Amor de Beta - Timebomb

A alfa do cappuccino com chantilly


Num mundo de alfas e ômegas cheios de feromônios, cheiros, marcações e cios, betas são os normais. O que significa ser normal? Pergunto-me até hoje. Todos os betas que conheço acreditam que só vou encontrar o amor verdadeiro e fiel em outro beta, e talvez eles estejam certos. Mas quem disse que meu coração ouve o meu cérebro? Não... Seria fácil demais simplesmente ordenar um órgão cuja função é bombear sangue, que faça-me cair de amores por qualquer ser humano de semelhante casta. Muito mais provável este mesmo estúpido coração encontrar desculpas ainda mais estapafúrdias para fazer-me me apaixonar platonicamente por quaisquer desconhecidos que não dividem a mesma “normalidade” que eu.

Já tive minha cota de amores não correspondidos, a grande maioria pertencia a casta brutal: os alfas. Betas homens, como eu, supostamente deveriam sentir-se atraídos por mulheres betas, para termos a possibilidade mínima de perpetuar nossa casta quase extinta. Pois é, mesmo que haja chances quase nulas de um beta nascer de um relacionamento alfa/ômega, nós, betas, não podemos confiar em uma taxa pífia de genes betas ativos em corpos de pessoas autodeclaradas ômegas ou alfas, sendo assim é praticamente raro uma criança beta crescer com pais de castas diferentes da sua. E, mesmo sabendo que é impossível ser correspondido, cá estou eu bebericando meu descafeinado sem açúcar numa cafeteria independente pouco conhecida, observando feito um stalker maluco a mina mais linda que já conheci.

Obviamente eu não conseguiria deduzir a qual casta um indivíduo pertence sem chegar muito perto. Enquanto alfas reconhecem o cheiro de um ômega a quilômetros de distância, os betas não possuem esse olfato apurado, tanto é que muita gente que não é beta acredita que nós não apenas somos isentos de cheiros específicos, como também sequer possuímos capacidade de senti-los. Porém nós o sentimos sim. E Deus sabe quantas fragrâncias naturais diferentes eu já detectei com minhas narinas. No entanto, devido a minha timidez e total falta de atitude, jamais me atrevi a me aproximar da garota cujo meu coração idiota bate feito louco, tampouco consegui descobrir a qual casta ela pertence.

Veja bem, eu teria que estar muito próximo dela para ter essa informação, ou então perguntar diretamente, e é claro que eu não conseguiria essa proeza sendo que nem um olhar nós trocamos. Tudo o que posso fazer é admirá-la de longe e torcer internamente para que seja pelo menos uma beta, assim minhas chances seriam menos piores.

Eu não sou um cliente assíduo desta cafeteria, tenho poucas oportunidades de vir aqui, inclusive. Mas em todas as vezes que venho tomar alguma coisa pra forrar o estômago, lá está ela, com os cabelos azuis trançados, roupas sociais despojadas e um copo de cappuccino coberto por chantilly. Tenho a impressão de que ela sempre pede cobertura dupla, já que o mais correto era ter uma quantidade menor do creme branco em cima do copo; os dela sempre ficam com a borda cheia demais. Não sei nem mesmo o nome dela, somos completamente desconhecidos, todavia sei que é apaixonada por aquele cappuccino com cobertura dupla de chantilly, visto os olhinhos brilhantes e o sorrisinho animado que ela dirige para a bebida quando ela chega à mesa. É um dos melhores momentos do meu dia: quando o pedido dela fica pronto.

Pode parecer loucura, mas já tentei compreender qual a razão de ela sempre pedir aquilo, fazendo o mesmo pedido. Logo eu, que não gosto de doces, pagando pra tomar um cappuccino açucarado com chantilly hidrogenado. O gosto não era dos mais horríveis, mas Deus! Quem consegue tomar isso sem adquirir uma diabete? Nem um ômega deve ser tão doce quanto essa coisa. E por que eu continuo tentando descobrir qual é o motivo de ela gostar tanto de cappuccino com chantilly? Porque, de alguma forma, quero que tenhamos algo em comum.

Burrice, eu sei.

Amor platônico deveria ser um costume para uma pessoa como eu, que já me apaixonei perdidamente por vários estranhos de casta superior à minha. Sim, eu considero os ômegas superiores, eles pelo menos têm o par perfeito esperando por eles. Eu não tenho sequer um amor recíproco, quem dirá perfeito. Mesmo já sendo uma situação famigerada, meu peito ainda dói por ter consciência de que o máximo que vou conseguir daquela garota é uma troca de olhares desproposital, uma possível taxa de glicose alta e observações solitárias de um pequeno momento do dia-a-dia de uma pessoa que não conheço e não tenho coragem de tentar conhecer. Por conseguinte, essa pequena fração de segundos em que ela troca um olhar comigo por ironia do destino é suficiente para acalentar esse mesmo peito dolorido, e eu abro um sorriso discreto sempre que ela se suja com o chantilly e não se limpa de imediato por simplesmente não se importar com um detalhe pequeno como uma sujeirinha no canto da boca.

Hoje ela ainda não havia chegado ao café, porém eu sequer poderia ficar por muito tempo, dessa vez estava perto de me atrasar para o trabalho, sorte minha ter conseguido arranjar uns minutos para pedir meu descafeinado clássico para viagem, já me lamentando por não ter mais tempo para esperá-la e vê-la tomar seu precioso cappuccino. A atendente sorri simpática para mim quando me aproximo do balcão.

— Descafeinado ou cappuccino com cobertura de chantilly? — pergunta ela.

É, não posso culpá-la por estar em dúvida quanto ao meu pedido, recentemente tenho intercalado entre os dois. Pra quem não era um cliente assíduo, acabei me tornando memorável pela mudança repentina do meu pedido.

— Os dois, por obséquio. E eu pago!

Virei-me para trás, assustado. Lá estava ela, o motivo pelo qual eu não paro de vir a esta cafeteria, meu objeto de admiração, uma alfa. Acabo de descobrir que a mina mais linda que já vi e que é fã de chantilly tem um eflúvio amadeirado, típico de alfa, porém com uma leve conotação doce. E ela está bem atrás de mim, com um sorriso curto e não menos atraente por isso, com uma camisa social de tamanho maior que o seu corpo magro, cabelos azuis hidratados e olhar violeta enigmático, pagando pra mim um descafeinado.

Espera, ela tá pagando um café pra mim? Ela tá pagando um café pra mim! Acorda, Ekko!

— É imprudente da minha parte perguntar seu nome?

— Agora que já me pagou um café? Pode perguntar o que quiser! — respondo ainda com ar de incredulidade, ela ri — Meu nome é Ekko.

— Pode me chamar de Jinx, é um prazer finalmente ter um diálogo contigo depois de semanas te observando, Ekko.

Ora essa, ela também me observava secretamente. Claro, por qual outra razão ela me pagaria um café? Pelo seu cheiro é que não foi, Ekko, você nem cheira!

Se não fosse por ela, talvez eu não tivesse me atrasado para o trabalho, recebendo um belo sermão da minha supervisora. Ainda assim, nada poderia ser melhor do que aquele momento com Jinx, quando os pedidos foram entregues, nos sentamos na mesma mesa, dessa vez com olhares diretos e conversas acompanhadas de leves flertes e o gosto do descafeinado sem açúcar e da cobertura de chantilly do cappuccino. Talvez o amor verdadeiro de um beta seja outro beta, mas gosto de acreditar que o destino me sorriu ao colocar Jinx no meu caminho, e mesmo que a princípio o interesse tenha parecido unilateral, o que realmente importava era que as observações eram mútuas e os sentimentos compartilhavam a mesma sintonia.

O que importa é que o amor de um beta, como eu, é uma alfa, como Jinx, a maluca do cappuccino com cobertura dupla de chantilly.

Este é o último capítulo disponível... por enquanto! A história ainda não acabou.