Animos Domi

Capítulo 33 - Respire


Chegaram na pousada ainda bem cedo para o jantar, então John ficou vagando para lá e para cá esperando Liz e Holly. Rose desencavara um livro de algum lugar e estava lendo-o.

Liz e Holly chegaram um tempo depois, de mãos juntas.

–-Não conseguimos nada! --Exclamou Holly, sem ao menos um olá. --Nada!

–-As pessoas daqui parecem não querer manchar o nome da cidade com eventos estranhos, deve ser por isso que Torchwood não tem registros. Mas de fato há alguma coisa.

–-Sâo Zaree. --DIsse Rose. Liz olhou em volta com expressão interrogativa, mas Holly soltou um "ah!" de conhecedor. John explicou os pontos principais a Liz brevemente. Todos fizeram silencio, então...

–-Carne humana? --Era um homem de cerca de quarenta anos, cabelos escuros e péssima postura. --O que querem dizer com isso? --Parecia definitivamente assustado.

–-Quem é você? --Perguntou Liz.

–-Sou Stuart, o empregado. E exigo saber o que está havendo! --Ele gritou a ultima frase.

Gill entrou correndo nessa hora, parecendo enraivecida.

–-Qual o motivo dessa algazarra? --Bradou. Ninguém respondeu. John encarou o chão. Que descuidado havia sido, falando sobre aliens onde qualquer um podia ter ouvido!

–-Estou esperando. --DIsse ela. Parecia uma mãe brava com seus filhos.

–-Não é nada, senhora. --Disse Holly, baixinho.

–-Eles estavam falando sobre monstros que comem carne humana, madame, eu ouvi. --Disse Stuart.

–-Eles? --Perguntou Gill, para ninguém, caindo sentada no sofá. Todos a encararam. Stuart falou, mas ninguém se mexeu.

–-O marido dela foi pego. Ela quer que eles sejam mortos.

–-Então faremos o seguinte. --DIsse John, tomado por subita inspiração. --Até amanhã a noite eu bolo um plano e o executamos amanhã. Que acham disso?

Todos assentiram, incluindo Gill e Stuart, que pareciam querer participar de tudo.

–-Você parece saber do que está falando. --Disse ela. --Isso é muito valioso.

–-Obrigado. --Disse ele simplesmente.

–-Não podemos deixar nada acontecer com ele! --Exclamou ela, repentimanete animada. --Essa noite vou passar umas vezes no quarto de vocês para ver se está tudo bem. --E saiu na direção da cozinha. --Vou servir o jantar. --Embora faltassem quinze minutos.

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Embora Stuart fosse o emrpegado, Gill o ajudava quase sempre. Os dois fizeram um jantar delicioso e farto. John descobriu que naquele momento não haviam outros hospedes lá, e que Gill dispensara um que chegara depois da promessa de John de bolar um plano. Ele sentiu uma enorme pressão para conseguir matar os Zaree.

Depoisdo jantar, Gill providenciou cobertores extras e água quente para banhos. Era uma velhinha tão gentil...

John e Rose reviraram as malas para achar roupas de dormir.

–-Roupas de dormir de época. --Disse ela, risonha. --Parecem mais bonitas nos filmes. John riu. Era verdade. Ele mesmo estava tendo sérios problemas pinicantes com seus pijamas. Os dois se deitaram.

–-Esse pijama pinica. --Comentou John.

–-Então tire-o, oras. --Respondeu Rose. Sua voz escorria malicia. John virou de lado e se apoiou no cotovelo.

–-Gill deixou bem claro que passaria por aqui. --Respondeu ele, erguendo a sobrancelha.

–-Não acho que ela vá chegar tão rápido. --Disse Rose. --Ela ainda tem que fechar toda a pensão.

–-Daniel nos mataria. --Riu ele, colocando a mão na nuca da loira. Rose se aproximou.

–-E alguem em Torchwood já obedeceu Dan alguma vez? --Os dois colaram as testas e riram. Quem diria que, com Liz e Holly ao seu lado, eles é quem quebrariam as regras!

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O plano dos dois deu bastante certo. Antes de Gill ir ver se estava tudo bem com seus preciosos salvadores, os dois já estavam completamente vestidos e enrolados, embora ainda bem acordados, tentando a todo custo não rir. Ela olhou-os por um tempo, depois saiu, deixando a porta aberta. John se levantou, rindo, e tornou a fechá-la. Dessa vez eles dormiram mesmo.

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John Smith despertou no meio da noite. Achou ter ouvido algo. A noite estava clara e estrelada e se infiltrava pela janela. Ele ainda tinha um braço sobre Rose e a porta estava aberta. Pensou em Gill, sorrindo, e voltou a fechar os olhos. Ainda era muito cedo para levantar e estava cheio de preguiça.

–-Kashi itino atana, ii no moteshu ki ri ah ah ah ite...

A voz ecoou pelo quarto. Era uma canção. Uma canção baiza e grave, quase um rosnado. John tentou se levantar ou gritar mas não conseguiu se mexer. Fora pego.

–-Bocana ita ite ah aha ah odema...

Esse era o efeito da canção, hipnotizar... As vitimas ficavam inconscientes e sentiam cada pedaço de seu corpo ser arrancado e devorado, sem poder gritar ou se mexer...

–-Aah aah aah...

John estremeceu internamente. O humano estava com medo. E foi com total desespero que ele sentiu o Zaree lhe cheirar. Seu focinho era molhado e cheirava a sangue. Seu desespero cresceu mais. Um dos dois, ele ou Rose, ou os dois, seriam devorados. Vivos. John sentiu que a fera lambia seu braço e achou que ia desmaiar. Estava com muito medo. Então o Zaree moveu seu braço, tirando-o do caminho...

–-Aah, ah aah... Muneah...

"ROSE!"

Mas ainda não conseguia se mexer.

Ele sentiu o colchão se mover quando Rose foi tirada de seu lado. Todo seu interior se agitava e gritava, em vão... Em vão... Ele se desesperou mais ao imaginar sua expressão serena enquanto sua humana era levada...

–-Aah, aah aah...

"Ah, Rose!"

A canção continuou a se distanciar, indo para a floresta, levando Rose...

Quando o utlimo som morreu, John se levantou de um salto. Estava muito tonto, mais tonto do que já se sentira na vida, mas isso não o impediu de correr. Nem de rolar escada abaixo. Na verdade o ajudou a rolar escada abaixo.

Liz, Gill, Holly e Stuart surgiram nessa hora, também parecendo tontos.

–-John, o que houve? --Perguntou Holly, mas John não respondeu: Se pos de pé e recomeçou a correr. Abriu a porta e se jogou para fora. A neve pareceu queimar seus pés descalços...

Sabia que o som se distanciara na direção da floresta.

Correu por algum tempo, tonto de frio e hipnoze, e avistou um corpo depositado no chão ao lado de uma árvore.

–-R-Rose... --Chamou ele, tremendo de frio e medo, se ajoelhando ao lado dela. --R-Rose... --Então John ouviu um farfalhar de folhas a suas costas.

O zaree que levara Rose estava ali, juntamente com um menor. John não conseguiu pensar direito: O frio entorpecia seus sentidos. Se abaixou e puxou o tronco de Rose para seu colo. Se fosse pego pela canção, levariam Rose embora e ele congelaria até morrer... Tampou os ouvidos.

–-Aah aah aah, Chirvo...

John agarrou os ombros de Rose com força, sentindo que desmaiaria de frio mesmo que a canção não o fizesse...

–-Pacom aah aah...

Viu luzes de lanterna cortarem a luz tenue das estrelas e o Zaree puxou Rose dos seus braços, mas seus dedos erijecidos não a soltaram. Uma espécie de nevoa se formou em seus olhos devido ao frio e a canção...

Rose foi puxada mais uma vez e John não conseguiu segura-la. Sentiu mãos humanas o içando e tudo, começando por sua visão periferica, escureceu.

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Quando acordou se sentia estranho, como se estivesse anestesiado. Tremores involuntários lhe percorriam o corpo, bem como arrepios. Ainda tinha frio, embora estivesse debaixo de uma pilha de cobertores. Reconheceu o lugar como sendo a pousada de Gill, mas não passou dai.

Adormeceu novamente e teve a sensação de acordar várias vezes ainda entorpecido, até que acordou de vez, mais aquecido. Gill estava ao seu lado e havia um termometro em sua boca.

–-Louco! --Exclamou ela. --Onde você estava com a cabeça saindo naquele frio sem agasalhos?

–-Sei, mas... O que houve?

–-Eles aparentemente não queriam você, apenas ela. Não sei por que, mas não queriam.

–-Eles já tinham toda a comida que precisavam em apenas uma pessoa. --Disse John, puxando demais os "s" por causa do termometro. --E preferiam ela; Não tinham motivo para pegar mais ninguém. --E engoliu a seco, olhando para o chão. --Obrigado. --Sua voz saiu roca.

–-Não faça essa cara! --DIsse Gill, se aproximando. --Nós sabemos onde sua noiva está!

John levantou os olhos. Gill riu da expressão inocente e esperançosa do homem.

–-Stuart seguiu-os até o ponto em que puseram o corpo no chão novamente. Estavamos esperando você acordar para fazer algo: Você sabe o que faz.

–-Quando? --Perguntou ele.

–-Depois do café. --Respondeu Gill.

–-Então ainda não amanheceu?

–-Está quase. --Respondeu ela. --Eu preferia adiar e te deixar domir mais...

–-NÃO!

–-...Mas seu amigo, Holly, disse que seria muito perigoso para Rose. --Terminou ela, tirando-lhe o termometro. --Agora vou sair para você se lavar e por uma roupa.

Ela se virou e foi em direção a porta, mas parou com a mão na maçaneta.

–-Eu também sai correndo quando meu marido foi pego. --Disse baixinho. --Então não posso te culpar por ter sido obtuso. Também o fui. --E saiu.

John encarou os joelhos, reflexivo. Então se lavou e trocou de roupa. No passado se prezava muito isso.

Gill e Stuart estavam lá. John se sentou e Liz e Holly chegaram. A despeito das ordens de Daniel, Holly tinha uma marca de batom na lapela. John apontou-a discretamente e Holly tratou de dar nela um sumiço. O café foi extremamente silencioso. Stuart, como empregado, não comia a mesa. Gill o chamou assim que o café terminou e lhe disse que estavam prontos.

–-Vou buscar lamparinas. --Disse ele, se retirando.

–-E qual é o plano? --Perguntou Liz.

–-Temos de resgatar a garota. --Disse Gill. --Ela congelará se não o fizermos.

O quarteto colocou os casacos e esperou por Stuart na soleira da porta. John tremia e tinha arrepios de frio. Achou aquilo bem estranho, estava bem agasalhado. E também se sentia molenga e queria se deitar. Muito estranho. Stuart chegou, agasalhado, com duas lamparinas e entregou uma a Gill.

–-Você está bem mesmo? --Perguntou Gill. John concordou com a cabeça e os quatro começaram a andar.

A floresta era muito escura e se não fosse pela luz das estrelas, não veriam muita coisa: As lamparinas iluminavam pouco mais de dois metros. O frio somado ao medo fizeram John estremecer. O Doutor não tinha o mínimo medo dos zarre. John tinha. Em certo ponto, Gill parou e distribuiu facas e punhais.

–-Para acabar logo com isso. --DIsse ela. John se surpreendeu aceitando seu punhal sem pestanejar.

Continuaram andando, em silencio. John estava começando a achar que deviam voltar: Nem ao menos tinham um plano! Mas continuou, quieto. Ele sabia que era um costume dos zaree guardarem sua presa viva o máximo de tempo possível. Isso o acalmou e assustou na mesma medida.

Então avistaram os zaree. Eles mantinham uma forma, que John julgou ser Rose, deitada no chão e coberta com um manto. Haviam pensado até nisso! Realmente gostavam de sua presa viva.

–-Vou até ela. --Disse John. --Distraiam-nos.

E, antes que alguém pudesse dete-lo, correu por trás das árvores, parando atrás da mais próxima a Rose. Ouviu o rosnar baixo dos zaree. Os outros não pareciam estar se mexendo. O que estariam esperando? Então lhe ocorreu. Se os aliens começassem a cantar, não haveria escapatória. Estavam cercados, sem saída. Sua sensação de medo se mesclou a uma sensação de impotencia. Estava tudo perdido...

Mas não. Por Rose, não podia ser atormentado para sempre pelo fato de ter desistido de sua humana.

Um zarre rosnou.

John agiu impulsivamente. Se levantou e saiu do esconderijo da árvore, correndo. Antes que qualquer coisa pudesse ao menos respirar, ele cravou o punhal no maior dos zaree. O bicho uivou, enfurecido, e virou-se para John. O menor começou a entoar as primeiras notas da canção, mas parou a um olhar de seu companheiro. Se afastou.

O zaree maior correu em sua direção, pulando em cima dele e o derrubando. John fincou-lhe o punhal mais uma vez. Sabia que o zaree não morreria assim tão fácil, mas o punhal ainda era sua melhor arma. O alien urrou e meteu a pata no peito de John. Foi a vez de John urrar. Seu sangue tingiu tudo ao redor.

–-John! --Era Liz. Ela e Stuart carregavam Rose. GIll mancava ao lado deles: Devia ter tentado atacar o zaree menor. Os três estavam indo embora dali. Holly lutava com o zaree menor.

Mas ele precisou se manter na própria luta: Um par de patas empurrava-o em direção ao chão. O ar lhe escapou. John tentou tira-las. Não tinha força para tanto.

O zaree tirou uma das patas do peitoral do humano e mirou seu rosto. John precisou das duas mãos e da força que nem sabia que tinha para conseguir manter a pata da fera a alguns milimetros de seu rosto.

Então veio uma reviravolta. Mas não no bom sentido.

O zaree agarrou a frente do casaco de John com a boca e içou-o para cima, depois girou nas patas traseiras e soltou o humano. Com um berro involuntário, John ciau alguns metros mais adiante e avistou Holly lutar no meio desse processo. Bateu com força no chão da floresta e não conseguia respira, de modo que puxava o ar em grandes sovos.

John continuou tantando respirar enquanto o zaree se aproximava. O zaree pulou em cima de John novamente. Ele tentou desviar e os dois acabaram rolando pelo chão. A cabeça de John se focava em apenas dois propósitos: Respirar e mantes as patas e focinho longe de seu pescoço, o novo alvo da criatura. O humano ainda tinha o punhal na mão, mas não conseguia vira-lo para atacar. A tentativa de respiração de John estava muito alta, e isso chamou a atenção de Holly. Ele surgiu, sabe-se lá de onde, e fincou uma faca no zaree. O bicho recuou, urrando.

Antes que John pudesse ao menos levantar, Holly o puxou pelo braço.

–-CORRE! --Gritou ele. Os dois correram. Os zaree os seguiram.

Foi uma sorte tremenda a lua estar clara, de modo que pudessem ver onde iam. Ao menos Holly parecia saber onde ia; John ainda não conseguia respirar. Aquilo era definitivmanete estranho.

–-Os outros já devem estar na pousada! --Gritou Holly por cima do ombro. Várias vezes ele puxou John para que ele corresse mais rápido, coisa que ele estava achando difícil.

Chegaram a soleira da porta, ofegantes. John apoiou as mãos nos joelhos, arfando. Avistou os zaree se aproximarem, velozes, enquanto Holly esmurrava a porta. Os aliens ainda estavam a vinte metros quando a porta foi aberta e John foi puxado para dentro.

Gill e Stuart estavam ali, e arrulharam a porta com cadeiras, uma mesa e um armário, enquanto Holly dizia a John para tentar repirar calmamente.

–-Vou lacrar todo o andar de baixo. --Anunciou Gill, saindo dali. Stuart a seguiu.

John precisou de quase seis minutos para normalizar a respiração. Estava exausto.

–-Os zaree vão morrer lá fora. --Disse. --Vão sangrar até morrer se não conseguirem passar pelas barreiras.

–-É. --Disse Holly, abobado. Tinha um corte fundo em um dos braços, o qual estava coberto de sangue. Os dois encararam a porta por alguns segundos, então Gill apareceu, com uma caixa em mãos.

–-Stuart lacrará o resto. --Anunciou ela. --Vocês dois, vão até seus quartos. Vou dar um jeito nesses cortes.

John havia se esquecido totalmente do corte no peito. Quando lembrou, porém, tomou ciência da ardência latejante. Seguiu para seu quarto e murmurou um "até logo" para Holly ao se separarem.

A primeira coisa que John viu quando entrou foi Rose. Ela estava confortavelmente deitada na cama, com vários cobertores. Ele havia eclipsado Rose. Não se sentiu mal; sabia que estivera bastante ocupado para poder lembrar. Sorriu para ela, ao notar o som lento de uma respiração que dorme. Então ele se deitou ao seu lado.

Cansado como estava, foi uma sensação ótima se jogar na cama e puxar os cobertores. A única coisa que queria fazer era adormecer, mas resolveu aguardar Gill.

Ela chegou depois do que pareceu meia hora.

–-Seu amigo está bem agora. --Disse. --Vou cuidar de você.

Ela puxou uma banqueta para o lado de John e lhe tirou os cobertores. Ordenou que ele tirasse a camisa.

Por cerca de vinte minutos, Gill limpou e cuidou de seu ferimento. John estava quase adormecido quando ela acabou. Ela fez mensão de levantar, mas parou e encarou John por um momento. Colocou a mão em sua testa.

–-Está tudo bem. --Garantiu ele. --Só estou cansado.

–-Não. Você está com febre. Não me admira, depois de ficar no frio por tanto tempo. Descance. É uma das maneiras mais eficazes de se livrar da gripe. --Então se levantou e saiu.

John Smith se sentou, de repente. Gripe? É, humanos tinham isso. Fazia parte. Sorriu. Se humanos aguentavam, não devia ser nada demais. Essa era a logica que herdara d'O Doutor. O senhor do tempo, por mais que negasse, achava os humanos inferiores. John, por consequencia, também.

No dia seguinte ele mudou completamente de opinião.