Banzé e Angel nunca falaram nada sobre o que há entre eles, e nem sempre conseguiam esconder tão bem o que sentiam. Durante as primeiras noites, após voltar para casa. Banzé e Angel dormiam caminhas separadas, mas ficavam trocando olhares antes de caírem no sono. Dama e o Vagabundo já tinham notado algo entre eles.

Alguns dias depois que Banzé voltou para casa, Vagabundo cumpriu o que prometeu ao seu filho, levando-o para dar alguns passeios na cidade ou até mesmo no rio. Era nesses momentos de pai e filho, que uma relação de amizade foi se fortalecendo, os dois foram ficando mais próximos, pois Banzé se sentia mais à vontade para conversar com seu pai, dependendo do assunto, claro. Entretanto quem queria conversar era Vagabundo, ele queria saber como encontrou aquela "amiguinha".

Em um desses passeios, foram até o rio se divertir naquelas águas, do jeito que Banzé adora. Depois Vagabundo o levou para um lugar onde tinha levado a Dama quando a conheceu, naqueles morros em um parque que dava uma bela vista da cidade. Assim que deitaram para descansar, Vagabundo começou uma conversa sincera com seu filho.

— Benzé, como você encontrou a Angel? – Ele perguntou, vendo que o filho ficou com vergonha. – Ou onde a encontrou?

— Então..., ela apareceu junto com aqueles cachorros do lixão. – Ele desviou o olhar. – Quando eu estava acorrentado fora de casa.

— Vocês passaram um tempo juntos, não foi? – Vagabundo perguntou, rolando na grama.

— Como você sabe? – Banzé perguntou, indo até seu pai.

— Ela foi até nós quando você estava no canil. – Ele respondeu olhando para Banzé.

— Ela foi? – Banzé estava surpreso com essa informação.

— Como saberia que você estaria lá? – Ele perguntou.

— Verdade. Não tinha pensado nisso. – Banzé deu um sorriso discreto, acanhado.

— Ela não teria ido se não tivesse visto algo em você. – Ele puxou seu filho para perto.

— Para, que bobagem. – Banzé tenta desconversar, mesmo com um pouco de vergonha e sabendo que era verdade.

— Eu vejo como você a olha. – Vagabundo deu um suspiro. – Do mesmo jeito que eu olho sua mãe.

— Ela é especial, sabe. – Banzé disse, com as bochechas coradas. – Ela me mostrou como é bom ter uma família. – Ele disse olhando para seu pai.

— Eu que deveria ter mostrado isso... – Vagabundo disse, ficando um pouco triste, já que era ele deveria ter feito isso, mas lembrou que encontrou seu filho por causa dela.

— Pai, tá tudo bem, você também mostrou. – Banzé disse, consolando seu pai com a cabeça. Os dois ficaram alguns minutos em silêncio, e depois Vagabundo retornou a falar a falar, mas sobre o lugar em que estavam.

— Sabe porque te trouxe aqui? – Vagabundo disse olhando para a cidade, de onde estavam tinha ótima vista de várias partes da cidade.

— Por causa da vista que tem daqui? – Ele respondeu de maneira inocente.

— Também, a vista é incrível daqui. – Vagabundo disse. – É que foi um dos lugares que trouxe sua mãe quando a conheci. – Ele deu um suspiro ao lembrar dela.

— Aqui é bonito mesmo. – Banzé respondeu, pensando em como seria com a Angel e se distraiu um pouco por causa disso.

— Você poderia trazer a Angel aqui também. – Vagabundo olhou para seu filho todo acanhado ao ouvir isso.

— Poderia mesmo. – Ele respondeu só de lembrar dela.

— A Angel é especial para você, não é? – Vagabundo sorriu para seu filho.

— Acho que sim. – Ele respondeu de maneira discreta.

— Você nem consegue esconder. – Vagabundo disse, se levantando da grama para ir embora, já que estava escurecendo. – Tem certas coisas, Furacãozinho, que a gente não encontra duas vezes na vida. Uma vez encontrado, tem que segurar para não perder.

— Valeu, pai, por tudo. – Banzé respondeu acariciando seu pai com a cabeça, antes de saírem daquele local.

É claro que Banzé não precisava de aprovação dos pais para ficar com a Angel. Ele ficaria de qualquer jeito, mas ouvir essas palavras do próprio pai era algo valioso e importante. Saber que os pais o apoiavam apesar de tudo que tinha feito era um grande alívio. Agora Banzé não precisava ter tanta vergonha de demonstrar o que sentia na frente das irmãs e da família, embora todos já entendiam o que tinha entre os dois.

Conforme foram andando para casa, Banzé foi mostrando por onde passou quando esteve fora de casa, inclusive mostrou por onde passou com a Angel. Vagabundo se emocionou um pouco, já que em alguns dos lugares ele tinha passado com a Dama, quando a conheceu. Enquanto estavam indo para casa, Banzé nem esperava que sua mãe conversaria com a Angel.

Em casa, depois de um dia brincando com suas novas amigas, as irmãs de Banzé. Angel se deitou na caminha de Banzé para descansar um pouco, porque tinha o cheiro dele. Enquanto isso as irmãs ficaram confortavelmente no sofá. Dama aproveitou esse momento de relativa tranquilidade para conversar com Angel, para conhecê-la melhor. Assim, foi até ela para conversar e reparou onde ela estava deitada.

— Angel. – Dama sussurrou, já que não sabia se ela estava cochilando. – Queria conversar com você. – Angel abriu os olhos e olhou para Dama.

— Pode falar. – Ela disse, se espreguiçando, mas permanecendo deitada.

— É que..., ocorreu tudo tão rápido. – Dama sorriu para ela. – Não tive tempo de agradecer por ter ajudado a salvar meu filho. – Dama a acariciou com a cabeça e Angel respondeu com um sorriso. – Como conheceu ele?

— Ele que foi até o lixão onde alguns cachorros de rua ficavam. – Ela corou um pouco, de vergonha. – Depois percebi que ele era diferente dos outros. – Dama sorriu, era a primeira vez que alguém fora da família falava bem dele. Ela se deitou próxima a Angel para ouvir o que ela tinha a dizer. – Ele é bom e gentil. – As irmãs deram risadinhas discretas do sofá porque perceberam que ela gostava do Banzé.

— Até imagino de quem ele herdou isso. – Dama disse, pensando no Vagabundo.

— Achava que ele realmente fosse da rua. – Angel continuou, com um sorriso discreto. – Mas a falta de habilidade dele era adorável. – Dama sorriu para ela.

— Como convenceu ele a voltar? – Dama perguntou, com um olhar de curiosa, já que nem o Vagabundo conseguiu.

— Eu tentei. – Angel disse sorrindo. – Não foi por falta de tentativa, principalmente depois que vi que ele tinha abandonado uma família adorável. – Dama nem acreditava no que ouviu.

— Eu lembro que o Vagabundo voltou bem triste depois que ele se recusou a voltar. – Dama deixou de sorrir por um momento ao se lembrar desse acontecimento.

— Depois ele foi abandonado no canil. – Angel olhou para baixo, imaginando o que poderia acontecer com ele lá. – Que percebeu o erro que tinha feito. – Dama percebeu o olhar dela e colocou sua pata em cima da pata de Angel.

— Graças a você, que ele foi tirado de lá. – Dama olhou nos olhos dela. – Não esqueça disso.

— Eu sei. – Ela retribuiu o olhar.

— Ele teve sorte em encontrar você. – Dama continuou.

— Acho que sim. – Ela sorriu, com as bochechas coradas.

— Eu sei que ele é especial para você. – Dama se aproximou dela e disse baixinho. Angel sorriu para ela.

— Não é fácil esconder. – Ela desviou o olhar, um pouco acanhada.

— Eu fico feliz que foi você que ele encontrou. – Dama acariciou Angel com sua cabeça. Dama se levando e foi até a porta porque ouviu os dois chegando.

Angel ficou um pouco emocionada, porque nunca esteve em uma família tão afetuosa e amável desse jeito. As irmãs de Banzé se tornaram suas melhores amigas em poucos dias de convívio. Dama já tinha conversado com ela algumas vezes, mas não tinha conversado sobre o Banzé especificamente, o que surpreendeu Angel, já que não esperava essa conversa com a Dama.

De onde estava, Angel conseguiu ver que os dois entraram em casa. Vagabundo acariciou Dama com nariz antes de Jim Querido o pegar para dar um banho. Como eles passavam o dia fora de casa, era rotina dar um banho antes de entrar em casa. Vagabundo não se importava mais. Agora Banzé ainda ficava um pouco contrariado, mas depois de conversar com seu pai, um banho não parecia tão ruim, já que pensava nela. Nessa noite, ele cedeu pela primeira vez depois que viu Angel em sua cama. Ela percebeu que Banzé estava olhando e sorriu para ele, deixando-o um pouco acanhado.

Depois do banho, Banzé foi ver suas irmãs que estavam no sofá. Elas aprenderam a dar valor para seu irmãozinho durante sua ausência. Por isso, sempre que podiam, aproveitavam um tempo juntos. Após conversar com suas irmãs, foi comer na tigela que ficava na cozinha, que curiosamente ficava ao lado da tigela da Angel. Como estava cansado, foi descansar em sua caminha, mas percebeu que Angel tinha ido para a caminha dela. Ele foi conversar com ela, rapidamente, já que em algum momento Jim Querido apagaria as luzes para dormir. Então antes de ir para sua caminha, foi até ela.

— Tá gostando da sua nova casa? – Ele perguntou de maneira tímida.

— É melhor do que eu imaginava. – Ela sorriu.

— Eu nem acredito que queria abandonar tudo isso. – Ele disse, encostando sua cabeça da dela. – Se não fosse por você. – Angel se emocionou um pouco, já que tinha recebido mais carinho e afeto do que recebeu nas ruas, principalmente de quem ela mais gostava.

— Eu te falei que aqui era melhor. – Ela deu uma lambidinha no focinho dele, o que o deixou envergonhado. Ela adorava essas reações dele.

— Obrigado, Angel, por tudo. – Ele retribui a lambidinha e se dirigiu para a própria caminha.

Angel não acreditava do que tinha ouvido, mas sabia que era por tudo que fez por ele. Eram palavras simples mas que tinham um grande significado. Tinha mais uma coisa também, ela a primeira vez que ele retribuía uma demonstração de afeto, mesmo com vergonha.

Então Jim Querido apagou as luzes e subiu as escadas, deixando os cachorros na sala onde eles costumavam dormir. As irmãs estavam em seu cesto como de costume. Vagabundo e a Dama estavam nas almofadas, de onde conseguiam observar todos os filhotes. Depois de se aconchegarem nas almofadas, os dois tiveram uma breve conversa sobre o que tem acontecido.

— Conversou com ele sobre aquele assunto? – Dama sussurrou para Vagabundo.

— Conversei sim, foi uma boa conversar. – Ele sussurrou de volta.

— Acha que entenderam o recado? – Ela sussurrou olhando os dois em caminhas separadas.

— Acho que sim, eles são espertos. – Ele sussurrou e também olhou os dois.

Quando estavam quase dormindo, ouviram alguém se levantando de maneira bem sutil, fazendo o mínimo de barulho possível, para não acordar ninguém. Os dois viram que Angel se levantou cuidadosamente e silenciosamente foi até a caminha de Banzé e se aconchegou ao lado dele. Banzé abriu os olhos, viu que era ela e também se aconchegou para que ela pudesse caber ali. Após deitar de novo, Banzé encostou seu focinho no focinho dela, assim os dois voltaram a dormir, sorrindo. Dormindo desse jeito, em contato um com o outro, sentiam algo que não tinham sentido antes. É como se tivessem encontrado um porto seguro, onde nada de ruim pudesse acontecer entre eles. Os dois se sentiam bem quando estavam próximos assim. É um sentimento difícil de explicar porque é difícil de encontrar.

— Eles entenderam. – Vagabundo sussurrou para Dama, levemente emocionado. – Queria ter tido essa mesma sorte na idade dele.

— Você tem agora, isso que importa. – Dama sussurrou, acariciando Vagabundo com a cabeça. Ele retribuiu o carinho e voltaram a dormir.

Os dois queriam que Banzé e Angel não tivessem receio ou medo de demonstrar o que sentiam, pois sabiam que havia algo entre eles que era puro e verdadeiro. Dama e Vagabundo sabiam que não seria última vez que veriam essas demonstrações afetuosas entre os dois.

Essa foi a primeira noite, de muitas que ainda virão. Só alguns dias se passaram, desde que Angel foi adotada. Esses filhotes tem uma vida inteira pela frente para se descobrirem e se conhecerem melhor, mas pelo tempo que já passaram juntos, era suficiente para saber que o que sentiam. Banzé se sentia bem e quente por dentro quando estava com ela. Angel se preocupava mais com ele do que qualquer outro cachorro. O que começou como um mero amor entre filhotes, era mais profundo do que eles imaginavam. Angel e Banzé pelo menos já entendiam que encontraram algo que não se encontra duas vezes na vida e não precisavam esconder mais o que sentiam.

A partir desse momento, tudo estava bem entre eles.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.