Amor às Avessas

"-E quem disse que o amor é uma piada?"


"Mas, é claro, nenhum ser humano pode voltar ao passado ou impedir o fluxo da maré" –Como Partir o Coração de um Dragão

A blusa estava desabotoada de modo que o sutiã e os seios eram parcialmente visíveis. Nos lábios, um batom vermelho e um pouco acima os cabelos negros como petróleo ainda impecáveis, apesar das horas de trabalho da noite.

Ela sorriu, passou um pano molhado na bancada no bar e colocou o cigarro entre os dentes.

–Hoje foi bom. –comentei.

–Parece que melhor para alguns do que para outros. –Miranda pronunciou tais palavras com um olhar suspeito.

–Talvez. –dei de ombros.

–Eu não gosto que quebrem regras, entende?

–Foi mal, Miranda.

–E pelo visto, nem rolou nada. Você não permaneceu naquela droga de banheiro abafado e fedido nem por malditos cinco minutos direito!

–Pareceram quinze para mim, se quer saber.

–É mesmo, gostoso? Ficou nervoso é?

–Foi... esquisito.

–Por quê? Você não faz isso sempre? Não joga teu charme para todas, as põem contra a parede? Acho que a única diferente é que dessa vez, com ela, você não a agarrou. Você não fez o serviço completo, cara. Isso não se faz. Digo, não se acende o fogo de uma mulher se não irá apagá-lo.

–Como você sabe exatamente o que eu fiz?

–Querido, convenhamos, nos conhecemos muito bem.

–Certo. Você precisa de ajuda para fechar o pub?

–Não, Luke. –ela sorriu do jeito dela –Pode voltar para ela.

–Para quem?

–Como quem? Rachel! Esqueça o fantasma, Luke. Fantasmas são pessoas que se foram. Esqueça-a. Não deixa ela te assombrar.

Assenti.

–Boa noite, Miranda.

–Boa noite, Luke.

Saí pela porta dos fundos e andei a passos calmos, pelo caminho de volta até o apartamento. Estava um pouco frio naquela noite, portanto, às vezes, era possível de se ver uma névoa esbranquiçada saindo da minha boca, quando sobrava.

Nova York nunca dormia. Nunca. Não era o tipo de cidade que em uma determinada hora do dia, ficava deserta. Naquela cidade, tinha movimento, pessoas e diversão a qualquer hora para quem tivesse interessado.

Eu passei algumas noites da minha vida nesses lugares, nessa mesma cidade. Algumas vezes acompanhado, outras não. Naquela noite, porém, só desejava deitar-me no sofá e dormir.

✶ ✵ ✴

“-Meu Deus! Está frio pra porra, Luke!

Ela estava agasalhada dos pés a cabeça. Ainda assim, abraçava o próprio corpo e falava com os dentes
batendo um de encontro ao outro.

–Não reclama, Sara. É por uma boa causa.

–Eu só gostaria de saber qual causa é, sabe?

–Ei, não confia em mim?

–Claro que sim, baby, mas...

–Relaxa, garota. Nem estou te reconhecendo!

–Eu tenho medo de neve, ok?

–Sim, eu sei. A propósito, é o medo mais esquisito que já ouvi falar.

–Bom, alguém precisava ter esse medo, não? Lauren tem medo de árvores!

–É por isso que vocês são amigas. São garotas incomuns.

Ela se aproximou significativamente.

–E isso é ruim?

–De jeito nenhum. –respondi e Sara sorriu. –Agora, prepare-se para patinar!

–Que? Droga, eu tenho medo!

–Nada de ruim irá acontecer com você, Sara. Eu estou aqui, ok?”

Uma luz direta bateu em meus olhos.

–Bom dia, Homem Fogo. –Emily disse.

A morena estava sentada perto das minhas pernas, com roupas velhas que ela usava como pijama e nas mãos, uma caneca de cerâmica se encontrava.

–Bom dia, Mary.

–Café para o cara que ainda está com o terno de garçom?

–Seria bom, na verdade.

Ela levantou-se, foi na cozinha e voltou alguns instantes depois, me entregando a xícara de café com leite.

–Obrigada.

–De nada.

–Então... –comecei –Se divertiram ontem?

–Bastante. –ela sorriu. –A noite foi muito boa, na verdade.

–Certo. Já entendi, Mary.

–Sabe, teve uma hora que a Rachel sumiu ontem... –ela disse e bebericou seu café logo em seguida.

–Aé?

–Sim. E o mais interessante é que quando ela finalmente retornou, parecia não ter controle das próprias pernas.

Sem querer, sorri de canto.

–O que você fez hein? –Emily perguntou.

–Eu? Só conversei com ela.

–Conversa boa essa hein? –ela riu.

–Digamos que sim. –sorri, de novo.

–Você gosta dela?

Dei de ombros.

–Vocês tem uma coisa me comum, sabia? São péssimos em admitir sentimentos.

Eu ri.

–Quer um conselho?

–Manda. –respondi. Senti que não seria bem o conselho, algo mais aproximado de uma bronca talvez.

–Velhos hábitos não morrem da noite para o dia, Luke. Pessoas não mudam. Não completamente. A gente só pensa que muda. De qualquer forma, acho que você deveria digamos “cuidando mais das merdas que faz” antes de finalmente investir na Rachel, entende? Eu acredito que você vai melhorar. Acredito também que o quer que tenha acontecido com você um dia, será superado. Porém, você tem duas opções.

–Quais seriam, Mary?

–Ou você faz tudo lentamente e direito ou você se arrisca e terá um amor explosivo.

–Quando há cuidado demais, deixa de ser engraçado...

–E quem disse que o amor é uma piada?

Desviei o olhar para a janela. Emily então levantou-se.

–Vou voltar para a minha ruiva. Ela dorme até tarde e vai ficar meio brava se eu não estiver por lá. Te vejo mais tarde, Luke.

–Até, Mary.

Respirei fundo e passei a mão com força nos cabelos.

Não era um bom sinal. Nervosismo.

–Miau!

No chão, um felino com o dobro do tamanho quando o conheci, me encrava.

–Oi Deanzinho... Melhorou da sardinha que te dei?

–Miau...

–Que bom. Sinto muito, amigo.

Ele piscou e armou o bote, pulando para o sofá. Acariciei sua cabeça e depois desci para as suas costas. Deanzinho fechou os olhos de prazer. Logo depois, sua respiração tornou-se constante e lenta. Meu parceiro do crime havia dormido.

–Espero que isso signifique que estou desculpado.

Resolvi então tirar o smoking de garçom.

Eu poderia mudar?

Eu poderia mudar. Teria de mudar.

Me livrei primeiramente da calça e o cinto.

Será que eu poderia esquecer meus fantasmas?

O paletó fora jogado no chão.

Eu queria ser alguém menos ruim.

De certa forma, queria ser melhor para a...

Então a camisa e a gravata borboleta foram atiradas na mesa de centro.

Um cabelo loiro então, surgiu na sala de estar. Rachel me olhou rapidamente e desviou o olhar para o lado.

–Bom dia. –ela disse de costas, voltada para a cozinha.

–Bom dia, Rachel.

Agarrei a camisa novamente a vesti.

Ela vestia shorts e uma blusa de manga comprida. O cabelo para variar, se encontrava bagunçado. Entretanto, resolvi permanecer quieto.

–Pode olhar agora. –a avisei.

Ela então voltou-se para mim e não pareceu incomodada com a falta da calça.

–Dormiu bem? –ela perguntou.

–Cheguei tarde, então... Não muito. E você? –dei de ombros.

–Bom, você sabe... Não muito bem... É. Digo, também.

Pelo visto, Emily estava certa. Rachel nem se aguentava em cima das próprias longas pernas. Mas não sabia se era da forma boa, igual da noite anterior.

–Você está bem? –perguntei, me aproximando.

Rachel, porém, deu um passo para trás.

–Sim. Estou bem. Só meio...

–Atordoada? –perguntei, sorrindo. A situação era divertida.

–É... Bom, não exatamente. Estou confusa.

Confusa. Muito confusa. Um sentimento de culpa brotou no fundo do peito por alguns segundos.

–Com o que?

Me aproximei mais.

–Com... Tudo isso.

–Tudo o que, Rachel?

Eu estava tão perto dela naquele momento, que sentia seu cheiro de cacau.

–Por que você... fez aquilo? Ontem. No pub. Dentro do banheiro dos funcionários... Por que me encurralou daquela forma e fez elogios, Luke?

Alguns raios solares bateram nos olhos dela, tornando-os cor de mel. Rachel se sentiu incomodada e fez uma careta.

Eu sorri de lado, involuntariamente.

–Logo você saberá, Rach. Confie em mim.

Ela respirou fundo.

E eu também.