"Nós podemos passar por qualquer coisa."

Arthur Narrando

Cheguei correndo no quarto em que Alice estava, vi que ela dormia. Kevin se levantou.

— Ela está bem. – nos olhamos. – Como eu te disse eu estava indo buscar o Kemeron no aeroporto. Vi quando um carro em alta velocidade a atropelou e parei. O cara fugiu. Ele a jogou no canteiro, se eu não tivesse passando sabe-se lá se alguém a veria ou se visse e iriam socorrer.

— Muito obrigado. – ele me abraçou. Eu o afastei.

— Momento certo, hora certa. É... Arthur... – respirei fundo. – Entrei como responsável por ela por ser primo. Mas tem que comunicar aos pais. Não sabia para qual ligava e os dois estão nessa guerra... Preferi deixar essa parte com você.

— Não, tudo bem. Eu ligo.

— Que ótimo. Sou frio e racional demais para os dramas dessa família. Vou indo, você fica com ela né?

— Claro. Obrigado de novo. Kevin – ele me chamou depois de eu dar apenas um passo. - Ele vai saber disso.

— Não fiz por ele. Gosto dela. – a olhei. – Ela é insuportável, mas eu realmente gosto dela. – sorrimos juntos.

O médico chegou e disse que ela não havia quebrado nada e não tinha nenhuma hemorragia interna. Os danos foram mínimos. Isso era ótimo. Agora eu tinha que lidar com o fato de ter que encarar os pais dela.

— Ei. – olhei para ela abrindo os olhos assim que peguei meu celular. – Você levou uma pancada um pouco forte na cabeça, por isso a fizeram dormir. Mas o efeito passou bem rápido. Como está se sentindo?

— Um pouco dolorida. Onde estamos?

— No hospital, você sofreu um acidente. O Kevin te trouxe pra cá.

— Sim, lembro dele me perguntar se eu conseguia ouvi-lo. E... Eu tinha saído correndo de casa... Porque minha mãe começou a dizer umas coisas horríveis. Ela não queria ter tido filhos e todo mundo sabe disso, mas a partir do momento que ela decidiu ter ela poderia ao menos... Ai. – ela gemeu de dor e colocou a mão na cabeça.

— Alice esquece isso. Olha aonde chegou essas brigas com sua mãe. Você não pode sair correndo de casa descontrolada e não ver nada ao seu redor.

— Odeio quando você começa a falar assim dessa forma autoritária.

— Só me preocupo com você. – ás vezes era TÃO difícil lidar com Alice. – Ia ligar para os seus pais, mas já que acordou podemos ir, você foi liberada. Tem que ficar em repouso de vinte e quatro horas e extrema observação.

— Não vou ficar lá com ela, quero ir pra casa dos meus avós, depois meu pai vai até minha casa e busca roupas pra mim.

— E vai evitar sua mãe? – ela se levantou nervosa.

— Eu poderia ter morrido. Você pode agir como um namorado, por favor?

Fui até em casa o caminho todo calado. Já havia ligado e pedido a minha vó para avisar aos dois então não foi surpresa quando chegamos e eles estavam lá.

— Vou pra faculdade, já estou atrasado. – falei depois de tomar um banho rápido e descer. Eles pareceram estranhar minha falta de carinho e cuidado com ela, mas ninguém falou nada.

— Ow, dá pra diminuir a velocidade? Não estou querendo outro acidente não. – olhei para Rafael. – O que tá pegando?

— Alice. – respirei fundo.

— Essa parte eu já sei. Quero saber o que vem depois.

— Ela se intromete na separação dos pais, briga com a mãe dela o tempo todo e se afeta demais ao ponto de sofrer um acidente. Se alguma coisa tivesse acontecido a ela... – apertei o volante.

— Arthur. Não aconteceu. Ela tá bem. Agora se você for grosso do jeito que está sendo ela vai continuar viva e longe de você.

— Ela não consegue enxergar que está errada.

— Tenta pensar no quanto deve estar difícil pra ela também... Ela pediu ao Kevin para leva-la embora da escola hoje pra não ter que ligar para o pai e não correr o risco dos dois se verem. Olha isso.

— Como você sabe disso?

— Ele me contou. – o olhei. – A gente estava junto antes de dar a hora de ele ter que ir buscar o namoradinho dele.

— Juntos?

— Como amigos, conversando.

— Rafael eu vou te falar uma coisa, Kevin e Murilo se amam e eles vão reatar o namoro independente de qualquer coisa que aconteça. Não entra nessa. Você só vai sofrer.

— Entrar em qual? Não posso ser amigo dele? É isso? O seu irmão é legal pra caralho e eu não vou deixar de ter contato com ele porque passamos uma noite juntos.

— Quando vier chorando e dizendo que o ama eu vou mandar você a merda.

— Mas eu não sou louco pela Alícia? Decide em qual história vai acreditar.

— Se o Kevin por acaso conseguir fazer você esquecê-la eu não vou estranhar. Basta ele querer, ele sempre consegue tudo o que quer.

— Você ainda guarda mágoa dele ter conquistado Alice.

— Ele não conquistou, ele manipulou, é diferente.

— Deve ser porque ele é divertido, interessante e atraente.

— Ele é egoísta, complicado, sedutor e nada gentil. Toma cuidado Rafael.

— Nada gentil? Ele praticamente salvou a vida da sua namorada hoje!

— Por causa do Murilo. Pergunta se fosse qualquer uma das meninas se ele faria?

— De qualquer forma eu diria frio, calculista e manipulador. E gostoso pra caralho.

Ignorei aquela tentativa de conversa. Quando cheguei em casa após a aula perguntei da Alice para a minha mãe.

— Na casa dela.

— Ela disse que ficaria aqui.

— Acho que ela não quer ficar no mesmo lugar que você. – a olhei com raiva. – O pai dela não deixou. Disse que ela tem que ficar com a mãe. Se ela tinha raiva de um agora tem raiva dos dois. – respirei bem fundo. – Boa sorte no seu relacionamento.

— Boa noite. – fui para o meu quarto indignado. Não sei o que seria necessário para a minha mãe voltar a ter o mínimo de consciência e parar de agir daquela forma, mas se for o término do meu namoro, então ela vai viver assim.

Kevin Narrando

Havia combinado de buscar Kemeron na hora do almoço nessa quarta, mas como teve o acidente de Alice, mandei que ele pegasse um táxi e fosse direto para o hotel.

— Que história é essa que você salvou a princesinha? – meu pai chegou em casa quase no mesmo horário que eu.

— Que milagre você aqui. O hotel parou de ter serviço?

— Tenho um carregamento para receber. – ele me olhou sério. – Vai explicar essa porra de se fazer de herói ou não?

— Não. Não estou afim.

— Preciso lembrar que ela é a irmã do cara que te deixou?

— Preciso acrescentar que ele me deixou por sua causa?

— Não faz gracinha pra ele. Você prometeu que iria satisfazer o Kemeron!

— Eu vou. – me levantei do sofá. – E é por isso que a melhor suíte do hotel está reservada para nós dois hoje. – ele me olhou totalmente perdido. – É papai, você não tá dando conta nem do seu trabalho. – bati em seu ombro e sorri, indo para o meu quarto.

Já havia me arrumado, era noite e eu estava em meu carro a caminho do hotel quando o meu celular tocou. Coloquei o aparelho no suporte e atendi.

— Oi. Estou dirigindo, mas pode falar. – acendi a luz.

“Você não devia estar atendendo ao telefone.”— dei uma risada. – “Queria agradecer por salvar a minha irmã hoje.”

— Quem diria que o terrível Kevin faria algo do tipo. – o olhei.

“Você não é mais assim e a gente sabe disso.”— parei em frente ao hotel. Olhei e vi Kemeron me esperando na recepção. Era um pouco longe, mas se eu demorasse, ele me ligaria ou viria pra fora. Eu tinha que pensar rápido. – “O que foi?”— porra, era o Murilo, eu não podia simplesmente dizer que precisava desligar. Eu não conseguia.

— Havia parado em frente ao hotel, estou indo para a rua de trás. – falei enquanto dirigia.

“Qual é o problema com a frente do hotel?”— sempre esperto demais.

— Você sabe. – parei e peguei o celular. Deitei um pouco o banco e fiquei olhando para ele. – Você não me ligou só para agradecer.

“Foi sim.”— ele continuou sério.

— Por que não está sorrindo hoje? Levou bronca? – ele não aguentou e riu.

“Não, seu idiota. E eu estou sozinho.”— ele mostrou o quarto. – “Kevin... O que é isso que estamos fazendo?”

— Você se questiona demais.

“É pra isso que estou na terapia.”

— Não me fala dessa mulher porque eu fico nervoso. – ele deu uma crise de riso. – Você fica mais lindo ainda rindo. – ele parou e ficou sério. Ficamos nos olhando por um tempo.

“Vai lá para o seu namorado.”

— É. E você pega de volta o seu brinquedinho.

“Se pensar que ele é meu brinquedo te faz feliz e andando no caminho certo, tudo bem, mas você sabe que não é bem assim.”— fiquei interpretando aquela fala em minha cabeça. Murilo não queria me ver ou falar comigo. Mais uma vez ele estava me machucando como nunca.

— Você não sente nada por mim e nem quer nada comigo, está apenas continuando o que começou. Para Murilo. Não me ligue mais. – desliguei e juro que eu até choraria, se eu tivesse mesmo tempo pra isso.

— Eu estou sonhando? – Kemy perguntou me olhando. – Como conseguiu isso tudo? – observei milhares de rosas espalhadas pela cobertura. – Apenas estar aqui é impossível.

— Sou um Montez, lembra?

— Você enfim... Esqueceu? – sorri. E ele entendeu que sim. E eu agiria de acordo. Antes que ele dissesse mais alguma coisa eu o beijei com tanta vontade que não tinha como ele duvidar. Eu dei o melhor de mim nessa noite e até eu mesmo acreditaria que esqueci Murilo se eu não pensasse nele a cada segundo. Senti uma lágrima cair dos meus olhos enquanto Kemeron se aconchegava em meu peito. Eu estava mortificado porque eu sabia que agora eu tinha mesmo que esquecê-lo. Não havia mais esperanças. Ele foi cruel demais. Não sei como minha alma lidaria com tanta crueldade.

...

Recebi mensagens de quase todo mundo perguntando por que faltei a aula. Eu queria entender quando eu me tornei esse cara legal que as pessoas procuram e se preocupam. Que merda. Isso era chato pra caralho. Ignorei cada um e fui para casa depois de almoçar ao lado de Kemeron. Estava tentando dormir quando chamavam insistentemente na porta.

— Você fica tão bonitinho quando acorda. – Rafael disse apertando meu queixo. Sua fala me lembrou alguém e eu tive vontade de soca-lo por isso.

— O que foi Rafael?

— Que mau humor. Nem parece que transou a noite inteira. Ou devia dizer fez amor já que estava com o seu NAMORADO?

— Como você sabe disso?

— Torres. Notícias correm. Vai por roupa, vamos ir visitar Alice.

— Quando eu decidi isso?

— Estão todos esperando lá na casa da sua vó. Eu já peguei o carro do Arthur com ele e vou com alguns e você leva o resto, anda.

— Existe a opção de eu não querer?

— Não amorzinho. – ele parou em minha frente e mexeu em minha boca. – Isso. Um sorriso. Desfez o bico. Agora é só por a roupa. E sabe... Acho que você devia transar menos com o seu namorado e mais comigo. Você ficou mais bem humorado. – fechei os olhos e respirei fundo.

— Olha, que fique BEM claro que eu só vou por sua causa. Você tem certeza disso? Não vai ter o direito de me pedir mais nada.

— São os seus amigos Kevin. É a garota que você salvou a vida dela. Eles merecem que você esteja lá.

— Ah pronto! Entendi tudo. Ele já ligou para o Arthur. Maravilhoso. Agora eu vou. E aos poucos vocês vão entender que não adianta nada me obrigar a estar com vocês. E pode ter certeza que quando eu quiser estar vai ser bem pior.

— Parece que nasci aqui, mas eu não nasci. Não te conheço muito antes de você... Ser o cara bonzinho. Podemos conversar sobre isso depois?

— Não porque o Arthur já mandou você ficar longe de mim.

— Eu não obedeço ao Arthur.

— Deveria já que está na casa dele. – dei um olhar provocativo e um sorriso presunçoso. E ele caiu direitinho. Rafael era a presa mais fácil. Era até sem graça tentar ser perverso com ele.

— Vou te esperar na casa da sua vó. – ele saiu rapidamente. E o desgraçado do meu coração se apertou. Fiquei mal por fazer mal a ele. Rafael era o único que me fazia bem e foi o primeiro que eu ataquei. É por isso que eu devia manter distância de tudo e de todos.

Já estávamos na casa da Alice, mais exatamente na sala e todos conversavam. Eu me afastei e me sentei na bancada observando aquela cena de longe. Cena essa que ficava cada vez mais sem sentido pra mim.

— Um brownie pelos seus pensamentos. – Alice disse se sentando ao meu lado.

— Não curto doces.

— Você é mesmo diferente. – ela suspirou. – Não me olha assim, eu não sabia o que eu poderia trazer pra te comprar.

— Por que quer saber os meus pensamentos? – a encarei friamente. – Sua queda por mim não voltou depois do acidente né?

— Preciso que me responda uma coisa e sem deboche.

— Prometo tentar.

— O que você pretende fazer se desistir do Murilo? – dei um sorriso com a pergunta.

— Tenho um plano muito diabólico. – falei baixo chegando mais perto dela e dei um sorriso de canto.

— É? E o que é?

— Qual seria a graça se alguém soubesse? – ela pareceu levar bem a sério e demonstrou sentir medo, afastando o seu corpo do meu. Pisquei e dei uma risadinha. Os próximos dias seriam mais divertidos, eu tinha certeza disso.

"Eu me sinto incompleto, deveria saber. Nada no mundo se compara ao sentimento que nós dividimos."