Kevin Narrando

Assim que observei o meu pai sentado conversando com o pai de Rafael o meu coração gelou. Vi que estavam apenas os dois cheguei e me sentei entre eles.

— Você não devia estar no hotel? – perguntei o encarando.

— Desculpa, mas por que você usa um tom tão agressivo com o pai, ele é um homem tão gentil. – olhei pra sua expressão vitoriosa ao notar que seu papel estava sendo bem desempenhado.

— Outro dia ele me bateu acredita? Apenas por... Porque discordo de algumas opções que ele faz na vida.

— O que você tá fazendo aqui?

— Apenas batendo papo. Tive um pouco de folga e vim.

— Cadê o Rafael? – olhei para o pai dele.

— Deitado. Ele começou a sentir bastante dor depois do almoço. Ele quer voltar pra casa agora, mas se ele continuar assim vamos ter que esperar. Ele não aguenta viajar sentado por horas.

— Acho que já vou indo. – meu pai se levantou e me olhou sorrindo. Era isso que ele queria saber e pelo que parece o pai dele ainda não havia contado. Poderia até me sentir culpado, mas era só questão de minutos ele conseguir arrancar isso dele.

— Seu pai falou que você estava sentindo dor. – disse entrando no quarto de Rafael.

— É. Parece que quando o processo de cicatrização começa dói. Mas não é nada de mais. Devia ter ficado quieto, agora ele não quer ir embora.

— Não tem como disfarçar a dor que você deve estar sentido, você levou um corte profundo Rafael. O que eu não entendo era não ter doído tanto ainda.

— Doía, um pouco menos. Tem alguma coisa te preocupando? É isso né?

— Otávia me ligou avisando que meu pai estava aqui. Ele queria saber sobre você. Agora ele sabe que estamos tentando te tirar da cidade. Não sei o que ele pretende, não sei se ele...

— Kevin. – o olhei. Ele não disse nada, mas eu sabia o que querer que eu parasse de falar significava.

— Conheço esse olhar, já vivi isso antes. Ele vai acabar conseguindo o que ele quer e não vai precisar que ninguém te faça nada.

— Não, ele não vai. Só não gosto quando você ativa esse modo neurótico, me deixa incomodado.

— Parece que muita coisa que eu faço te incomoda.

— Queria poder te beijar pra te mostrar que isso não é verdade. – olhei pra porta e vi o pai dele. O meu coração acelerou e eu abaixei o rosto. De repente comecei a suar frio. Sabia que aquilo seria muito mais difícil que com um primo e um tio. Ele entrou fechou a porta pegou a cadeira da mesa de estudos e se sentou de frente pra gente. Eu estava sentado na cama perto dos pés de Rafael e fiquei imóvel, acho que nem piscava. Ele me olhou e então pareceu que meu cérebro era do tamanho de uma ervilha, porque eu não conseguia raciocinar. Aquela com toda certeza era uma das situações mais complicadas que eu iria passar em minha vida.

— Quando Rafael estava na universidade e ele conheceu Arthur, ele era a mesma pessoa... Ele arrastou o pobre coitado pra essa vida. Sei disso porque nos falávamos constantemente e ele contava das festas e garotas... Orgias... Rafael sempre gostou de exibir a masculinidade dele. Acho que me puxou nesse ponto. Pensei que tudo o que aconteceu, o vírus nessa cidade tivesse feito com que ele passasse por uma experiência dolorosa e feito com que ele mudasse, pois percebi que ele estava mais preocupado com os estudos e mais focado. Esse foi um dos motivos de eu concordar em ele vim pra cá, além de saber que Arthur era um cara legal.

— Pai... – ele tentou dizer algo e seu pai gesticulou para que ele parasse.

— E desde que ele esteve aqui ele não me deu um só trabalho. Ele não se meteu em brigas, está indo muito bem na faculdade, tem amigos legais e agora eu entendi que essa mudança drástica teve um fator muito importante, ele encontrou alguém que se preocupa com ele e eu sei que ele não quer decepcionar essa pessoa. Porque eu conheço o meu filho. – olhei Rafael e ele estava chorando. – Poderia ser uma garota? Poderia. Eu entendo? Não. Nem um pouco. Mas não posso me atacar com o meu filho o vendo tão bem desse jeito. Kevin eu acabei de perceber que o seu pai não te aceita e você bateu nele por isso, a frase que ele disse lá embaixo deixou isso bem claro pra mim já que eu estava desconfiando de vocês dois. Entendi que se eu fosse como ele, eu e Rafael só nos odiaríamos e nos agrediríamos e isso não é o que quero, nunca. Já errei muito na criação dele. Mesmo não concordando e achando isso tudo absurdo eu vou acolher os dois. Só te peço que me prometa que vai continuar cuidando dele da forma como vi que você cuida.

— Claro, eu prometo. – ele me olhou sorrindo fazendo o filho chorar mais ainda.

— Ele não era assim, agora estou começando a ficar preocupado. – ele se levantou e deu uma risada. – Vou deixar vocês dois sozinhos.

— Pai... Obrigado.

— Agradeça quando eu entender. Espero meu filho que seja em breve. - ele suspirou entristecido.

— Seu pai é maravilhoso. – falei assim que ele saiu.

— A culpa disso tudo foi sua. Se fosse um caso qualquer ele não aceitaria. Você fez com que o coração dele amolecesse. – meu celular vibrou.

“Se Rafael sair da cidade os alvos vão ser você e o seu irmão. Não complique as coisas pra mim Kevin.”

— O que foi? – o olhei.

— Quando você acha que consegue ir pra casa? Tive uma ideia. Preciso ir. – me levantei e iria sair. Voltei e o beijei. – Te amo. Vou trazer um remédio mais forte a noite, tá?

— Que se dane a receita do médico né?

— Uhum. Você não vai ficar sentindo dor. – o beijei de novo. Não queria sair de perto dele, mas era necessário.

...

Já era noite e eu estava extremamente cansado, mas teria que lidar com todas as dúvidas que Arthur tinha e sei que não seriam poucas.

— Quero saber como você conseguiu o jatinho do nosso pai pra poder levar Rafael. Tem tanta coisa envolvida nisso que eu não consigo nem imaginar.

— Uma autorização pra voo não é algo impossível de conseguir vindo das pessoas certas. O céu não é uma rodovia em época de férias.

— Sei como essas coisas funcionam Kevin. E não seria fácil assim. Você fez algo muito ruim. Algo que vai ter consequências lá na frente, eu tenho certeza disso.

— Relaxa Kevin, ele não tá nervoso com você, tá com ele mesmo. – Ryan falou enquanto todo o resto ainda se mantinha em silêncio.

— O que foi que rolou? – olhei os dois.

— Responde Kevin. – meu irmão quase ameaçou.

— Se fosse sair do País eu não conseguiria. Sabe quanto tempo foi de viagem? Quarenta minutos. E seria muito menos se fosse um avião grande, você já deve saber disso.

— Foda-se Kevin! Existe uma coisa chamada PLANO DE VOO e eu quero saber como você conseguiu esse.

— Chupando o piloto é que não foi. – a maioria riu.

— Amo a plenitude do Kevin. Ninguém tira ele do sério.

— Não sei por que você tá tão estressado, mas acredite em mim eu apenas fui até as pessoas certas e fiz do jeito certo. Não vai ter consequência nenhuma.

— E o pai dele se despediu de todo mundo e saiu daqui com você? Jura?

— Juro. – sorri grande. – Ele tá em processo de aceitação do nosso namoro. Disse que nunca viu alguém tão obstinado a fazer as coisas que Rafael deseja.

— Aí você contou que o desejo dele de ir pra casa é por causa de uma ameaça de morte e que tem a ver com seu pai? Acho que não né?

— Ah... São detalhes insignificantes. – sorri.

— Tudo acaba bem quando termina bem. Vou ir pra casa então. – Alexandre se levantou.

— Vocês estão muito calmos considerando que tem alguém que quer um de vocês morto. – meu pai disse olhando para mim e Arthur. Como sempre ele entrando como um rato nos lugares.

Vi o pavor no rosto de cada um de nossos amigos. Eles mal respiravam e nem se mexiam. Agora eles entenderiam de perto o quanto aquele homem era desumano.

- Achou que eu não descobriria Kevin? Você usou o meu piloto, o meu jatinho, a minha... – ele veio pra cima de mim e Arthur o segurou.

— Não fiz pra que não descobrisse. Fiz para que fosse feito. E tá feito. – o olhei e sorri.

— Eu te mandei um aviso. Não estava brincando. – ele me olhou e depois olhou Arthur. – Vocês são tão idiotas. Não conseguem ver que eu estou preocupado. – ele olhou em meus olhos. – Você sempre pensa o pior de mim, mas o pedido para não fazerem nada com Alice e sim a Rafael foi por ela ser da família. Você vai ter outros amores Kevin. Devia ter deixado que ele ficasse.

— Engraçado... Murilo é da família e você desgraçou a vida dele.

— O garoto tem problemas desde novo, não é minha culpa. E eu vou te dizer milhões de vezes que eu não o mandei ir embora. Foi porque quis.

— Dá pra você ir embora? – Arthur perguntou em um tom muito sério.

— Vou continuar fazendo de tudo pra proteger vocês. Por favor, tomem cuidado. – ele disse e saiu.

— Ele pareceu bem verdadeiro.

— O que foi Kevin? – alguém perguntou me tirando do estado de alucinação que eu estava.

— Toda vez que olho nos olhos dele me lembro do pavor do Murilo ao vê-lo.

— Oi. – Giovana entrou com cara de sono. – Tá quase tarde pra eu ir embora, alguém me dá uma carona?

— Por que você tá dormindo por aí?

— Yuri.

— Sua lerda você tem que contar tudo pra gente.

— Ele me prometeu que não se encontraria com Diana se eu ficasse com ele. Passamos o dia juntos. Acho que amanhã vai ser assim também. Ele não atendeu as chamadas dela.

— Ela deve vim aqui. – falei olhando Arthur. – Deixa avisado que é pra falar que ele não está.

— Acho que temos menos um problema então. Fomos salvos pela Giovana.

— Esse mundo só pode tá louco mesmo. – eles disseram mais algumas gracinhas e depois foram embora, fiquei para saber o que estava acontecendo com Arthur.

— O que foi aquilo com Ryan? E o seu stress comigo.

— Alice e eu brigamos. – ele se sentou no sofá da biblioteca.

— Se eu ganhasse um real por cada briguinha boba de vocês dois eu já havia comprado o meu pai.

— Cheguei e ela e ele estavam tão conectados, riam de uma forma que parecia... – ele se silenciou e ficou me olhando.

— Estou esperando. – eu queria rir, mas tinha que levar aquilo a sério.

— Você sabe Kevin. Não quero ter que ficar falando isso.

— Sinto te dizer, mas você tem um problema.

— Claro que eu tenho. O meu irmão fez com que eu me tornasse esse ciumento possessivo, porque toda vez que eu a vejo rindo ao lado de alguém eu lembro o quanto você a fazia rir e como ela se apaixonou por você. – ele respirou fundo. – Não tenho ciúme de vocês dois. Estou dizendo que aconteceu dela se envolver com alguém... Parece que o coração da Alice é bem maleável.

— Não é o coração dela que é maleável, eu que fiz com que ela se apaixonasse. Mas ela continuou te amando ou sei lá, se ela não pode mesmo te amar, ela ainda sentia algo bastante forte por você e a gente sabe disso. Você tem que se livrar dessa coisa se não vocês dois nunca vão dar certo.

— Que história é essa que o pai do Rafael está aceitando vocês dois?

— Ele não pensou com a cabeça, foi com o coração. Ele sentiu o quanto era errado não aceitar. Parece que tudo se resumiu em meu pai ser o escroto e ele percebeu e eu cuidar bem de Rafael e ele também percebeu.

— Parece ser um cara perceptivo.

— É bom eu andar na linha então. – ele deu uma risada.

— Não acho que vá fazê-lo sofrer. E você jamais trairia alguém.

— Nunca. – respirei fundo. – Vai querer que eu converse com Alice?

— Tenha uma má notícia. – nos olhamos. – Ela disse claramente que se não estivéssemos na vida dela que ela seria mais feliz. Nós dois. – fiquei um tempo em silêncio.

— Acha que é melhor dar um tempo pra ela? – ele não respondeu.

— É. Acho que sim. Talvez ela sinta que a gente a sufoque demais.

— Você muito mais que eu. – me levantei.

— Você acreditou nele? – queria não dar aquela resposta.

— Sim. Isso não muda quem ele é e nem o fato dele querer que meu namorado morresse. Além, claro, de todo mal que ele causou ao Murilo.

— Parece que ele nunca vai deixar você ser feliz. Tenho muito medo do que pode acontecer ao Rafael. Kevin... Se acontecer alguma coisa comigo, me promete que não vai ficar de luto tempo demais e se esquecer dele?

— E se for eu? – nos olhamos e ele desviou o olhar.

— Caleb não vai deixar você morrer. Se ele ver que não tem saída ele vai optar por mim e eu não julgo e não quero que se sinta culpado. Ele te deu uma vida de sofrimento e se for assim quero que você viva o mais feliz possível e o contrarie de todas as formas que puder.

— Você não vai me fazer chorar por uma coisa que nem sabemos se vai acontecer. E não vai acontecer.

— Foi você que viu uma arma apontada para a cintura do seu namorado. Devia saber as reais possibilidades. – ele sorriu. – Vai lá, tá tarde.

Cheguei em casa e só tomei um banho e cai morto na cama, nem peguei em meu celular, o que ao amanhecer eu vi que foi um grande erro. Havia várias chamadas perdidas e muitas mensagens de Rafael. O que é muito compreensível, ele vai ficar preocupado comigo o tempo todo agora. A junção de início de namoro com todo esse perigo não era algo muito legal. E sim meio devastadora. Só queria que as coisas estivessem mais calmas.

Arthur Narrando

Sai do banho e me assustei ao encontrar Alice em meu quarto. Era sábado, eu não sabia a hora, mas não era nem muito cedo e nem muito tarde.

— Comemorando sua liberdade? – perguntei já que agora não iríamos mais vigia-la. Ela veio até a mim e me beijou. Tirei suas mãos da minha nuca e a olhei. – O que é isso?

— Não quero que a gente se separe. Então desculpa. O que eu disse foi horrível.

— Nem eu quero, mas... – ela veio me beijar de novo. Tentei para-la.

— Não estraga o clima Arthur. – a olhei.

— Não posso fingir que tá tudo bem.

— Já pedi desculpas.

— Pelas suas palavras, mas você não me entende e se você não me entender da próxima vez vamos brigar de novo e de novo... O meu ciúme não é por querer Alice...

— Tenta me explicar então.

— Ainda é por você ter se apaixonado pelo Kevin. Espero que esteja mais que claro que eu confio plenamente em vocês dois e não tenho ciúme nenhum dos dois juntos. O fato é que isso deixou sequela e eu tenho medo que você se apaixone de novo por alguém.

— Quando você teve aquele ataque de ciúme do Rafael eu nem tinha me apaixonado ainda por Kevin.

— Tinha. Você apenas não tinha se dado conta, foi só no abrigo que você percebeu.

— Com tudo que tá acontecendo a gente tá brigando por ciúme. Já parou pra pensar nisso?

— O Rafael tá fora da cidade. E você não é um novo alvo. Yuri tá melhorando com a companhia de Giovana.

— Eu sei, mas ainda tem o pequeno problema de vocês dois serem o novo alvo.

— Caleb disse que faria de tudo para nos proteger, pela primeira vez na vida quem sabe ele não faça algo descente?

— Duvido muito. – ela respirou fundo. – Kevin não tem nenhum plano?

— Ainda não falei com ele. Ontem ele estava muito cansado com todo esforço pra tirar Rafael daqui.

— Pensei em uma coisa... – a olhei e quase ri.

— O Kevin estava errado em dizer que essa sua cabecinha não iria parar quieta?

— Só me escuta vai. – ela se sentou em minha cama. – Ainda vou ficar mais de vinte dias sem ouvir a voz do meu irmão. Pensei em pedir meu pai para viajar pra lá para eu poder visita-lo. Você e o Kevin iriam comigo. – fiquei olhando pra ela.

— Acho que o Rafael não vai gostar muito disso.

— Kevin não precisa ir visita-lo. Murilo nem vai saber que ele foi com a gente. Só pra segurança de vocês. A gente aproveita e faz nossa primeira viagem juntos.

— Um pouco demais pra primeira viagem, não? Acho que também está se esquecendo que eu trabalho.

— Ravi te da folga Arthur. Você trabalha mais horas depois pra pagar, sei lá. Por favor. De qualquer forma eu vou fazer esse pedido ao meu pai, quero muito ver Murilo. Se você não for ele vai ter que ir. E eu não acho que ele quer ver meu irmão naquele lugar.

— Vou conversar com Kevin e vamos ver o que fazemos. – ela me beijou mais uma vez. Não fazia ideia do que meu irmão iria achar disso, mas eu sabia que era muita loucura.