Amor

Capítulo 8


Na manhã seguinte

Sem assunto

Bom dia, Inuyasha. Má notícia. Tenho de viajar pro sul do Tirol. Kouga está no hospital. Teve uma insolação ou algo parecido, dizem os médicos. Tenho de viajar pra lá para pegar as crianças. Estou com dor de cabeça. (Muito whiskey?) Obrigada pela bela noite. Eu também não sei o que é "traição". Sei apenas que preciso de você, Inuyasha, com muita, muita urgência. E a minha família precisa de mim. Eu vou agora. Amanhã dou notícias de novo. Espero que você esteja bem depois de todo aquele vinho francês...

No dia seguinte

Assunto: Tudo ok

Nenhum e-mail do Inuyasha? Eu queria somente dizer: estamos de volta. Kouga também veio conosco. Foi um problema de pressão arterial, mas ele já está bem de novo. Dê notícias, Inuyasha, por favor!!!

Duas horas depois

Assunto: Para o Sr. Inuyasha

Prezado Sr. Inuyasha, me custa muito escrever para o senhor. Confesso que me envergonha fazê-lo e, a cada linha, o constrangimento que me aflige fica cada vez maior. Eu sou Kouga Higurashi Wolf e acho que não preciso me apresentar com mais detalhes. Sr. Inuyasha, eu me dirijo ao senhor com um grande pedido. O senhor vai ficar surpreso ou chocado quando eu lhe fizer esse pedido. Em seguida, vou tentar lhe esclarecer os motivos para tanto. Não sou nenhum grande escritor, infelizmente. Mas vou me esforçar para exprimir nesta forma, que me é tão insólita, tudo aquilo que há meses me preocupa, que aos poucos tirou minha vida dos trilhos, minha vida e da minha família, sim, também a vida de minha mulher, algo que posso avaliar corretamente, após todos os anos de nosso harmonioso casamento.

E aí vai o pedido: Sr. Inuyasha, encontre-se com minha mulher! Por favor, faça isso de uma vez, de modo que termine essa assombração! Nós somos pessoas adultas, não tenho que lhe dizer mais nada. Só posso lhe pedir encarecidamente: Encontre-se com ela! Eu estou sofrendo com a minha inferioridade e fraqueza. Sabe como é humilhante para mim formular essas linhas? O senhor, por sua vez, não tem o mínimo constrangimento, Sr. Inuyasha, o senhor não tem por que se recriminar. Sim, e eu, eu também não tenho por que lhe recriminar, infelizmente, infelizmente eu não tenho. Não se pode recriminar um fantasma. O senhor não é palpável, Sr. Inuyasha, não é tangível, o senhor não é real, o senhor é apenas uma imagem fantasmagórica da minha mulher, uma ilusão de felicidade sem fim, de delírio etéreo, de amor utópico, feita de letras. Sou impotente contra isso, só posso esperar até que o destino seja misericordioso e faça do senhor uma pessoa de carne e osso, um homem com contornos, com pontos fortes e fracos, com vulnerabilidades. Somente quando minha mulher puder vê-lo assim, como ela me vê, alguém vulnerável, uma criatura imperfeita, um exemplar das deficiências humanas, somente quando ela lhe encarar frente a frente, a sua superioridade vai se dissipar. Somente aí eu terei a chance de ficar à sua altura, Sr. Inuyasha. Somente aí poderei lutar pela Gome.

"Inuyasha, não me force a abrir o meu álbum de família", minha mulher escreveu para o senhor uma vez. Agora eu, em vez dela, é que me sinto forçado a fazê-lo. Quando nos conhecemos, Gome tinha 23 anos, eu era professor de piano da Academia de Música, 14 anos mais velho do que ela, bem casado, pai de duas crianças adoráveis. Um acidente de trânsito deixou nossa família em ruínas, o menino de 3 anos ficou traumatizado, a menina, bem machucada, eu também fiquei com sequelas permanentes, a mãe dos meus filhos, minha mulher Ayame: morta. Se não tivesse o piano, eu teria ficado destroçado por conta disso. Mas música é vida, enquanto ela soar, nada morre para sempre. Quando se é músico e se toca, vivem-se as lembranças como se elas fossem acontecimentos. Consegui me reerguer por causa dela. E também havia meus alunos e alunas, era uma forma de distração, uma tarefa, um sentido. Sim, e de repente lá estava ela —Gome. Essa mulher jovem, cheia de vida, espirituosa, sapeca, linda, começou a juntar nossos caquinhos, por opção sua, sem nada prometer ou esperar qualquer coisa disso. Pessoas assim extraordinárias são colocadas no mundo para lutar contra a tristeza. Há pouquíssimas delas. Eu não sei como pude merecer: mas de repente ela estava ao meu lado. As crianças correram para ela. E eu também me apaixonei perdidamente.

E ela? Sr. Inuyasha, agora o senhor vai se perguntar: Sim, e Gome? Ela, a estudante de 23 anos, será que ela se apaixonou na mesma medida, justamente por esse Cavaleiro da Triste Figura de quase 40 anos, que na época só tinha seus tons e suas teclas? Essa pergunta eu não consigo responder ao senhor nem a mim mesmo. O quanto disso foi somente por admiração à minha música (à época, eu fazia realmente sucesso, era um pianista consagrado)? Quanto daquilo era pena, solidariedade, vontade de ajudar e a capacidade de estar presente nas horas mais difíceis? O quanto eu a fazia se lembrar do pai, que a havia deixado muito cedo? Em que medida ela havia ficado louca pela doce Kirara ou pela gracinha do pequeno Shippou? O quanto daquilo era a minha própria euforia, que se refletia nela, em que medida ela amava apenas o meu amor desenfreado por ela, e não a mim mesmo? Em que medida ela usufruía da certeza de que eu nunca a decepcionaria por conta de outra mulher, usufruía da minha integridade, minha fidelidade eterna, com que ela poderia sempre contar? Acredite, Sr. Inuyasha, eu nunca ousaria me aproximar dela se não houvesse percebido que ela possuía um monte de sentimentos fortes em relação a mim, como eu em relação a ela. Ela se sentia ligada a mim e às crianças de uma forma ilimitada, queria ser parte de nosso mundo, uma parte importante, uma parte decisiva, uma peça central. Dois anos depois, nós nos casamos. Agora já são oito anos. (Perdoe-me, eu estraguei aqui o seu jogo de esconde-esconde, revelei milhares de segredos: a "Kag" que o senhor conhece tem 34 anos.) Não passei um dia sem me admirar por ter essa jovem beleza vital ao meu lado. E todos os dias esperei, com temor, que isso fosse "acontecer", que aparecesse um cara mais jovem, um de seus inúmeros admiradores e adoradores. E Gome diria: "Kouga, eu me apaixonei por outro homem. Como é que vai ser agora com a gente?" Esse trauma passou. Agora um bem pior se estabeleceu. O senhor, Sr. Inuyasha, o tranquilo "mundo lá fora". Ilusões de amor por e-mail, um crescendo constante de sentimentos, uma saudade crescente, uma paixão inquieta, tudo isso direcionado para um alvo apenas aparentemente real, um grande objetivo, que sempre é adiado. O encontro de todos os encontros, que nunca vai acontecer, porque isso iria além das dimensões da felicidade terrena, a realização plena, sem fim, sem data de vencimento, e que só se pode vivenciar na cabeça. Contra algo assim, eu sou impotente. Sr. Inuyasha, desde que o senhor "existe", Gome se transformou. Ela vive distraída e distante de mim. Fica horas em seu quarto e olha para o computador, para o cosmos de seu idílio. Ela vive em seu "mundo lá fora", ela vive com ele. Se ela sorri radiante, já faz tempo que não é por minha causa. Com muito esforço ela consegue esconder das crianças a sua distração. Eu percebo como ficar muito tempo comigo a deixa aflita. O senhor sabe como isso dói? Tentei superar essa fase com muita tolerância. Gome não deveria jamais se sentir enclausurada por mim. Nunca houve ciúme entre nós. Mas de repente eu não sabia mais em que frente eu poderia atacar. Não havia nada ou ninguém, nenhuma pessoa de verdade, nenhum problema real, nenhum corpo estranho visível até que descobri a raiz de tudo. Eu poderia me enterrar no chão de vergonha por ter ido tão longe: eu espionei o quarto de Gome. E numa gaveta escondida encontrei finalmente uma pasta, uma pasta grossa, cheia de papéis escritos: toda a correspondência por e-mail dela com certo Inuyasha Taisho, tudo impresso direitinho, página por página, mensagem por mensagem. Com as mãos tremendo, copiei esses papéis e consegui deixá-los de lado por algumas semanas. Nós havíamos tido férias terríveis em Portugal. O mais novo ficou doente, a menina se apaixonou perdidamente por um instrutor de esporte. Minha mulher e eu ficamos calados por duas semanas, mas cada um de nós tentava demonstrar que estava tudo em ordem, como sempre esteve, como sempre devia estar, como mandam os costumes. Depois não consegui mais suportar. Levei a pasta quando viajei para passear com as crianças—e num ataque de autodestruição e masoquismo li todos os e-mails numa noite. Desde a morte da minha primeira mulher eu não havia passado por um tormento tão grande, pode acreditar. Quando terminei a leitura, não consegui mais levantar da cama. Minha filha chamou a emergência e me levaram para o hospital. Minha mulher me trouxe de lá para casa anteontem. Agora o senhor sabe a história toda.

Sr. Inuyasha, por favor, encontre-se com Gome! Eu agora cheguei ao cúmulo da humilhação: sim, encontre-se com ela, passe uma noite com ela, faça sexo com ela! Eu sei que vocês querem. Eu "permito" isso a vocês. O senhor tem carta branca, eu lhe poupo aqui de quaisquer escrúpulos, não encaro isso como traição. Percebo que Gome não procura apenas a proximidade mental com o senhor, mas também a física, ela quer "conhecer", acredita que precisa disso, ela anseia por isso. É um desejo irresistível da novidade, da mudança, que eu não posso oferecer a ela. Tantos homens admiraram e adoraram Gome, aparentemente ela nunca se sentiu atraída sexualmente por nenhum deles. E aí eu vejo os e-mails que ela lhe escreveu. E de repente percebo quão grande seu desejo pode ser, quando ele é provocado pela "pessoa certa". O senhor, Sr. Inuyasha, é o escolhido dela. E eu quase que desejo isto a mim mesmo: Faça sexo com ela. UMA VEZ (optei por enfáticas letras maiúsculas, como minha mulher faz.) UMA VEZ, SOMENTE UMA VEZ! Permita que seja esse o fim de sua paixão construída com palavras. Fixe aí o ponto final. Coroe a sua correspondência por e-mail— e dê um basta a ela em seguida. Devolva a minha mulher, seu extraterrestre, seu intangível. Traga ela de volta ao chão. Deixe que nossa família continue a existir. Não faça isso como um favor a mim ou às minhas crianças. Faça isso por Gome, pelo bem dela. Eu peço ao senhor! Estou chegando ao fim do meu constrangedor e torturante pedido de ajuda, do meu terrível pedido de clemência. Mais um pedido para concluir, Sr. Inuyasha. Não me entregue. Deixe-me fora de sua história. Eu quebrei a confiança de Gome, eu a enganei, li a correspondência íntima e privada dela. Já paguei por isso. Eu não poderia mais olhar em seus olhos se ela soubesse da minha espionagem. Ela não poderia mais olhar em meus olhos se soubesse que eu li. Ela odiaria a si e a mim na mesma medida. Por favor, Sr. Inuyasha, poupe-nos disso. Mantenha em segredo esta carta. E mais uma vez: eu peço ao senhor! E agora eu lhe enviarei a carta mais horrível que escrevi na vida.

Respeitosamente,

Kouga Higurashi Wolf

Quatro horas depois

Fw: Prezado sr. Higurashi, recebi seu e-mail. Não sei o que dizer a respeito. Nem mesmo sei se devo dizer algo. Estou perplexo. O senhor não só se humilhou, mas envergonhou a nós três. Tenho de refletir a respeito. Vou me afastar por um tempo. Não posso prometer nada ao senhor, absolutamente nada.

Meus cumprimentos,

Inuyasha Taisho

No dia seguinte

Assunto: Inuyasha???

Inuyasha, por onde você anda? Escuto sua voz sem parar. Sempre as mesmas palavras: "Então era assim, o tempo todo, a voz desse cara?" Agora eu sei exatamente como ele fala, aquele cara. Porém, ele não fala há dias. Você naquela noite tomou muito vinho francês? Você se lembra? Você me convidou pra ir à Hochleitnergasse 17, apartamento 15. "Só pra sentir seu cheiro", você escreveu. Você não tem ideia de como cheguei perto de ir. Perto como nunca. Penso em você noite e dia. Por que você não dá notícias? Será que devo me preocupar?

No dia seguinte

Assunto: Inuyasha???????

Inuyasha, o que está acontecendo? Por favor, me escreva!!

Kag

Meia hora depois

Assunto: Para o sr. Higurashi

Prezado sr. Higurashi, proponho ao senhor um pequeno acordo. O senhor tem de prometer uma coisa. E eu lhe prometo uma compensação. Bem: eu prometo ao senhor que não vou contar a sua mulher nada sobre seu e-mail nem o que está por trás dele. E o senhor tem de me prometer que não vai ler NUNCA MAIS NEM UM ÚNICO E-MAIL de sua mulher pra mim, ou meu pra ela. Confio que o senhor não irá quebrar a promessa, se a fizer. E o senhor, por sua vez, pode ficar certo de que vou manter a minha palavra. Se estiver de acordo, escreva: sim. Caso contrário contarei tudo à sua mulher.

Saudações,

Inuyasha Taisho

Duas horas depois

Re: Sim, Sr. Inuyasha, eu posso lhe prometer isso. Não vou ler qualquer e-mail que não for endereçado a mim. Já li muita coisa proibida. Permita-me uma pergunta: o senhor vai encontrar a minha mulher?

Dez minutos depois

Fw: Sr. HIgurashi, isso eu não posso responder. E mesmo que pudesse, não o faria. Em minha opinião, com o seu e-mail para mim, o senhor cometeu um erro catastrófico, sintomático de uma omissão grosseira e que provavelmente já dura anos em seu casamento. O senhor se dirigiu à pessoa errada. Tudo que o senhor me contou deveria ter contado a sua mulher, e por sinal muito antes, desde o começo. Eu recomendaria ao senhor que fizesse isso urgentemente. Recupere o tempo perdido! De resto, eu lhe pediria que não me mandasse mais e-mails. Acho que tudo já foi dito, tudo que o senhor achava que deveria me dizer. Já foi além da conta.

Saudações cordiais,

Inuyasha Taisho

15 minutos depois

Fw: Olá, Kag, acabo de voltar de uma viagem a trabalho a Colônia. Sinto muito, lá foi muito tumultuado, não tive sequer um minuto para lhe escrever com calma. Espero que todos estejam bem de saúde em sua família. Vou aproveitar o bom tempo e viajar por alguns dias, para algum lugar qualquer no sul, onde ninguém possa me achar. Acho que preciso disso, estou me sentindo bastante cansado. Quando voltar, eu escrevo novamente. Espero que você tenha agradáveis dias de verão — de preferência sem braços machucados.

Com todo o carinho,

Inuyasha

Cinco minutos depois

Re: Como ela se chama?

Dez minutos depois

Fw: Como se chama quem?

Quatro minutos depois

Re: Inuyasha! Por favor, não ofenda a minha inteligência e meu faro-pro-Inuyasha. Quando você se gaba de viagens a trabalho tumultuadas e de aproveitar o tempo bom, reclama do cansaço, fala que não quer ser achado, e me ameaça com votos de agradáveis dias de verão, então pra mim só pode ser isto: ALGUÉM! Como ela se chama? Não é a... Sango?

Oito minutos depois

Fw: Não, Kag, você está enganada. Não tem Sango nem ninguém. Eu preciso apenas me retirar um pouco. As últimas semanas e os últimos meses me esgotaram. Preciso me recuperar.

Um minuto depois

Re: Recuperar-se de mim?

Cinco minutos depois

Fw: Recuperar-me de mim! Darei notícias em alguns dias.

Prometo!

Três dias depois

Assunto: Inuyasha faz falta!

Olá, Inuyasha, sou eu. Eu sei que você não está aí, você agora está se recuperando de si mesmo. Como se faz isso mesmo? Eu gostaria de poder fazer isso também. Preciso urgentemente me recuperar de mim mesma. Em vez disso, estou lidando comigo mesma e ficando esgotada com isso. Inuyasha, preciso lhe confessar algo. Quer dizer: é óbvio que não devo, também não é bom que eu o faça, mas simplesmente preciso fazê-lo. Inuyasha: eu não estou feliz no momento. E você sabe por quê? (Você provavelmente não quer saber de jeito algum, mas não tem chance alguma, sinto muito.) Eu não estou feliz — sem você. Os e-mails do Inuyasha fazem parte da minha felicidade. Os e-mails do Inuyasha fazem falta à minha felicidade. Para meu azar, agora mesmo esses e-mails têm feito muita falta à minha felicidade. Desde que conheci sua voz, eles fazem três vezes mais falta. Passei a noite de ontem e algumas horas da madrugada com Kikyou. Foi o primeiro encontro legal com ela depois de muitos anos. E você sabe por quê? (É muito infame, eu sei, mas você tem de ouvir isso agora.) O encontro foi legal porque eu finalmente estava infeliz. Kikyou diz que eu no fundo estava como sempre, apenas eu admiti dessa vez, diante dela e de mim mesma. Ela me agradeceu por isso. Soa triste, né? Kikyou afirma que de uma maneira estranha, a saber, por escrito, me apaixonei por você, Inuyasha. Ela acha que eu atualmente quase não posso viver sem você, ao menos não de uma maneira feliz. E ela diz que ela até entende. Isso não é terrível? O caso é que amo, meu marido, Inuyasha. Sinceramente. Eu o escolhi, ele e seus filhos. Eu queria essa família e nenhuma outra, até hoje. Na época as circunstâncias eram trágicas, um dia desses eu lhe conto. (Você está se dando conta de que estou falando sobre minha família por conta própria?) Kouga nunca me decepcionou e não me decepcionaria. Nunca, nunca, nunca! Ele me dá completa liberdade, realiza todos os meus desejos. Ele é um homem tão educado, altruísta, tranquilo, agradável. É claro que com o tempo o dia a dia sufoca. As rotinas são estabelecidas, faltam surpresas. Nós nos conhecemos de cor, não há mais mistérios. "Talvez lhe falte apenas o mistério. Talvez você tenha se apaixonado por um mistério palpitante", diz Kouga. "O que eu devo fazer?", digo. "Eu não posso de repente fazer de Kouga um mistério palpitante." Inuyasha, o que você me diz: posso transformar Kouga num mistério palpitante? Pode-se transformar oito anos de convivência familiar num mistério palpitante?

Ah, Inuyasha. Está tudo tão difícil pra mim nesse momento. Eu não estou de bom humor. Falta-me disposição. Falta-me vontade pra qualquer coisa. Falta-me Inuyasha, o único. Eu não sei pra onde isso vai levar. Não quero saber de jeito nenhum. Pra mim tanto faz. O importante é que você me escreva logo de novo. Por favor, se apresse com sua recuperação-de-si-mesmo. Quero beber vinho de novo com você. Quero que você queira me beijar de novo. (Essa frase está clara?) Eu não preciso de beijos de verdade. Preciso daquele que em algumas situações quer me beijar urgentemente, sem falta, imediatamente, de modo que não consegue escrever outra coisa a não ser isso. Eu preciso do Inuyasha. Estou me sentindo tão sozinha com minha garrafa de uísque. Bebi tanto uísque, Inuyasha. Você percebeu? Como seria por acaso a vida com você? Por quanto tempo você iria querer me beijar urgentemente, sem falta, imediatamente? Por semanas, meses, anos, pra sempre? Eu sei que não devo pensar assim. Sou feliz no casamento. Mas me sinto infeliz nele. Isso é, eu acho, uma contradição. A contradição é você, Inuyasha. Obrigada por ter me ouvido. Eu ainda vou beber um uísque. Boa noite, Inuyasha, você me faz tanta falta… Eu beijaria você até mesmo às cegas. Sim, eu faria isso. Agora mesmo.

Dois dias depois

Assunto: Nenhuma palavra

Trinta graus e nenhuma palavra daquele-que-se-recupera-de-si-mesmo. Eu sei, a mensagem de anteontem estava mesmo além do limite. Foi pedir muito de você, Inuyasha? Acredite em mim, foi o uísque! O uísque e eu. Eu e o que está dentro de mim. O uísque e o que ele tirou lá de dentro.

Com saudades,

Kag

No dia seguinte

Sem assunto

Vento sul… contudo eu estou fritando na cama. Uma única sílaba sua e eu adormeceria imediatamente. Boa noite, meu querido aquele-que-se-recupera-de-si-mesmo.

Dois dias depois

Assunto: Meu último e-mail

Minha última mensagem não teve uma resposta! Inuyasha, é realmente cruel isso que você está fazendo! Por favor, pare com isso, dói como o diabo. Tudo é permitido, tudo menos o silêncio.

No dia seguinte

Assunto: E-mail de resposta

Querida Kag, precisei apenas de algumas horas para tomar uma decisão que vai mudar minha vida. Mas precisei de nove dias para lhe comunicar as consequências. Kag, vou me mudar em poucas semanas para Boston, para passar no mínimo dois anos. Vou dirigir um projeto com uma equipe na universidade de lá. O emprego é extremamente atraente tanto do ponto de vista científico como do financeiro. As circunstâncias da minha vida me permitem ser assim tão espontâneo. Há poucas coisas de que tenho de abrir mão aqui. Aparentemente mudar-se de continente em algum momento tem a ver com minha família. Alguns amigos próximos vão me fazer falta. Minha irmã Rin vai me fazer falta. E vai me fazer falta: Kag. Sim, ela vai me fazer falta de um modo bem especial. Eu ainda tomei uma segunda decisão. Ela soa tão difícil que meus dedos tremem enquanto a comunico a você, logo depois dos dois pontos: estou encerrando nosso contato por e-mail. Kag, preciso tirar você da minha cabeça. Você não pode ser meu primeiro e meu último pensamento do dia até o fim da minha vida. Isso é doentio. Você "tem dono", você tem família, você tem tarefas, desafios, responsabilidades. Você está muito ligada a elas, esse é o mundo em que você é feliz, isso você me deixou bem claro. (Com doses altas de saudades-com-uísque, a gente fala sobre se sentir infeliz, como você o fez em seu último e longo e-mail, mas isso tudo passa o mais tardar ao acordar no outro dia.) Estou convencido de que seu marido ama você, como só se pode amar uma mulher após tantos anos de convivência. Você deve sentir falta apenas de uma pequena aventura extraconjugal, só na sua cabeça, um pouco de maquiagem para a "cara limpa" do seu dia a dia. Daí surgiu essa sua afeição por mim. É aí que se sustenta nossa relação-por-escrito. A longo prazo, essa relação talvez seja mais confusa do que graficamente.

Agora quanto a mim: Kag, tenho 36 anos (bem, agora você sabe). Não pretendo manter contato a vida toda com uma mulher que só está livre pra mim por e-mail. Boston me dá a oportunidade de recomeçar. Eu de repente tenho novamente vontade de conhecer uma mulher de uma maneira podre de conservadora: primeiramente eu a vejo, daí ouço a sua voz, então sinto seu cheiro, depois talvez eu a beije. E em algum momento posteriormente eu por caso escrevo um e-mail para ela. O caminho inverso, que nós trilhamos, foi e é incrivelmente excitante, mas não leva a lugar algum. Preciso tirar um bloqueio da minha cabeça. Durante meses eu vi Kag em cada mulher bonita que passou por mim na rua. Mas nenhuma delas podia se equiparar à verdadeira, nenhuma podia competir com ela, pois a verdadeira eu tinha longe de qualquer lugar público, isolada da sociedade, separada, somente pra mim, no computador. Lá, ela me apanhava no trabalho. Lá, ela esperava por mim antes ou depois do café da manhã. Lá, ela me dava boa noite depois de um longo dia. Muitas vezes, ela ficava comigo até o amanhecer, no quarto, na cama, enfiava-se comigo sob o cobertor. Mas no fim das contas ela ficava inalcançável, intangível pra mim. Sua imagem era tão delicada e quebradiça, que ela não poderia suportar meu olhar real sobre ela, sem logo ficar com rachaduras e sulcos. Essa Kag artificial me parecia tão frágil que viraria ruínas se eu a tocasse de verdade. Fisicamente, ela não era mais do que o ar entre as teclas com as quais eu a invocava dia a dia. Bastaria assoprar—e ela desapareceria. Sim, Kag, pra mim acabou, vou fechar a minha caixa de entrada, vou assoprar o teclado, vou sair da tela. Vou me despedir de você.

Inuyasha

No dia seguinte

Assunto: Por que uma despedida assim?

Aquele foi seu último e-mail? Isso não existe! Eu desconheço aqui seu último e-mail. Inuyasha, olá! Não vou esperar por uma brilhante performance humorística, se o que você quer é sair de fininho. Mas o que foi aquela farsa trágica amarga? Que espécie de despedida foi aquilo? Como posso imaginar sua cara quando você assoprou melodramaticamente nas teclas? Sim, ok, eu me descuidei um pouco nos últimos tempos. Também comecei a falar sem parar. Meu temperamento, que em geral é um peso-mosca, às vezes estava pesado como um saco de concreto. Sim, saí por aí carregando nosso imenso pacote de correio eletrônico. Eu me apaixonei um pouquinho pelo Mister Anônimo, isso lá é verdade. Nós dois não conseguimos mais tirar um da cabeça do outro, aí nenhum deve nada ao outro. O que é um motivo para nos tornarmos agora uma espécie de Tristão e Isolda virtuais. Quer viajar pra Boston, então viaje. Quer interromper contato comigo por e-mail, então interrompa. Mas não interrompa ASSIM! Isso é, tanto do ponto de vista da escrita quanto do emocional, abaixo de seu nível, e abaixo da minha dignidade, caro amigo. Assoprar nas teclas, por favor, Inuyashaaa! Que kitsch! Só posso pensar assim: "Então era assim, o tempo todo, a voz desse cara?" Por favor, prove para mim que esse não foi o último e-mail que você me escreveu. Para terminarmos, quero algo positivo, surpreendente, uma partida grandiosa, com graça. Diga-me, por exemplo: "E por fim eu sugiro a você que nos encontremos!" Isso seria ao menos um fim engraçado. (Bem, agora eu vou ali me esgoelar de chorar, se você me permite.)

Cinco horas depois

Fw: Querida Kag, e por fim eu sugiro a você que a gente se encontre!

Cinco minutos depois

Re: Você não está falando sério.

Um minuto depois

Fw: Sim. Eu não brincaria com isso, Kag.

Dois minutos depois

Re: O que eu devo esperar disso, Inuyasha? É uma brincadeira? Eu lhe dei uma contrassenha? Converti você de melodramático num satírico com as minhas palavras?

Três minutos depois

Fw: Não, Kag, não é nenhuma brincadeira, isso é um propósito muito bem pensado. Você apenas se antecedeu a mim. Portanto, mais uma vez: Kag, eu gostaria de terminar nossa relação-por-e-mail com um encontro. Deve ser um encontro único, antes de eu me mudar para Boston.

50 segundos depois

Re: Encontro único? O que você promete em relação a ele?

Três minutos depois

Fw: Conhecimento. Alívio. Relaxamento. Clareza. Amizade. A resolução de um enigma escrito por aqui, mas, no entanto, indescritivelmente superdimensionado. Uma sensação boa depois. A melhor receita contra o vento norte. Um término digno de uma excitante fase de vida. A resposta simples para milhares de perguntas complicadas ainda em aberto. Ou, como você mesma disse: "Pelo menos um fim engraçado."

Cinco minutos depois

Re: Talvez, no entanto, não seja nem um pouco engraçado.

45 segundos depois

Fw: Isso depende de nós dois.

Dois minutos depois

Re: De nós dois? No momento, você está bem sozinho nessa, Inuyasha. Eu ainda não disse de jeito nenhum "sim" a nosso encontro de última hora e estou, pra ser sincera, no momento, bem distante de fazê-lo. Primeiro, eu gostaria de saber mais sobre o encontro "the-first-date-must-be-the-last-date"? Onde você quer me encontrar?

55 segundos depois

Fw: Onde você quiser, Kag.

45 segundos depois

Re: E o que nós vamos fazer?

40 segundos depois

Fw: O que quisermos.

35 segundos depois

Re: O que é que nós queremos?

30 segundos depois

Fw: Vamos saber na hora.

Três minutos depois

Re: Eu acho que prefiro e-mails de Boston. Aí não temos de esperar pra saber quem de nós quer o quê. Eu pelo menos já sei que quero algo e o que eu quero: justamente os e-mails de Boston.

Um minuto depois

Fw: Kag, eu não vou escrever pra você de Boston. Eu gostaria de parar com isso, sinceramente. Estou convencido de que isso será bom pra nós dois.

50 segundos depois

Re: E por quanto tempo você ainda acha que vai me escrever?

Dois minutos depois

Fw: Até o nosso encontro. A menos que você diga que definitivamente não quer me encontrar. Então isso seria praticamente um ponto final.

Um minuto depois

Re: Isso é uma chantagem, mestre Inuyasha! Além disso, o jeito que você escreve é bastante rude, leia seu último e-mail. Eu não acho que queira encontrar um cara que fala assim. Boa noite.

Na manhã seguinte

Sem assunto

Bom dia, Inuyasha. Eu com certeza NÃO vou me encontrar com você no Café Huber!

Uma hora depois

Fw: A gente também não precisa. Mas por que não?

Um minuto depois

Re: Lá se encontram colegas de trabalho ou pessoas que se conhecem por acaso.

Dois minutos depois

Fw: Praticamente não se pode ser "conhecido" de modo mais "por acaso" do que nós dois.

50 segundos depois

Re: É com essa opinião que você manteve nosso contato, e quer acabar com tudo agora? Então é melhor deixarmos de lado nosso encontro "por acaso" e "único."

No dia seguinte

Sem assunto

Inuyasha, o que é que está realmente errado com você? Por que você escreve assim de repente tão grosseira e destrutivamente? Por que você põe nossa história assim tão pra baixo? Você está se esforçando especialmente para ser insensível e mau? Você quer tornar a sua partida mais fácil pra mim?

Duas horas e meia depois

Fw: Sinto muito, Kag. Estou me esforçando desesperadamente pra tirar você da minha cabeça. Já lhe expliquei por que isso é importante pra mim. Eu sei que os e-mails, desde "Boston", soam terrivelmente pragmáticos. Não gosto de escrever assim, mas estou me forçando a fazê-lo. Não quero mais investir, por escrito, qualquer sentimento em "nossa história". Não quero construir mais, para deixar que desmorone. Eu realmente quero apenas este encontro. Acho que vai fazer bem a nós dois.

Dois minutos depois

Re: E o que acontece se quisermos nos encontrar novamente após o nosso encontro?

Quatro minutos depois

Fw: Por mim, podemos deixar de lado essa opção. Quer dizer, eu já deixei. Quero te encontrar só e somente só desta vez, para dar um término digno à "nossa história", antes de eu ir para os Estados Unidos.

15 minutos depois

Re: O que você entende por "um fim digno"? Ou colocando de uma maneira diferente: O que você quer que eu pense sobre você depois do encontro:

1) Bem simpático, mas nem de perto tão interessante quanto é quando escreve. Agora eu posso, com a consciência tranquila e uma sensação boa, apagá-lo para sempre de todas as pastas da minha vida.

2) Por causa desse sujeito chato passei um ano inteiro "fora de mim"?

3) Um homem ideal para uma escapadela. Pena que agora ele vai escapar para o outro lado do oceano.

4) Cara incrível! Que noite alucinante! A troca de e-mails durante meses valeu a pena! Bem, resolvido. Agora posso novamente me concentrar nos lanches do Shippou.

5) Que merda. Então é assim que ele é! Por ele, eu teria dado um fora no Kouga e largado a minha família. Infelizmente ele agora vai fugir de mim em direção aos Estados Unidos, a terra de onde não se podem escrever e-mails. Mas eu vou esperar por ele! Vou acender uma vela todo dia pra ele. E vou rezar com as crianças até que ele volte com toda a sua pompa e glória...

Três minutos depois

Fw: Como sentirei falta de seu sarcasmo, Kag!

Dois minutos depois

Re: Você pode levar um bom carregamento dele para Boston, Inuyasha. Eu ainda tenho bastante. Bem: qual daqueles tipos você gostaria de mostrar por ocasião de nosso último encontro?

Cinco minutos depois

Fw: Eu não vou mostrar tipo nenhum. Eu vou ser quem eu sou. E você vai me ver como eu sou. Você pelo menos vai me ver do jeito que você acha que eu sou. Ou me ver como você quer acreditar que eu sou.

Um minuto depois

Re: Eu vou querer ver você de novo?

45 segundos depois

Fw: Não.

35 segundos depois

Re: Por que não?

50 segundos depois

Fw: Porque isso não é possível.

Um minuto depois

Re: Tudo é possível.

45 segundos depois

Fw: Isso, não. Isso não é possível a priori.

55 segundos depois

Re: Algumas coisas que a priori não são possíveis se tornam possíveis a posteriori. E frequentemente não são as piores opções que se tornam possíveis.

Dois minutos depois

Fw: Sinto muito, Kag. Não vai haver a possibilidade de você querer me ver novamente. Você vai ver por quê.

Um minuto depois

Re: Então pra que ir? Se eu já sei que depois de nosso primeiro encontro eu não vou querer ter um segundo, por que eu deveria lhe encontrar afinal de contas?

Dois minutos depois

Assunto: Para o Sr. Inuyasha

Prezado Sr. Inuyasha, estamos atravessando dias terríveis. Se isso não terminar, nosso casamento vai acabar. Posso imaginar que seja isso o que o senhor quer. Por favor, encontre-se com a minha mulher e pare de escrever para ela. (Juro que não tenho nenhuma ideia do que vocês têm escrito um para o outro, nem quero mais saber, quero apenas que isso finalmente acabe.)

Saudações cordiais,

Kouga Higurashi

Três minutos depois

Re: Kag, você deve saber por que quer me encontrar (se realmente quer). Eu só posso lhe dizer uma coisa: quero encontrar você! Também já expliquei exaustivamente por quê.

Com todo o meu carinho, boa noite, Inuyasha

Um minuto depois

Re: Inuyasha Iceberg Taisho. "Então era assim, o tempo todo, a voz desse cara." Na verdade, estou muito triste.