And In This Pool Of Blood
Bert McCracken
Acordei sem os habituais "Cracs" na manhã seguinte. Ainda estava um pouco cansada, é verdade, e sentia vontade de não ir para escola, tanto porque estava com sono, quanto pelo fato de não estar com nenhuma vontade de ter que aturar Gerard & Associados (sabe, eu preferia o ‘Cia.\\\'...).
Bom, deixa pra lá. É melhor eu ir mesmo.
Já estava andando quando encontrei o Frankie (que vinha correndo que nem diabo da cruz ao meu encontro). Fomos andando meio calados, como no dia anterior, mas dessa vez eu não tinha a menor vontade de quebrar o silêncio. De fato, eu não estou com vontade de nada hoje...
*Sou não digo isso pra ele porque sei que ele vai me sacanear...*
Chegamos depois de vinte minutos (e para minha alegria, nenhum daqueles imbecis estavam esperando na frente do portão.), entramos no colégio e paramos em frente dos armários, como de costume, e aturamos as piadinhas de sempre, pois isso também era costume.
- Vejo você no intervalo? - perguntei quando Frankie ia subindo as escadas para o corredor de sua sala.
Ele fez uma cara de "Ahhh... é melhor não responder...", mas sabia que se fingir de surdo não ia dar jeito. Ele desceu uns dois degraus e chegou perto de mim.
- Acho que não, Natallie...
- Por quê? - mas eu já sabia o que devia ser.
- Tenho que fazer uma... coisa. - ele evitava me olhar nos olhos (e isso é o sinal perfeito de que estão mentindo pra você) - Você não se importa, né?
- Que isso, nem um pouco - respondi sarcástica e fui embora, antes que Frankie tentasse se explicar (ou me enrolar...).
*Eu não sou burra, Iero!*
Entrei na minha sala, alguns minutos depois e fiquei meio chateada por não estar vazia - Ajuda se eu disser que eram as mesmas idiotas de sempre?
"Aff, eu quero morrer!"
Sentei-me no lugar de sempre, ao fundo da sala e tirei meu caderno da mochila. Pensei em escrever, mas eu tava sem inspiração alguma. Pensei em escrever sobre aquelas garotas que não tinham o que fazer da vida, exceto fingirem que eram as donas do mundo. Desisti da idéia, pois se mais alguém lesse o papel, eu estarei morta.
"Se bem que não seria tão ruim. Nossa, tô com cada idéia suicida hoje..."
Fiquei batendo o lápis no papel, sem ter imaginação pra nada. De repente, Gerard Way entrou na sala, junto do cabeludo do Ray. Algumas garotas mexeram com eles, com comentários maldosos e afins. Pelo menos, nisso eu e o Way estávamos empatados.
"Mas, convenhamos: não é isso que importa agora pra mim. Ainda não esqueci de ontem!"
Minha raiva aflorou subitamente. Frankie. O que será que eles iam fazer? Sim, eu tenho certeza que deve ter a participação do Way e Company nessa história.
*Acho que o Company ficou mais bonitinho... *.
O Way sentou alguns centímetros mais longe de mim e nesse intervalo mais gente chegou. Isso não era comum. Ou eu que perdi alguma coisa?
Sentia que quando ele não estava conversando com o Ray, estava me olhando. Percebia, pelo canto do olho, que os olhos dele desviavam-se do amigo e paravam no meu rosto. Eu não sabia se ficava corada ou enraivecida. Passaram-se mais alguns minutos e o Alan ou Albert (o que eu tinha esbarrado ontem) chegou à classe também, mal-humorado como todos os dias.
Finalmente a campa tocou e a prof.ª Rachel adentrou a sala de aula. Parecia mal-humorada com alguma coisa, que nem o Alan (ou Albert), e começou a aula exigindo prontamente o dever de casa.
"Que estupidez! Eu já entreguei o meu há uma semana!".
Ah, ela ensina Física. Isso sim é melhor que Biologia!
Assunto eu não me lembro no momento, mas houve um instante em que vislumbrei o rosto do Gerard e ele parecia não entender uma palavra do que a professora dizia. Tive que me controlar para não rir da expressão em seu rosto.
Ah, aula de Educação Física agora!
*Aff, eu prefiro Biologia*.
Eu geralmente faltava a essa aula, eu detestava e sempre inventava algo. Depois eu recompensava com trabalhos extracurriculares e tals para não ficar reprovada.
Por isso, em vez de ir com todos para a aula, me encaminhei para a biblioteca. Gostava de ficar lá e ler bastante. Ninguém me incomodava e tudo se tornava silencioso.
Estava procurando nas prateleiras um livro sobre Filosofia, pois adorava muito essa matéria. Escolhi um e me sentei em uma das mesas que ficavam na biblioteca.
Lia fazia algum tempo quando alguém apareceu às minhas costas e sussurrou:
- Então foi aqui que você se escondeu?
Assustei-me e descobri quem falava comigo: era ele, Gerard Way.
Era a segunda vez em dois dias que ele fazia isso. O que pretendia com essas aparições?
- Você me deu um susto - disse irritada.
Gerard sorriu.
- Não podia perder a oportunidade - respondeu ele, colocando as mãos nos bolsos - Por que não está na aula?
-Não te interessa - disse com maus modos - E você, por que não está lá?
Ele passou a mão pelos cabelos longos.
- Não estava a fim - respondeu entediado.
- Então procure algo pra fazer - encerrei, pegando o livro - Eu tenho mais o que fazer.
Andei em direção a porta. Meu braço foi puxado para trás.
- Quer fazer o favor de me soltar? - disse enfurecida com o Way.
Ele me soltou.
- Adoro essa sua ironia, sabia? - disse ele chegando perto de mim.
O.o - tenho que lembrar de não fazer essa cara sempre que ouço coisas desse tipo.
Corei um pouco e ele ficou sério. Não passava nada na minha cabeça no momento. Então me virei e sai o mais rápido que pude, antes que Way fizesse qualquer outra coisa.
O intervalo veio pouco depois e não poderia ser mais mal-vindo. Como já sabia que Frankie não estaria por perto, não me dei o trabalho de procurá-lo. E como não queria ficar na sala com o insuportável Clube da Luluzinha, sai pela escola, sem ter o que fazer, mas torcendo para não descobrir o que meu "adorável" amigo estaria fazendo.
Num corredor topei mais uma vez com o Alan, Albert, que seja.
- Desculpa - disse desanimada.
- Essa é a segunda vez que você faz isso, Hill - ele explodiu - Por que não compra uns óculos?! Não tem ninguém mais pra você esbarrar?
"Nossa, que exagero!"
- Eu já pedi desculpas - respondi sem me alterar - Não tenho culpa se é a segunda vez, você acha que é de propósito?
- Aff, não me enche...
- O mesmo pra você - disse, dando-lhe as costas - Tenho muito que pensar sem as suas "colheradas".
- Isso não me interessa - disse o Alan, Albert, ah... sei lá.
- Eu não ligo, Alan. - e fui embora.
Mas ele foi correndo atrás de mim e se colocou na minha frente.
- Do que foi que você me chamou?
- Ah... Alan. - respondi meio espantada com a pergunta - Não é esse seu... nome?
*Sou péssima pra decorar nomes... *
- Não - ele respondeu - Meu nome é Robert. Robert McCracken.
"Que nome, hein? Desculpa mais eu não vou lembrar nunca!"
- Você... você não sabia? - ele perguntou incrédulo.
- Ah... não. - respondi sinceramente.
*MAS EU SABIA QUE ERA ALGUMA COISA PARECIDA!*
E então, o McCracken caiu no riso. Devo ter feito uma cara de "ah..." e fiquei olhando seu comportamento.
- O que é que tem de tão engraçado? - não consegui evitar.
Ele me olhou, recompondo-se.
- Essa é a coisa mais engraçado que ouvi hoje - ele respondeu se controlando para não ter outro acesso de riso - Todo mundo sabe. É por isso que sou tão sacaneado. Quer dizer... não é só por isso... mas...
Não agüentava mais aquilo e o tirei da minha frente e continuei andando.
Desci algumas escadas e cheguei ao térreo, onde havia o corredor dos armários. Fiquei parada por ali até que uma garota (que eu obviamente não sei o nome) chegou perto dos armários e procurou o seu. Quando me viu, apenas disse:
- Ha, ha, ha... a namorada daquele anão de jardim...
*Putz, que criatividade!*
Ela devia ser da sala do Frankie e provavelmente mais uma patricinha. Mas quando ela abriu o armário...
- AHHHHHHHH!!!! - alguém saiu gritando do armário dela.
Bom, ela gritou também e saiu correndo.
Assustei-me também, mas isso passou: Frankie saiu de dentro do armário, com uma cara de que nada havia acontecido e ajeitando a gravata.
Ele deu de cara comigo e recuou.
- O que você tá fazendo aqui? - ele perguntou.
- Quem saiu de um armário foi você!- respondi - Eu deveria perguntar isso.
- Ah, mas foi muito engraçado! - ele se defendeu - A cara dela...
- O que você tava fazendo lá dentro?
- Ora, me preparando pra assustar ela - Frankie respondeu - E deu certo, né?
- Isso eu tenho que admitir, mas...
Fomos interrompidos por quatro garotos que saiam rindo detrás de uma parede.
*Adivinha quem eram esses garotos?*
- Foi demais, Frankie!- exclamava o garoto de óculos.
- A cara dela... - ria-se o garoto louro - parecia que tinha visto um fantasma...!
- Foi coisa de profissional eu diria - comentou o cabeludo, Ray - Andou treinando?
Só Gerard ficara calado. Frankie, aproveitando-se da situação se misturou aos outros três e ficou rindo. Eu olhava tudo pasma.
"Mas, é claro já sabia que eles deveriam estar por trás da obra...".
Gerard olhou para os outros, que riam escandalosamente e em seguida seus olhos desviaram-se para mim.
- Gostou do espetáculo, Natallie? - ele perguntou sorrindo maliciosamente.
- Suponho que poderia ter sido melhor - respondi, cruzando os braços.
- Talvez - Gerard replicou - Da próxima vez, você pode dar uns conselhos...
Ninguém percebia que eu estava prestes a dar um soco naquele imbecil.
- Isso não combina com o meu estilo, Way - disse sarcástica.
Ele ficou calado, sorrindo.
- Essa sua ironia... pode mudar o mundo sabia? - seus olhos se estreitaram - Não sei onde arranja respostas tão educadas...
A campa tocou em algum lugar. Virei-me e andei em direção às escadas. Gerard me acompanhou. Ficamos num silêncio carregado pela minha raiva. Ele nada dizia, só cantarolava baixa uma canção. *provavelmente uma do Iron Maiden... *
Fui para casa sem falar com o Frankie e para evitar que ele me seguisse peguei um outro caminho, o mais longo. Estava andando quando alguém me chamou pelo sobrenome:
- Hill! Espera aí!HILL!
Olhei para trás e vi Robert McCracken vindo em minha direção. Parecia impossível, mas ele estava sorrindo. Parou derrapando ao meu lado.
- O que foi agora? - perguntei exasperada.
Ele pareceu sentir que alguma coisa me deixara profundamente irritada e talvez devesse ter lembrado do esbarrão do intervalo. Passando a mão pelos cabelos (que eram tão longos e negros como os do odioso Gerard Way), ele disse, meio temeroso da minha possível reação:
- Ah, eu posso acompanhar você até sua casa?
"Nossa, esse mundo tá pirando mesmo. Acho que eu perdi alguma coisa...".
- Tudo bem - respondi, surpresa com aquele estranho comportamento de Robert McCracken.
Andamos a maior parte do tempo em silencio, mas isso acabou quando ele começou a falar de como detestava as aulas e etc. Eu ria às vezes, outras dizia que tudo era uma questão de esforço próprio e ele sempre respondia que para mim era fácil porque eu era um gênio e não sei o que mais.
"Tá, eu sou inteligente...".
Então Robert me falou de sua grande dificuldade em Física. Falou-me que se não tirasse boas notas nas próximas provas, estaria perdido. Fiquei meio preocupada com ele, apesar de ser a primeiríssima vez que conversamos.
- Ah, chegamos - anunciei, quando paramos em frente da minha casa. Robert olhou meio espantado o lugar que eu morava (vai saber por quê...). Depois disfarçou com um sorriso e abaixou a cabeça. Olhei para ele e disse:
- Se está tão desesperado - era como ler seus pensamentos - Posso te ajudar.
Ele levantou a cabeça e encarou-me tão surpreso como tinha olhado para a casa.
- Jura?
- Só se estiver realmente desesperado - brinquei.
- É claro que eu quero! - ele exclamou, os olhos brilhando - Onde eu assino?
Ri, não pude evitar. Parecia que nos conhecíamos havia anos. Sugeri que começássemos na próxima semana e nos despedimos. Dei-lhe as costas.
- Porque exatamente você tá fazendo isso, Hill? - Ouvi Robert perguntar de repente. Virei-me novamente e sorri:
- Quem sabe você poderia começar a me chamar de agora em diante de Natallie - disse para ele - Seria um bom motivo, Robert.
Ele também sorriu e colocou as mãos nos bolsos.
- Desde que você me chame de Bert, tá tudo bem - Ele olhou para o céu - Bem, tá na hora de ir... vai chover...
"Que estranho... Bert?".
- Thau, Hill... eh, Natallie - Bert disse, indo embora.
- Vai pela sombra, Bert - ri, chegando perto da porta e entrando.
Tinha ganhado um grande amigo e não sabia.
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