Anjo Vermelho

Capítulo Único - Infinito


Nada jamais me faria enxergar o mundo da mesma maneira. Afinal, eu não veria o mundo nunca mais. Meus pés descalços zelam por um chão, minha mente zela por memórias e meu coração... Bom, meu coração zela por amor, sentimentos... Emoções que já não sei o que são.

Sinto o vento roçar a minha pele como se quisesse atravessar meu corpo como um fantasma que atravessa portas. Um frio que congela, que adormece, que machuca a alma. Minhas roupas não comportam esse tempo, e penso em desistir. Desistir de verdade. Sair do pedestal. Descer a colina em direção ao sol. Ao horizonte. Ao mar. Ao que for infinito.

A morte. A morte é infinita. Foi o que me disseram e era o que eu estava prestes a descobrir. Daqui de cima eu enxergo tudo. Enxergo o céu, as estrelas, as luzes da cidade e me confundo. Confundo-me porque dessa altura, tudo parece infinito.

Minhas ideias se confundem, se misturam, tropeçam umas nas outras. Não consigo organizá-las e isso me deixa frustrado. Frustrado demais para colocá-las no lugar. Queria que minha mente fosse um computador. Um computador em que eu pudesse organizar meus pensamentos em pastas compactas, para que assim, pudessem excluir o que já não fosse mais necessário. Talvez dessa maneira, eu não estivesse aqui hoje. Aqui prestes a destruir tudo que já fui um dia.

Meu coração pulsa freneticamente dentro de meu peito. Posso senti-lo. Senti-lo como nunca antes. Um pensamento profundo grita que não posso fazê-lo parar de pulsar. Não quando está tão vivo e saudável como agora. Mas não posso ouvir essas vozes. Não quando já estou decidido.

Pelo menos, pensei que estivesse. Todas essas luzes atrapalham minha visão. Coloco minha mão em frente aos meus olhos tentando melhorar, mas só piora. Minhas visões turvas atrapalham meu raciocínio. Meus motivos e razões para estar fazendo isso parecem fugir de mim, exatamente como as folhas fogem na mudança de estação.

A carta deixada em baixo da minha porta, entregue sem remetente parecia pulsar no meu bolso traseiro. Maldita carta que destruíra tudo. Sonhos, esperanças, futuro. Tudo que imaginei ter um dia, desaparecido, assim, tão simples e facilmente.

‘’Querido Bill’’, começava a carta. Uma maneira tão clichê e tão... humilhante de se referir ao seu irmão. No momento em que as li, sabia que algo horrível, injustificável e destruidor estava para acontecer. Todas as células do meu corpo se enrijecerem, até parecerem virar pó dentro de mim. Procurei apoio naquele exato momento. Apoio físico, porque moral eu jamais teria novamente.

‘’Você sabe o quanto eu o amo e por isso devo deixá-lo ir. Eu não estou fazendo bem para você nesse momento. ’’ Essa foi a frase seguinte. A frase que me fez odiá-lo quase quanto eu o amo. Quem ama, não abandona Tom. Tão simples de entender que até uma pessoa desestabilizada como eu compreendo.

Lembrar-se daquelas frases, daquele adeus, as letras escritas com rapidez doíam todo o meu corpo. A dor parecia vir de dentro, como se fossem parasitas querendo fugir. Querendo rasgar o meu corpo procurando liberdade. Liberdade essa que não existia. Não existia porque assim que a dor encontrava o lado de fora, paralisava ali mesmo. Na minha frente. Em toda parte. Nos meus olhos, nariz e até na minha respiração. Talvez eu estivesse ficando louco. Louco de dor, de desespero e todos os outros tipos de loucuras existentes. A única certeza que eu tinha naquele momento era que precisava parar. A dor precisava sumir, exaurir, tornar-se extinta. E se ter o Tom de volta não fosse uma opção, já estava claro qual era a única outra.

A ultima parte da carta, minha preferida, dizia o seguinte: Estou indo embora Bill. Para não mais voltar. Você deve seguir sua vida, assim como eu estou seguindo a minha. Nunca esqueça que eu o amo e que quero que fique bem, por isso estou fazendo o que estou fazendo. Quem sabe um dia nos reencontremos. Com amor, Tom.’’

E foi que assim que a vontade de viver desapareceu de mim. Sumiu como um truque de mágica. Exceto que não havia truque algum. Era a realidade, a vida me esfaqueando pelas costas.

Esse era o problema da vida. É totalmente imprevisível. Em um dia tudo está completamente perfeito. Você é feliz, bonito, tem uma família maravilhosa e um melhor amigo que nasceu com você. Um irmão gêmeo para todas as horas. No momento seguinte, você descobre que seu irmão está com uma doença terminal e vê seu chão sumir. Você vê um abismo sem fim. Quando parece estar chegando ao final, você se depara com mais abismo. E é nisso que sua vida se torna, em uma completa aventura horrível que você só quer que acabe. Você começa a duvidar de tudo, de todos. Pede ajuda para todo mundo possível, inclusive, a anjos e demônios e tudo que você imagina que possa existir.

Você descobre a quantidade de liquido que pode sair de você. Descobre quantos dias consegue ficar sem comer, sem beber, sem falar, sem fazer absolutamente nada. Apenas expulsar rios de lágrimas de seus olhos.

Você começa a destruir a sua linda família junto com você simplesmente por não aceitar o que está acontecendo. Começa a querer justiça, a entrar em conflitos com Deus, a querer entrar em contato com o Diabo apenas para tentar salvar a sua outra metade. Mas nada resolve. Você faz tudo que imagina ser possível e até impossível, mas não é suficiente. Seu irmão está morrendo e você morrendo junto. Porque não existe uma remota possibilidade de viver sem uma parte. Uma parte vital. Um pedaço de seu coração.

Você fica tão paranoico e desestruturado que faz com que seu irmão que está morrendo fugir de você. E então, você decide acabar com tudo. Apenas... parar de existir.

O vento está mais frio do que já esteve. Parecem pequenas agulhas penetrando todo o meu corpo. Mas talvez isso seja melhor. Sinto meu corpo ficar dormente. Mais leve. Apenas uma rajada de vento mais forte e meu corpo vai cair, rapidamente e indolor.

Mal posso esperar para que essa dor passe. Essa dor que me consome, que me engole, que me faz refém. Mal posso esperar para ver o que há do outro lado. Se existe alguma coisa ou se não existe nada. Tanto faz para mim. Desde que o sofrimento passe, estou satisfeito.

Estou ciente das minhas escolhas agora e não me arrependo de nada. Até porque cientistas dizem que é impossível viver sem oxigênio e o meu foi embora há algumas horas. Ainda estou durando bastante.

Naquele momento, de aceitação, minhas ideias se organizam sozinhas, trazendo flashes da minha infância. Infância linda, alegre e inocente. Uma sensação de calor consome todo o meu físico. Meu corpo flutua e algo parece me puxar para baixo.

Um anjo vermelho puxa-me sem esforço algum. Porque eu já estava caindo. Caindo ao relento e a eterna escuridão.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.