eu não devia desistir e que eu devia tentar entrar para outra empresa, minha cabeça raciocinava como Nuri, e acabei seguindo com ela de metrô de volta à rodoviária. Felizmente não chovia em Seoul, mas o céu estava igualmente escuro e por trás das nuvens, o sol morria lentamente dando lugar a tenebrosa escuridão.

Cada uma de nós comprou sua passagem com o próprio dinheiro, restando muito pouco na carteira, o suficiente para um lanche, mas logo estaríamos na segurança da nossa casa e nada disso importaria. Nosso ônibus partiria em duas horas e como minha mochila estava cheia de caixas de pepero, entreguei minha passagem para que Nuri guardasse na sua e sentei-me em um dos bancos da movimentada rodoviária.

Sentada naquele cantinho, eu podia pensar com um pouco mais de calma. Minha irmã, que até então estava lendo uns folhetos no mural informativo, se aproximou de mim batendo seu coturno no piso. Calmamente ergui os olhos até que eles conseguissem visualizar sua face.

– Espero que o Taemin oppa não perceba que saímos – disse ela tirando sua mochila roxa das costas e a deixando na outra ponta do banco e ocupado o espaço entre a mochila e eu.

– Taeminnie oppa trabalha demais... – respondi dando de ombros.

Eu não estava dizendo nenhuma mentira e tirando ele, provavelmente ninguém sentiria nossa falta, nem nossa mãe, que só se importava com sua academia de balé, muito menos os professores, já que as provas do quarto bimestre haviam acabado e as aulas que ainda tínhamos eram voltadas para a recuperação, coisa pela qual eu e minha irmã dificilmente passávamos. Inclinei meu corpo para frente e apoiei os cotovelos nas coxas, voltando a encarar o chão desanimada.

– Não fique assim Chaerin – pediu Nuri também se inclinando para frente, para que pudesse visualizar minha face – A SM que está perdendo de não ter aceitado alguém tão boa quanto você – disse ela abrindo um sorriso mimoso no canto dos lábios, mas rapidamente mudou de assunto – Você precisava ver o professor de violão hoje, ele quase me expulsou da aula.

– Como é que é? – perguntei abrindo um curto sorriso divertido.

Que a Nuri não tinha sorte com instrumentos musicais eu sabia, mas ser quase expulsa da aula de violão era novo. Na verdade isso me fazia lembrar-me das minhas aulas de canto, por isso rapidamente desfiz o sorriso e franzi o cenho.

– No meio da aula o professor simplesmente virou para mim e disse “Se você continuar assim acho melhor terminarmos...” – Nuri imitava perfeitamente seu professor maluco de violão quando um homem maltrapilho passou correndo por detrás do nosso banco atraindo nossa atenção.

Primeiramente, não passava de curiosidade, mas quando ele esticou a mão para a mochila da Nuri meu coração se desesperou. Levei rapidamente ambas as mãos à boca, enquanto ele partia correndo todo feliz com a mochila.

– Nossas passagens... – consegui dizer com dificuldade.

– Espere aqui! – ordenou Nuri elevando o tom de voz e saiu correndo irritada atrás do homem.