A camisa de linho se agitou com a brisa fria de inverno e Alaric colocou o enorme casaco com movimentos lentos. Os pontos em seu ombro protestaram por ainda serem recentes, mas não se incomodou com a dor.

Sebastian caminhou ao seu lado quando saiu do enorme salão em direção ao corredor largo que interligava as torres daquela ala. Ele parou para ver a neve se acumular ao longe sobre as casas dos aldeões e sobre a floresta densa. A mesma floresta onde quase mataram Roslyn.

O pensamento o levou para duas noites passadas, antes da maldita sopa os atrapalhar. A teve completamente por alguns instantes, em seus braços, consumida pela paixão. Sim, era daquele jeito que ele a queria por muitas noites. Porém, lembrou-se da maneira como ela se afastou dele, deixando que Sebastian refizesse os pontos em seu ombro. Viu a expressão no rosto de Roslyn e soube que aquele fogo que sentiu nascer de dentro dela havia sido extinto. Mas, não por muito tempo, ele prometeu a si mesmo.

—Nós procuramos por toda aquela extensão. —Sebastian assinalou com os dedos o horizonte do clã. -Mandei homens para o leste e outros para oeste. Todos voltaram antes do pôr-do-sol. Sem nenhuma pista.

Alaric trincou o maxilar e cerrou os punhos.

—Eu o vi. -Sentiu os olhos do amigo se fixarem nele. —E posso afirmar com toda a certeza que aquele homem nada tinha haver com o homem que atacou Roslyn naquela noite.

—Tem certeza?—Alaric olhou para ele com seriedade. —Você estava muito preocupado com Roslyn, pode ter se confundido…

—Sabe que nunca me confundo. —Voltou o olhar para o manto branco que recobria todo o clã.

—Se estiver certo, a situação se torna pior do que imaginávamos. —Sebastian enfiou as mãos nos bolsos e se encolheu dentro do casaco, tentando conseguir calor. -Sabe o que significa, não sabe?

Alaric assentiu.

—Que há mais de uma pessoa tentando matá-la.

Sebastian praguejou furiosamente.

—Precisamos redobrar a segurança. Desta vez, com nossos homens, não com esses aldeões miseráveis.

—Quero ficar sabendo de cada homem que for designado para acompanhá-la durante o dia. —Alaric falou com firmeza. —Mas, não vai ser realmente preciso, já que planejo tê-la ao meu lado a maior parte do tempo.

Sebastian sorriu maliciosamente. Alaric se manteve sério, mas por dentro sentia o sangue correr mais rápido só de pensar em quanto tempo teria a sós com Roslyn.

—Escutei uma conversa interessante entre Marion e Roslyn ontem. Talvez, seja do seu interesse. —Sebastian viu o corpo de Alaric se esticar minimamente e soube que tinha todo a sua atenção. —Você contou para Roslyn sobre Rachel?

Os olhos castanhos se semicerraram.

—Só o necessário. —Comentou sucinto.

—Sinto informar Alaric, mas não contou o suficiente. —Ele se virou e focou toda a potência daquele olhar pesado sobre Sebastian. —Roslyn acha que você está envolvido com Rachel.

Alaric sentiu todos os músculos retesarem e relaxarem em um só movimento.

—O que disse?—Repetiu com a expressão fechada assim como as nuvens pesadas do céu.

Sebastian desviou o olhar.

—Roslyn, por algum motivo, acha que você está se relacionando com Rachel. —Corvos voaram ao longe e o silêncio desceu sobre eles.

—Porém, sabemos que isso não é verdade.

E então tudo começou a fazer sentido. Alaric reviveu nos pensamentos todos os momentos em que Roslyn fugiu dele, todas as vezes em que chorou silenciosamente do outro lado da enorme cama. Principalmente, todas as vezes que se esquivou do seu toque. Pensava que ele a traía.

Alaric enxergou a mágoa em Roslyn por todos aqueles malditos dias. E, agora, tudo fazia sentido.

E a constatação de que Roslyn havia ficado tão magoada pelo sua suposta traição o fez querer sorrir. Soltar uma gargalhada completamente desconexa e nem um pouco típica dele.

Mas, ali estava a prova de Roslyn sentia algo por ele por mais insignificante que fosse. Mais do que ódio e rancor pelo inimigo que invadiu o seu clã.

—Sebastian.

—Sim?

—Quero que providência a refeição da noite mais cedo hoje. Tenho certos assuntos a tratar com Roslyn esta noite.

♥♥♥

Alaric entrou silenciosamente no quarto.

Roslyn estava parada em frente ao fogo com as mãos esticadas para frente. Marion estava sentada logo atrás, costurando com a postura encurvada.

—Nos dê licença, Marion.

A criada levantou o rosto rapidamente, mantendo uma expressão inexpressiva no rosto abatido. Ela se ergueu e caminhou rapidamente em direção a Roslyn, murmurando algo antes de sair.

Alaric permaneceu parado, analisando a face rubra de Roslyn do outro lado da habitação.

Ela virou para ele e os cabelos vermelhos caíram em cascatas por seus ombros.

O silêncio pesou como uma tormenta entre eles. Agressivo e cortante.

Entre palavras não ditas e sentimentos caóticos, Roslyn sabia que havia chegado a hora de decidir que lado seguir. O lado do clã ou do amor proibido que alimentou por tanto tempo por Alaric.

E a decisão estava mais clara do que nunca em seu peito.

—Deveria descansar. —Falou cortando o silêncio.

—Passei dois dias deitado em uma maldita cama vendo você cuidar de mim, tocar em mim com esses seus dedos inquietos e deitar ao meu lado quando pensava que eu dormia, sem poder fazer nada mais do que piscar e mexer um dos braços. Sem nem ao menos poder tocá-la do jeito que quero sem que fugisse para longe parecendo um passarinho assustado. —Ele sussurrou as últimas palavras, dando um passo para mais perto, olhando atentamente as feições de Roslyn. —Então, não. Não vou descansar. —Falou seriamente.

Alaric caminhou até ela e alisou a bochecha avermelhada, lentamente, deixando um rastro de fogo pela pele sardenta.

Roslyn paralisou. Ela entreabriu os lábios, o peito expandiu procurando por ar, mas, ao que parecia, havia esquecido como se respirava.

—Por que não me deixou quando insisti que voltasse para a fortaleza?-Os dedos ásperos deixaram sua bochecha, mas Roslyn ainda sentia o calor deles em sua pele aquecida. —Se eu tivesse morrido…

—Mas, não morreu. —Interrompeu com uma carranca feroz no rosto.

Ela já não conseguia mas se imaginar sem aquela voz grave que a fazia arrepiar, sem aqueles dedos que faziam magia em sua pele, e sem a sua presença para lhe aquecer o coração nos dias frios.

O amava com tanta intensidade que só de se imaginar sem ele, sentia o coração rachar de dor. Não o perderia. Nem que precisasse batalhar contra uma legião de homem. Ou no caso, contra uma mulher em específico. Ela o faria entender que o seu amor era o bastante para os dois. Tinha que bastar, pois já havia encontrado seu príncipe encantado, mesmo que muito machucado e meio malvado, e se negava a deixá-lo escapar.

—Mas se tivesse, o clã seria inteiramente seu. Por que me salvou, Roslyn?—Indagou com determinação na voz.

Uma pergunta simples para uma resposta igualmente simples.

A resposta pulsava em seu íntimo, lutando por sair de seus lábios. Ela mordeu o lábio nervosamente. E despejou de uma vez só, sem hesitações e sem medo de se entregar aquele que amava.

—Por que o amo.

Os fracos se escondem atrás de meias palavras e de suposições, os fracos não confiam.

E, Roslyn foi fraca por todo esse tempo, desconfiou de Alaric sem nem ao menos ter certeza dos fatos, dando ouvido a boatos que brotavam das paredes frias do clã. O acusou silenciosamente, como todos daquele clã faziam, confiou mais na reputação dele como mercenário, supondo que ele a havia traído, que nem ao menos havia o questionado se realmente o havia feito. Não era muito melhor do que os outros que o haviam julgado tão facilmente.

Mas, desta vez, seria forte. Seria mais forte que a sua desconfiança e seus medo. Nada mais seria capaz de afastá-lo dela. Nem mesmo ela própria.

Respirou fundo e ergueu a cabeça.

—Amo você com cada pedacinho do meu coração e com cada parte da minha alma.

Se enxergasse, ela teria visto o rosto de Alaric se abrir em um sorriso capaz de ofuscar os raios de sol. Teria visto os joelhos sempre orgulhosos e firmes, cederem minimamente sobre o peso dele. Teria visto os olhos castanhos brilharem com uma luz que faria invejas as estrelas.

Ele acariciou as covinhas escondidas em suas bochechas e ergueu o seu queixo. Roslyn se manteve firme, ao menos tentou, mesmo com a vergonha caindo sobre si como um manto frio que lhe agarrava a pele.

—Sente isso?—Ele guiou a mão dela até o coração pulsante e agitado que batia no peito forte. Ela anuiu com a cabeça fracamente. —Ele bate por você. É a única capaz de fazê-lo bater assim, descompassado e errático. Como se clamasse pelo seu toque, pelos seus beijos e pela sua voz.

Roslyn só conseguiu ficar parada, absorvendo cada palavra como se fosse o próprio ar que lutava por aspirar.

—E eu quero que me escute bem. Só há uma mulher que eu quero mais do que a minha própria vida, e ela está bem na minha frente. —Os joelhos falharam e Roslyn achou que fosse cair ali mesmo, mas se agarrou aos pulsos de Alaric que moldavam as maçãs de seu rosto. —E ela tem cabelos flamejantes e olhos capazes de enfeitiçar o mais duros dos homens.

Roslyn quis sorrir. Mas, ainda estava em um torpor por conta das palavras de Alaric.

Ele a amava! Aquela revelação foi capaz de derreter o seu coração e fazerem suas pernas se tornarem meros gravetos frágeis. Ele não havia falado com todas as letras, mas sabia que sim. Roslyn não precisava de palavras requintadas para confirmar, só precisava que Alaric a amasse com atos.

Ele abarcou a sua cintura e a trouxe em um só movimento contra o corpo alto e esguio. Roslyn quase deixou um suspiro de deleite escapar ao sentir os braços dele a sua volta. Sentia falta de seus abraços por mais raros que fossem. Ser envolvida pelos braços de Alaric, era como ser aquecida por uma fornalha depois de sair de uma tempestade. Ele a abraçava como se fosse a coisa mais preciosa que já havia posto os olhos.

Roslyn enterrou sua cabeça, aquela confusão de cachos ruivos e nós embaraçados pelo vento, no peito largo dele, se aconchegando no corpo masculino como se fosse uma gatinha manhosa.

Céus, sentia tanta falta daquele corpo junto do seu. Grande e forte. Mas, ao mesmo tempo delicado e protetor.

A ponta do nariz dele encontrou o lóbulo da sua orelha em meios aos fios rebeldes e Roslyn se sentiu arrepiar.

—Rosie…—Ele sussurrou com a voz baixa a fazendo espichar. Lábios frios rasparam sua orelha. —Me deixe fazê-la minha por esta noite.

Ela se sentiu ficar tensa por alguns instantes. Um nó se formou em sua barriga.

—Me deixe amá-la. —Ele sussurrou sedutor ao pé do seu ouvido.

E quando ele a afastou minimamente, Roslyn só conseguiu dizer uma palavra:

—Sim.