Depois de ser interrogado o sábado todo pela turma, eu tava com muita vontade de dar um tempo em todos eles e ficar sozinho. Então, na manhã de domingo, dois dias depois "daquilo", não tinha tido coragem de visitar a Elisabeth para em seguida ter que passar por um constrangedor silêncio com a Natallie.

Pensar na Natallie era esquisito agora, pois sentia uma coisa no coração e minhas mãos começavam a suar. Não queria admitir, mas sentia-me cada vez mais louco por ela. Se Natallie sabia, não faço idéia, porém, preferia que ela ainda não tivesse ligado os pontos.

Cara, ela realmente me deixava maluco. A Helena sabia disso porque lhe contara nas visitas que fazia constantemente à casa dela. Na época eu devia ter uns 14 anos. Era menos constrangedor contar pra ela do que para qualquer um dos meus colegas.

Enquanto andava pelas ruas quase vazias de Beleville, com os rodopios de neve por companhia, lembrei de uma das minhas conversas com minha Helena. A brisa, outra companhia que fazia gosto, jogava meus cabelos de um lado pro outro.


-Flashback On-


Manhã de Agosto. Mas que porre (pra não dizer outra coisa)! Mamãe costumava forçar a mim e ao Mikey para ir visitar um monte de parentes que só sabiam ficar exclamando "Nossa, como eles cresceram!" e ficar apertando nossas bochechas até dizer chega.

Após voltar da casa de um desses velhos asmáticos e reumáticos, corri pra casa da Helena. Bem, eu sabia que ela não me receberia com essas saudações furadas.

Cara, eu já tenho 14 anos!

Quando ela me recebeu, aflito como estava, percebeu que eu me encontrava em uma dessas crises de adolescência, então não fez comentários, só me conduziu até a varanda. Gostávamos de ficar nas tardes de verão lá, observando o tempo consumir apaixonadamente a natureza à volta.

Sentei numa das cadeiras confortáveis que ela tinha e Helena sentou-se no meu lado, ainda calada, mas com o sorriso que eu tanto gostava. Ofereceu-me um chocolate quente que não recusei e esperou.

Bebi e continuei tão calado quanto ela. Imaginei, olhando para aquelas plantas do quintal, que com certeza Natallie iria gostar desse lugar.

Isto é, se ela não me detestasse tanto. Se ela me detesta, eu detesto o Frankie, o pirralho que tá sempre do lado dela. DROGA! Por que ele tinha que está SEMPRE colado com a Natallie? Aff... tinha que dar um jeito nele.

- Alguma coisa está te preocupando, Gerard?

Despertei dos meus planos maléficos em relação ao Anão de Jardim, que envolviam algumas ameaças da Iakuza e outras coisas mais...

- Detesto Agosto - murmurei descontente.

Helena riu.

- Bem, é como dizem - falou, ainda rindo - "Agosto é o mês do desgosto"...

- Que consolador, vó...

- É só isso que te preocupa? - perguntou, observando-me astutamente.

Demorei pra responder, remoendo meus pensamentos. Enquanto isso, dois passarinhos alçaram vôo de uma das plantas.

- Claro que não. Você sabe...

- Natallie?

Concordei, olhando pra caneca de chocolate.

- Encontrei-a ontem - informou Helena inesperadamente - Ela estava voltando do parque junto com...

- O Iero, né? - completei, irritado.

- É. Gosta tanto dela assim, Gerard?

- Não tá óbvio? Mas, às vezes queria não gostar, porque ela nem fala comigo!

- E você já pensou no por quê?

Fiquei calado. Helena sabia me confrontar tão bem que instantaneamente eu achava as respostas das minhas perguntas, por mais desagradáveis que fossem.

- Digamos que eu saiba - respondi conformado - O que eu faço?

Ela tomou um pouco do chá em sua caneca, olhando pro tempo.

- Você teria que se tornar amigo dela pra começar. Teria que conquistar a confiança dela. Como o Frank fez.

- Eu não estaria copiando ele dessa forma?

- Gosta da Natallie ou não?

Baixei a cabeça, voltando a contemplar as profundezas da minha caneca. Que droga! Por que isso tinha que ser tão difícil? Porque não era como pedir uma bicicleta nova pros pais ou qualquer outra coisa do gênero?

Mas minha avó parecia estar lendo meus pensamentos.

- As pessoas não são como objetos, Gerard - disse ela, tristemente - Elas não são compradas facilmente.

- Pois deviam!

Percebia Helena entristeceu-se com meu comentário. Ela suspirou e fechou os olhos. Abriu-os depois, olhando-me firmemente.

- É uma pena que você pense dessa forma - começou ela - É mais triste ainda que tenham te educado tão mal a ponto de você chegar a pensar assim...

- Desculpa, vó - murmurei, chateado por vê-la com aquele olhar.

- Não é sua culpa, Gerard - disse - Mais culpados são Donna e Donald por pensarem tanto em dar "o bom e o melhor" para seus dois filhos e ocasionalmente terem esquecidos de ensinar-lhes os verdadeiros valores de uma pessoa.

- Como assim? Você tá dizendo que a culpa da Natallie não gostar de mim é dos meus pais?

- Em parte. Você se lembra do que me contou, anos atrás, do seu primeiro encontro com ela?

- Sim.

- Você agiu mal naquela ocasião e com isso, contribuiu para que ela ficasse com uma péssima impressão a seu respeito.

- Eu não sabia que ela... bem... - defendi-me -, como ia saber que os pais dela haviam morrido?!

- Não é questão de saber - disse ela, pacientemente - Gerard, o jeito que você agiu tanto com ela quanto ao Frank Iero, pareceu à Natallie o pior tipo de coisa. Além da arrogância absurda que você demonstrou, confrontou-a num dos momentos mais difíceis da vida de alguém... Não é complexo entender a raiva que ela sente por você.

Baixei os olhos, preferindo não lembrar disso. Desde aquele dia evitara ficar exibindo-me como o dono do Parque de Beleville.

Ficamos em silencio por um bom tempo, eu tentando encontrar as palavras certas para não ver aquela expressão de desgosto em seu rosto. Droga! Agora eu sou o culpado?

- Sabe, Gerard - disse Helena inesperadamente. Encarei-a, esperando outra reclamação - O estranho é que garotos da sua idade preferem meninas da mesma idade... Como é possível que você tenha gostado tanto da Natallie?

Surpreendi-me com aquela estranha opinião. Eu não sabia como responder.

- Ela é diferente - respondi indeciso - Bem diferente tanto das garotas da idade dela como as mais velhas... sei lá, a Natallie é...

Realmente não conseguia encontrar palavras que a definisse.

Minha avó sorriu, compreensivamente. Fiquei aliviado em não vê-la mais desapontada comigo.

- Fica feliz que ela lhe faça se sentir embaraçado - concluiu ela, ainda rindo - Talvez essa garota lhe faça perceber as coisas simples, mesmo que você aprenda de um modo mais complicado.

- Do que você tá falando?

Ela descansou suas mãos uma sobre a outra.

- Não vê? Ela lhe ignora completamente. Diferente das outras pessoas. Natallie o avaliou exatamente pelo seu comportamento e não pelo que tem.

- Dá na mesma. Qual o lado bom nisso?

- Você verá. Se tomar atitudes melhores daqui por diante. Tente ser você mesmo, sem sentir-se superior ou inferior. Tente não se importar com a opinião que as pessoas têm de você sem conhecê-lo direito. Quem sabe isso acabe despertando um... sentimento melhor de Natallie. Talvez a guerra ainda não esteja perdida.

- Acha mesmo?

- Tenho certeza. Sei que você é uma boa pessoa.

Saí da casa dela poucas horas depois, querendo seguir seus conselhos. Transformando-me na pessoa que eu queria ser.

Ao passar pelo Parque, vi Natallie e o Iero conversando em um dos bancos. Cerrei os punhos, controlando minha raiva. "A guerra não está perdida", pensei.


-Flashback Off-


Meus pés me levaram até uma antiga casa, com um portão trabalhado e um pequeno muro. Tirei uma pequena chave do bolso e entrei na velha casa desabitada há algum tempo. A velha casa da minha Helena.

É, ela tinha razão. A guerra não estava perdida. Ao contrário, parecia estar ficando a meu favor.

Ao entrar pela porta, que rangeu por causa do tempo, atravessei até a antiga varanda em que, anos atrás, havia tido a melhor conversa da minha vida.

"Obrigado, vó".