Rafael Narrando

Cheguei a casa de Kevin e fui até seu quarto, me deitando atrás dele em sua cama e o abraçando. Pensei que ele fosse continuar com as agressões, mas ele ficou quietinho.

— Desculpa. Me desculpa mesmo. Não queria ter falado nada ao Murilo. Ele não acreditou, achou que era ciúme meu. E talvez fosse. Dói em mim saber que você ainda o ama. Mas você sempre demonstrou querer apenas a mim. E é nisso que eu devo pensar. Também não quero você livre pra estar com outro cara. Sei que causei isso tudo, eu até fiquei com uma garota pra tentar superar isso e seguir em frente, mas a solução de tudo era apenas você terminar comigo. Não te ter fez um estrago tão grande que desconstruiu qualquer barreira que eu tinha. Foi a pior semana da minha vida. Por favor, me perdoa. – comecei um choro baixo e cheio de dor. Ele se virou um pouco e eu me encostei em seu ombro, contente por sua mão esquerda ter alcançado o meu cabelo na altura da nuca e estar fazendo carinho ali.

— Como você sabe que desconstruiu? – ele perguntou tão suave quanto o movimento de suas mãos. Não lembrava nada aquele Kevin de minutos atrás.

— Não está claro? – elevei os olhos. – Eu estou aqui. – voltei a olhar pra baixo. – Eu não bebi e eu não estou com ciúme. Só estou aqui. Como era antes. – levantei um pouco a cabeça. – A gente pode esquecer isso tudo?

— Então... Você vai voltar a ser meu? – sua seriedade me deixou bastante confuso. Kevin tinha esse poder de confundir as pessoas, algo que ao mesmo tempo em que eu amava eu odiava.

— Você vai voltar pra mim? – quase trepidei. Ele sorriu, não sei se por perceber minha insegurança ou por gostar da pergunta. E então o sorriso dele aumentou, demonstrando que a resposta era positiva. – Não vou deixar você ir de novo. – falei antes de tentar beija-lo. Ele me olhou nos olhos e abriu a boca, prestes a dizer algo que com certeza me deixaria todo bobo por ele.

— Você tá cansado de saber que eu nunca quis ir a lugar algum. – sorri e enfim nossas bocas se juntaram, após longos dias sem beija-lo eu não queria nunca mais me separar dele. Quando os lábios de Kevin tentaram se afastar dos meus, eu o puxei, despejando nele mais um beijo demorado, em uma tentativa de suprir a saudade ou o nosso desejo acumulado.

— É assim que você faz as pazes? – ele questionou sorrindo poucos centímetros do meu rosto.

— É assim que tudo começou. Lembra? – sorri o beijando novamente.

— Eu nunca mais vou terminar com você. – ele sussurrou com calma, baixinho, para que aquela frase tivesse um impacto ainda maior.

Estar com Kevin era algo diferente de tudo que já vivi antes, realmente nunca havia experimentado aquilo com nenhuma garota em minha vida, quanto mais eu o tinha mais eu queria ter.

— Você demorou. – falei quando ele entrou no quarto com a água que eu havia pedido.

— Alice e Arthur. – ele chutou a porta levemente e chegou perto de mim. – Pedi a ele que a levasse até em casa.

— Até agora não acredito que ele está mesmo conseguindo transar com a Letícia quase todos os dias. Ele ama tanto Alice. – comentei antes de beber o liquido.

— E eu amo tanto você. – ele disse e sorriu. – Estou sendo mais gay que o comum né?

— É. Está. O maior gay dos gays. – concordei.

— Que bom. É assim que eu gosto. – ele se deitou ao meu lado e encaixou a cabeça entre meu ombro e meu pescoço e depois ficou passando a testa no meu ombro de forma carinhosa e então levantou a cabeça e me olhou. – Vou te fazer uma pergunta e não quero uma resposta automática, quero que reflita bem.

— Tá bom. – já imaginei o que viria adiante.

— Você está bem? – ficamos nos olhando. Não sabia como explicar a ele que a minha sensação de pecado foi totalmente deixada de lado agora que eu sabia que não conseguia viver sem ele.

— Estou Kevin. E eu vou te mostrar isso dia a dia. – falei me mantendo sério.

— Não quero que me prove nada. Eu me preocupo com você e se você se forçar a algo por minha causa eu nunca vou me perdoar.

— Vamos falar disso amanhã. – o beijei. – Agora eu só quero matar a saudade. – ele não conseguiu resistir e se deixou levar. Aquela noite a gente dormiu pouco, mas eu acordei tão disposto que pareciam ter sido umas doze horas completas.

— Temos que passar na casa de Alice. – ele disse após sairmos do banho. – Mas antes eu realmente queria que você me deixasse um pouco tranquilo em relação as suas angústias.

— Eu não vou mudar o pensamento. Não tem como resetar isso. Ainda acho que se Deus fez o homem e a mulher, como a minha vozinha me ensinou, eles são pra ser um do outro e apenas isso. Mas... Se aconteceu comigo, agora eu penso que existem exceções a essa regra divina. Antigamente eu achava que as pessoas faziam pra chamar a atenção.

— Não se enfrenta preconceito pra chamar a atenção Rafael.

— Sim. Hoje eu sei. É como eu te disse quando terminamos, você me tirou do meu lugar e me levou pra um lugar novo. Eu ainda estou em processo de me acostumar com tudo isso, mas não se preocupe com isso. Tá tudo sob controle agora.

— Não tem como não me preocupar. É algo que te paralisa. Você não consegue nem chegar perto de mim direito. Eu não vou ficar te provocando pra ter você e muito menos ameaçar terminar tudo.

— Não! – exclamei rapidamente. – Não faça isso mais. Por favor.

— Jamais. A verdade é que eu não consigo imaginar uma vida melhor para mim sem ter você incluído. Porque a única parte boa e amenizada, é onde você está. – sorri ao ouvir suas palavras e o puxei pra mim, o beijando calmamente. Quando nos separamos, fiquei o olhando bem de perto.

— Não me deixe sentir na pele e no osso o que é não te ter por perto. É absurdo e doloroso demais. Eu simplesmente não consigo aceitar te ver andar por aí sem mim.

— Acho que alguém está aprendendo direitinho comigo... – ele deu um sorrisinho lindo e eu o mordi.

— Só não seja assim comigo perto das outras pessoas, eu vou ficar sem graça.

— Nunca tive um namorado que eu pudesse fazer isso. Kemeron era mais um rolo e quando ele me assumiu eu não gostava mais dele. Murilo... – ele respirou fundo. – Tinha o meu pai. E foi tudo tão rápido.

— Kevin... E se o seu pai fizer algo contra a gente?

— Se? – ele ficou mais sério ainda. – Ele vai fazer. E talvez já esteja fazendo. Mas se passamos por cima de suas crenças limitantes, vamos passar por qualquer coisa.

— Eu te amo muito. – fiz carinho no seu rosto com o polegar e ele sorriu, tirando aquela expressão séria do rosto. Fomos até a casa de Alice e depois pra casa do Arthur.

“Está tendo uma festinha bem casual e calma aqui na casa da Letícia. Vem pra cá.”— li a mensagem de Arthur e desacreditei.

— Você vai. E eu vou com você. – Kevin disse após ler, já que estava ao meu lado. – Quero conhecer essa famosa Letícia.

— Não. Você quer conhecer a mina que eu peguei.

— Juro que eu nem estava lembrando dela Rafael. É o meu irmão e você sabe como eu me preocupo com ele. Sou um mestre em análises, se ela não prestar eu vou saber de primeira. Arthur não merece sofrer mais ainda.

— Tá bom. Mas... As duas são amigas e provavelmente ela estará lá. Só vou se você me prometer que não fará nada.

— O que eu poderia fazer? – ele arqueou as sobrancelhas como se fosse a pessoa mais ajuizada do mundo.

— Não sei. Botar certo medo nela quem sabe?!

— Quando eu fiz isso com alguém? – nem ele aguentou e sorriu.

— Vou mandar mensagem ao Arthur perguntando o que devemos levar já que estava na hora do almoço. E você já vai preparando o seu espirito e senso de humor. – ele me ignorou e mordeu a minha orelha. Dos males o menor, acho que hoje ele não causaria tanto estrago.

Assim que chegamos à casa da Letícia ela nos abraçou cordialmente e sorriu, havia umas oito pessoas mais ou menos. Como Arthur disse, realmente era algo pacato e eventual e estava acontecendo no terraço já que parecia que os pais dela estavam em casa.

— Ei você. – justo ela foi a primeira a vim nos cumprimentar, antes mesmo de Arthur. Ela passou os braços em volta da minha cintura e me olhou com maldade. Se estivesse alterada eu apostaria que me daria um selinho.

— Esse é o meu namorado. – falei tirando os braços dela. Ela encarou Kevin se mostrando completamente surpresa.

— Não precisa fazer isso. – ele avisou baixinho.

— Eu quero. – o olhei. Depois voltei a olhar pra ela que ainda estava sem reação.

— Podemos conversar a sós? – ela juntou as mãos e apontou com a cabeça para o lado.

— Se quer me perguntar se eu o trai com você, não. Terminamos.

— Não é isso. – Arthur se aproximou e nos olhou.

— Vai lá com ela, tenho que conversar com o meu irmão. – Kevin saiu guiando meu amigo. Encostei com aquela garota no guarda corpo de vidro fosco do terraço e observei o céu. A verdade é que eu só conseguia pensar em meu namorado e no quanto ele estava sendo inexplicavelmente perfeito.

— Então você é bissexual? – a olhei após sua pergunta.

— Se você gosta de rótulos. – dei de ombros.

— Mas isso é algo do tipo que está experimentando?

— Não, é algo do tipo que eu gosto mesmo. – ela pensou um pouco.

— Mas a gente transou. Foi bom pra caramba. Não. Foi muito mais que isso. Você não parece do tipo que se envolveria com um cara.

— Você me chamou pra me julgar? – me virei pra ela prestes a sair dali.

— Não quero parecer uma heteronormativa. – ela sorriu sem graça. – Só queria entender, porque você me deixou confusa.

— A gente teve algo casual. Você não precisa ficar confusa com as minhas escolhas.

— Eu... Sou afim de você desde o primeiro dia de aula. Achava que tinha namorada. Quando ficou comigo não esperava que namorasse e ainda mais que fosse um cara. Eu posso ficar surpresa e ter sentimentos em relação a isso?

— Pode. – suspirei. – Mas vai ter que lidar com isso sozinha. – sai indo até os dois. Cheguei e ele não perguntou nada. O que poderia acabar soando como falta de interesse.

— Então você dormiu aqui e se animaram tanto que surgiu a ideia dessa festinha? – ele perguntou ao Arthur.

— Pergunta logo o que a menina queria. – ele disse ao invés de respondê-lo. – Eu te conheço Kevin, sei que tá com ciúme. – cheguei mais perto dele.

— Ela queria questionar minha bissexualidade. Ela tá inconformada que eu esteja com um cara. – olhei em seus olhos.

— Fala pra ela que não é qualquer cara, é O CARA. – ele disse e ficou sério.

— O pior de tudo é ele não estar brincando. – Arthur falou e riu. – Vem, vamos nos juntar ao pessoal.

O mais interessante dessa tarde foi Arthur estar com Letícia igual a um namorado. Eles sorriam um para o outro e ficavam juntos, de uma forma que quem via de longe achava que eles namoravam há um bom tempo.

— Vou tomar um banho e volto pra ficar com você. – Kevin disse ao parar em frente de casa. – Ou você já cansou de mim? – dei um sorriso.

— Nem ficamos juntos direito. Como eu ia cansar? – olhei pra dentro. – O pessoal tá aí.

— É até bom que... – ele parou de falar e eu olhei pra onde ele estava olhando.

— O que está vendo pelo retrovisor? – perguntei sem saber.

— Diana. Ela estava recebendo um cara, um metro e setenta e poucos, acho que claro, cabelo escuro.

— Nunca duvidarei do seu poder de visão.

— Nem de audição, paladar, tato ou olfato. Sou igual um cachorro. – ele me olhou. – Isso é estranho.

— Você ser assim? Muito.

— Não. Ela estar recebendo alguém.

— Ainda tá cedo, são seis horas. O que tem?

— Ela não é louca por mim? Ou a doença dela é algo que ela aciona quando quer?

— Talvez seja alguém que vá fazer parte do grande plano que ela está bolando. Eu não sei. Agora me deixa entrar e vai logo pra você voltar mais rápido ainda e a gente ficar junto.

Um dia nós dois estávamos separados e no outro passando o dia todo juntos. Era totalmente surreal.

Kevin Narrando

Passei na casa da Alice antes de ir para a casa do Arthur. Não podia me descuidar e esquecê-la por causa do meu namoro. Ela era frágil demais pra isso.

— Não queria ir. – ela entrou no carro emburrada.

— Problema é seu. – falei e dei um sorriso.

— Já que estamos indo eu vou te dizer o que eu vou fazer. – ela tinha um tom decidido. – Vou mandar a real pra todo mundo. – tentei não rir. – Vou dizer ao Alê pra encarar a realidade que é ele amar Giovana e lidar com isso e pra ela vou manda-la esquecê-lo ou parar de enrolar Yuri.

— Ei, vamos com calma mocinha.

— Não. – ela continuou abafada. – Vou ir até Otávia e chama-la de trouxa. Foi enrolada pelo Danilo. – não aguentei e ri. – Isso é pra ela construir uma barreira e não ser mais enrolada.

— E o Yuri? Você vai mandar ele aprender a viver?

— Ele tá precisando de umas aulas de direção. Desse jeito ele só envergonha o meu irmão.

— Precisa falar dele? – nos olhamos.

— Vou mandar a Sophia acordar e ver que ela não tá brincando de boneca. E essa felicidade toda tem que dar espaço a realidade. Bebê tem dramas, fraldas, choros, gastos e eu não quero nem pensar.

— Alice cala a boca pelo amor de Deus. – pedi rindo. Estacionei e fiquei olhando pra ela.

— A Larissa eu não sei por onde começar. É tanta coisa que eu diria a ela que cabe em um livro. Ela é a iludida da galera e todo mundo já sabe, mas as ilusões dela estão passando dos limites.

— Ryan? – sorri de um jeito depravado.

— Vou nem perder meu tempo porque antes que finalize a frase ele já saiu pra fumar um cigarro, me deixando falando sozinha.

— Ele é dos meus. – ela me olhou séria.

— Não pense que você vai escapar. – arregalei os olhos. – Sim. Sim! – segurei o riso. – Trata de esquecer o meu irmão. Não vem com esse papinho que ama os dois não. Para com isso. Rafael merece você por inteiro. E você sabe disso.

— Não depende de mim Alice. – falei agora em um tom sério e sem gracinhas.

— Mas quanto mais você ficar atraindo esse pensamento nele e no amor que sente por ele pior é, entende?

— Tudo bem. Agora estou curioso... E o Arthur? Qual vai ser sua grande real pra ele?

— Nada. – ela abaixou o rosto. – Não existe perfeição, mas ele... Ele tá bem perto disso. Todos os erros dele são querendo fazer o que é certo e o que é bom. Não dá pra julgar Arthur.

— Ah, dá sim. Eu julgo pra você. Ele é um idiota por desistir tão fácil. Ele tinha que tá atrás de você dia e noite Alice.

— Você foi pra Paris atrás do meu irmão? – nos olhamos.

— Ele me bloqueou. Deixou claro que não me queria. E estávamos no abrigo, dificilmente eu conseguiria sair de lá. – suspirei. – Na verdade eu não fui porque eu sabia que não adiantaria nada. Ele sempre teria o Caleb como argumento. Vocês dois tem apenas vocês. Sua doença não é um empecilho Alice.

— É. Sou uma boneca de pano. Não se namora uma boneca. Você já viu um vídeo de um cara tentando transar com uma manequim de uma loja? – ergui as sobrancelhas sem entender onde ela queria chegar. – É nojento. Quando você fica com alguém que não tem a mesma expectativa ou não é igual não dá.

— Você tá querendo dizer que quase não é um ser humano?

— Isso. – ela respirou fundo. – Vamos entrar Kevin.

— Você vai perdê-lo. – falei baixo. – Fui hoje até a casa da Letícia... Eles estão bem envolvidos. Não acho que chega a ser algo amoroso, mas eles têm uma conexão.

— Eu sei. Eu disse mais cedo que ela era namorada dele porque eu sei que ela vai ser.

— E eu me preocupo com o que vai acontecer com você quando isso se tornar real.

— Se a gente tiver junto eu vou estar bem. – ela pegou minha mão e apertou e depois sorriu. E dessa vez não foi o sorriso forçado da Alice.

— Só pra constar, eu já estou do cansado do Kevin e Rafael assumidos. – Alexandre falou quando já estávamos perto de todo mundo.

— Senta. Se preferi você deita. – respondi e pisquei.

— Eles já eram assumidos antes.

— Mas eles nunca foram assim. Exceto na semana do natal pra provocar Murilo.

— Você fala demais Alexandre. – Sophia o repreendeu.

Olhei para Rafael para ver se ele estava incomodado e sim, ele estava. Claro, eu disse que sabia desde sempre ser impossível esquecer Murilo e de fato eu não menti. Porque com Murilo foi muito incrível. A forma como tudo aconteceu. Ele entrou com a calma dele em todo esse meu caos e fez de mim um Kevin melhor e fez dele a minha paz. Isso não era algo simples de desaparecer. Mas eu iria apagar o máximo que eu conseguisse. Pois só de olhar para aqueles olhos azuis eu sabia que ele merecia todo esse esforço.