And In This Pool Of Blood
Contrapartida - O ódio que se dissipa
Ele se aproximou de mim displicentemente e também se apoiou no parapeito, deixando de me encarar.
- Não é todo mundo que sabe apreciar a beleza delas...
- Do que você tá falando?
- Estrelas... - respondeu ele, com a voz calma, diferente daquele cinismo ao qual eu já estava acostumada - Você é a ultima pessoa que eu esperava ver por aqui hoje, sabia?
- Sério? Por quê?
Ele demorou um pouco para responder, fitando com um semblante irreconhecível o céu.
- Ah... Não faz seu estilo, só isso.
Emudeci, olhando-o surpresa. Ele tava diferente, parecia não querer discutir ou brigar. Será que era outro truque seu?
- E como você sabe qual é meu estilo? - perguntei, sorrindo levemente.
- Observo você - respondeu ele.
Calei-me de novo. Não sabia se o Way era a companhia perfeita para essas horas, mas... Não estava sentindo-me mal por tê-lo perto de mim ali.
- Natallie, você é muito... certinha pra vim num lugar cheio de malucos e turistas à noite.
- Mas eu não venho.
Uma onda se desfez perto de onde estávamos com um barulho surdo.
- Por que está aqui, então?
- Uns... Problemas...
Way sorriu, muitos flocos de neve amontoando-se em seus ombros.
- Não conseguiu resolver esses "problemas" em casa?
- Dessa vez não deu muito certo.
Os olhos dele, muito verdes, deslocaram-se das estrelas e fixaram-se em mim.
- Frank?
- Talvez - respondi vagamente.
- Pela última vez, eu quero que saiba que...
- Tudo bem - interrompi-o - Esquece o que eu disse antes e...
- E?
- Me desculpa. Tô disposta a acreditar em você dessa vez.
- E por que não acreditou antes?
Uma corrente de ar muita fria bagunçou nossos cabelos e me fez tremer.
- Eu... Estava com raiva de você. Naquela hora... - fiquei pensando o que ele diria agora, Se iria se gabar, se iria se calar ou ir embora -, tava pensando em um monte de coisas...
- Isso significa que você não está mais?
- Não... Eu tenho outros assuntos melhores.
Aquilo saiu sem querer, de tão habituada que estava a responder daquela maneira a ele.
- Que bom - murmurou Way inesperadamente.
- E você? Teve raiva de mim?
- Não. - e voltou a contemplar o céu.
- Isso sim que não faz seu estilo - comentei rindo.
- Qual seria meu estilo, Natallie?
- Vejamos... - meu tom deixava transparecer a clara e sábia ironia de sempre - Vingança?
Fora a vez de ele rir sombriamente.
- Nem sempre...
Calamos-nos mais uma vez. Sentia que o desespero de outrora não me afligia tanto naquele momento.
- É difícil imaginar a gente conversando civilizadamente - deixei escapar, intrigada.
- Bem... tem dias em que milagres acontecem.
O silencio que se instalava a cada novo comentário não era opressivo ou embaraçador, de forma alguma. As horas passavam devagar, mas não me importavam; o tempo de repente não era tão precioso assim.
- Way?
- Que foi?
- Se lembra do que me disse mais cedo? Sobre ser drogado? Era verdade?
- Pra quê foi lembrar disso?
- Sei lá... Mas me responde.
A expressão dele alterou-se, ficara reflexiva. Ele deveria estar levando um monte de coisas em consideração, avaliando se valia a pena ou não responder minha pergunta. Quando achei que ele não diria nada, Way se pronunciou.
- Sou.
-... Quê?
- Por que o espanto, Natallie?
- Nada não, só pensei que você estava mentindo antes.
- Eu não minto. Não pra você, pelo menos - acrescentou.
Fiquei encarando meus pés, não querendo que ele me visse corada.
- Por que você... Se droga? - perguntei, ainda olhando pra baixo.
- Me deixa ver... Antes, eu bem que não sabia...
- Mas, e agora?
- Simples. Eu gosto, só isso.
- Você...? - voltara a olhá-lo quando achei que era seguro.
- É, eu gosto - ele repetiu sorrindo - Me sinto melhor.
- Acabar com sua vida faz você se sentir melhor? - indaguei sobriamente.
- É isso aí. Mas... talvez eu pare qualquer dia desses, quem sabe?
Não consegui pensar no que dizer.
- É o que eu sempre digo para os outros - e encerrou sua resposta com um surpreendente olhar cínico que eu não esperava - Mas alguma coisa te incomodando?
- Seus pais sabem disso?
Ele riu friamente, mais alto do que o normal.
- Que piada! Meus pais nem sabem se eu estou vivo.
- Hã? Como assim?
- Sempre ocupados com seus negócios, dinheiro e afins...
- Não te incomoda essa ausência?
- Não mais. Na verdade, me poupa muito sermão.
Estremeci. Eu achava que sabia tanto sobre o Way e agora percebera que eu não tiha conhecimento da metade de sua vida.
O Way que eu pensava que conhecia parecia se resumir somente ao que eu presenciava na escola e não alguém com problemas familiares. Quanto engano...
Meus problemas pareciam tão simplórios perto do que ele devia enfrentar... Era incrível o que se passava na minha cabeça a partir do que eu ouvira.
Tirei o excesso de neve que se acumulara nos meus ombros e evitei olhá-lo. O que ele deveria estar pensando naquele momento? Eu não tinha idéia. Mas, também, tinha certeza de que Way era uma pessoa que não precisava de consolo nenhum da minha parte.
O que acontecera no jardim de sua casa jamais poderia voltar a se repetir. Já admitira para mim mesma que tudo não passara de impulso, puro impulso. Mas... não podia negar o que eu havia sentido quando o beijara; fora diferente de qualquer coisa que eu já vivenciara com Bert...
- Eu... acho que preciso ir - anunciei em voz baixa e saindo de perto do parapeito.
- Okay... Quer que eu te leve pra casa? - perguntou Way.
- Hã... erm, não precisa não...
- Tô de carro, e não precisa ter medo que não sou nenhum maníaco. Eu acho...
- É serio, não tô dizendo que você é um maníaco - disse, rindo - Mas, sei o caminho de casa, não quero estragar a sua noite.
- O quê? - exclamou ele, incrédulo - Tive sorte de encontrar você aqui.
- Esquece... Tô indo nessa.
Mas antes que desse dois passos, ele me puxou pelo braço. Subitamente, senti a respiração dele perto do meu ouvido.
- Que fique claro, Natallie - sussurrou em seu inconfundível tom cínico - Se tem uma pessoa que não estraga a minha noite, é você. Até mais.
Tive que respirar fortemente para continuar em pé e seguir em frente.
Definitivamente, não era pena o que eu sentia pelo Way.
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