Meu corpo estava todo dolorido, mas de alguma forma, tive forças pra me levantar no dia seguinte para ir para a escola. Eu não poderia deixar de faltar, já que era uma bolsista... É, isso aí, eu deixei de mencionar isso, mas, uma parcela dos alunos que tinham direito de entram na Academia de Ensino Médio era bolsista. Eu estou nessa parcela. Porem, aqueles que nascem abastados, como o Frankie e o Way, não precisam desse tipo de coisa. Eles podem faltar às aulas, podem pichar o colégio, explodi-lo, contudo, se pagarem o colégio, ninguém precisa se incomodar com isso.

Então, sem mais nenhum comentário, eu fui para o colégio. Talvez minha avó tenha percebido a falta de motivação em meu rosto ou talvez ela tenha ouvido a discussão com o idiota do Frankie, mas ela também não fez nenhum comentário. Meramente fitou-me do outro lado da mesa, calada, esperando que eu desse a iniciativa de uma conversa. Com certeza vou fazer isso. Por acaso me chamo Hepziba? Ou sou um coelhinho da Páscoa?

Piadinhas infames à parte, quando cheguei à escola, pude ver Frankie no portão conversando com Way & Company. Fechei os punhos e qualquer lembrança com relação à Gerard Way passou despercebida quando meus olhos avistaram Frank Anthony Iero. Meu orgulho estava acima de qualquer coisa naquele momento. Se ele continuava desconfiando de mim, nem me interessava, mas provavelmente ele devia achar que o Way era a vitima da historia, pois continuava falando com ele.

Antes que ele me visse, virei o rosto, olhando em frente, como se ele não existisse. De súbito me veio uma idéia na cabeça: Se ele estava falando com o Way, isso significava que o Way devia ter contado alguma coisa pra ele. Mas não podia ser verdade, não depois que eu vira o lado humano que Gerard tinha. Ou será que era mentira?

Que ótimo, mais problemas!

Mas essa suposição ficou me perseguindo o primeiro horário inteiro. Eu não consegui prestar a devida atenção na aula, toda hora meus olhos desviavam-se para a janela, mas não conseguia vê-la. O que Way teria inventado?

Sentia que ele me olhava. Talvez tentasse puxar uma conversa, mas não estava com coragem suficiente para isso. O quê? Será mesmo que Gerard Way faria isso comigo?

Se bem que... ele seria capaz de fazer isso com qualquer um. Tudo pra ele era diversão. "A vida pode se moldar da forma que ele quiser", pensei. Eu podia estar certa.

Na verdade, acho que não estava pensando racionalmente. Tinha decidido não dar razão ao Frankie e achar um culpado por toda essa raiva que me consumia. Way tornava-se, lentamente, vitima dessa raiva...

Finalmente me convencera. Gerard Way era o culpado. Ele colocara Frankie contra mim. Era divertido? Nem sei. Mas havia achado a pessoa pra descontar minha frustração.

*Sinal de intervalo*

O pessoal saía às pressas, até fiz menção de me levantar pro caso do Way querer ficar na sala, mas a tal Charlotte Portman me deu um esbarrão que eu entendi como um bom sinal pra continuar na minha. Afundei na carteira e abri o caderno a esmo, procurando o que fazer.

- Bom-dia também é garantia de educação, Natallie - disse Way às minhas costas com seu típico tom irônico. Mas eu não estava nem um pouco disposta a aturar suas gracinhas.

- Cala a boca.

E ele realmente calou-se. Porem, não contava que ele fosse puxar uma carteira e sentar na minha frente, encarando-me.

- Desculpe minha lamentável ignorância e impertinência - recomeçou ele - Mas, é impressão minha ou você tá... meio zangada?

- Meio? Só pode estar brincando - respondi - Alias, é isso o que você gosta de fazer, né? Brincar com as pessoas... Tudo pra você é um jogo.

- Ah... Você tá zangada - debochou, rindo de um jeito que me irritava cada vez mais - Eu sinto que tô ultrapassando um limite saudável, mas... essa raiva é comigo?

- Por que você acha isso? Sentimento de culpa?

- Na verdade não. Mas esteja à vontade pra dizer o que você obviamente tá doida pra dizer. É um "fale agora ou cale-se pra sempre".

Levantei-me, deixando o caderno de lado, ele virou a cabeça e levantou-se também.

- Isso é um "cale-se pra sempre"?

- Por que você tem que ser assim? - perguntei de costas pra ele - Uma hora parece uma pessoa e outra um estúpido animal?

Novamente ele calou-se por alguns instantes.

- Será que você podia ser mais clara? - indagou ele por fim - Eu não sei como essa conversa vai terminar, mas tenho a ligeira impressão que um baixinho ignorante tá metido no meio disso.

- Serio? - disse sarcasticamente - Então você parece ter perfeita noção do que eu tô falando.

- Mulheres... Falam num idioma completamente diferente...

- Okay! - exclamei voltando a encara-lo - Eu vou ser breve: O que você falou pra Frankie? Por que fez ele ficar com raiva de mim?

Way fitou-me, uma expressão seria no rosto agora. Franziu a testa, tentando compreender o que eu desesperadamente lhe dizia.

- Vamos ver se entendi: Frankie ficou com raiva de você e vice-e-versa - disse ele, cruzando os braços - Então, você acha, na verdade tem certeza, de que eu tive alguma coisa a ver com isso?

- Que bom que você se demonstrou tão esperto, Way.

- Essa suas respostas me matam. São muito boas, em minha opinião. Adoro-as...

- Não me interessa o que você gosta. - retruquei friamente.

- Eu sei - tornou ele simplesmente - Assim como sei que não vai adiantar o que eu tenho a dizer, nunca vou ter o beneficio da duvida de ninguém.

- É ótimo que esteja ciente disso - disse.

Ele riu.

- Okay, Natallie - murmurou - Eu tenho certeza de que não vai acreditar em mim, mas, eu não sei por que Frankie iria ficar com raiva de você. E mais: não sou eu que decido tudo o que ele faz ou deixa de fazer, sou apenas um amigo.

Continuei calada, pois não me importava o que ele dissesse, eu não acreditaria. Seu tom de voz parecia dizer a verdade, mas numa hora como essa pra mim qualquer coisa que ele falasse não passaria de meras mentiras.

Dei-lhe as costas, não querendo encarar seus olhos. No entanto, pouco depois, senti sua respiração bem perto do meu pescoço.

- Você não vai acreditar, né?

Recuei mais que depressa, assustada com a aproximação dele.

- Tá louco?! Olha, não sei o que se passa nessa sua cabeça, mas aquilo que aconteceu no sábado nunca mais vai acontecer!

- Será mesmo? - perguntou ele, sorrindo cinicamente - De qualquer jeito, você não respondeu minha pergunta, Natallie.

- Eu duvido que precise de uma resposta, Way.

- E eu já disse que não preciso ouvir nenhum sermão seu. Mas, não se preocupe, Natallie, você só vai ser uma das centenas de pessoas que acham que eu não passo de um delinqüente viciado.

Aquilo me fez vacilar. Voltando a encará-lo, sentia que ele tinha ido longe demais. Afinal, eu não o achava de todo um delinqüente, menos ainda um drogado. O que ele queria dizer com isso?

-Viciado? Como assim?

- Ora, Natallie... - murmurou Way com a voz suave - Pensei que você não ligava pro que eu gostava...

- Hã... O que quer dizer com isso?

- Nada, não se impressione com pouca miséria - disse ele no mesmo tom, colocando as mãos nos bolsos da calça e caminhando até a porta da sala - Sinceramente, não quero tomar seu tempo.

- Você é viciado ou não? - perguntei antes que ele fosse embora.

Ele se deteve por um minuto no portal e olhou-me com uma expressão divertida.

- Eu nunca minto pra você. Não pra você, Natallie Alice Hill - e foi-se.

Subitamente, as antigas borboletas no meu estomago "surgiram das trevas" e voltaram a atormentar-me. Não entendia como o Way conseguia este feito, mas agora estava muito confusa sobre o que eu pensara antes e o que ele tinha me feito ouvir.

Sério, alguém chame um padre! Essas borboletas precisam ser exorcizadas!

- Natallie? - Ganha um doce se descobrir quem era.

Frank Anthony Iero (por hora é "Frank", pois estamos sem nos falar...).

- Procurando algo? - perguntei sarcasticamente.

- E você? Disposta a dar respostas?

- Não se faço de idiota.

- Igualmente. Só tava procurando o Gerard, mas já vi que ele não está aqui - disse Frank, somente com metade do corpo dentro da sala, nada disposto a ficar lá.

- Claro... Olha, se quer achá-lo tanto assim, por que não vai embora e procura ele por aí? - sugeri, querendo realmente que Frank saísse da sala.

Ele pareceu momentaneamente não saber o que fazer, como se não acreditasse na frieza com que eu o tratava, como se tivesse acabado de levar um soco na cara.

- Talvez seja melhor fazer isso mesmo - disse para si mesmo.

- Tanto faz - e voltei a sentar na minha cadeira, desviando meu olhar do dele, pois aquilo me doía muito internamente. Frank não tinha idéia do mal que estava me fazendo. Já havia sido uma tortura ficar a noite inteira remoendo o que ele tinha me dito mais ainda vê-lo lá, tão perto de mim e ao mesmo tempo tão distante. E agora pairava sobre a minha cabeça a duvida de que eu tinha sido injusta com o Way. Se ele não era culpado... Então eu realmente o atacara sem um motivo verdadeiro.